Parceria Transatlântica TTIP: a nova OTAN econômica

© AFP 2023 / THIERRY CHARLIERUm manifestante mostra o seu cartaz dizendo, em inglês: "TTIP: se você não está à mesa, você está no cardápio" durante um ato na entrada do Parlamento Europeu em 24 de fevereiro de 2016
Um manifestante mostra o seu cartaz dizendo, em inglês: TTIP: se você não está à mesa, você está no cardápio durante um ato na entrada do Parlamento Europeu em 24 de fevereiro de 2016 - Sputnik Brasil
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As negociações sobre o famoso e polémico Acordo de Parceria Transatlântica sobre Comércio e Investimento (TTIP) estão sendo aceleradas para terminarem antes do fim do mandato de Obama.

A Embaixada dos EUA em Lisboa tem andado pelo país a tentar convencer os empresários locais de que o acordo é algo positivo para Portugal.
Assim, recentemente, (24 e 25 de fevereiro) dois representantes do governo dos Estados Unidos estiveram no Porto, na Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção, para “explicar” aos empresários as vantagens da parceria.
Em 26 de fevereiro, na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), decorreu em Lisboa um seminário dedicado às “Perspetivas e Impacte das Negociações do TTIP no Setor Agroalimentar”, destinado aos empresários da Federação  das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares, curiosamente um dos setores que sofrerá mais impacto negativo se o acordo for assinado. A Embaixada dos Estados Unidos foi um dos promotores do evento.
A décima segunda rodada de negociações da Parceria Transatlântica decorreu, em Bruxelas, entre 22 e 26 de fevereiro passado. Há duas novas rodadas previstas para os próximos meses — uma em abril e outra em julho. Tudo parece estar a ser feito para assinar este acordo até ao fim deste ano, mais precisamente antes do mandato do presidente norte-americano Barack Obama terminar. A pressão deve-se à dificuldade de prever se o candidato vencedor quererá prosseguir com este acordo ou não.
A Parceria só poderá entrar em vigor com a aprovação do Parlamento Europeu e dos Estados-membros.

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À primeira vista, o TTIP parece uma coisa positiva. Aliás, é dessa forma que os governos europeus estão falando publicamente deste acordo. Ele permitiria juntar o mercado europeu com o norte-americano e criar uma zona de 800 milhões de consumidores, com grandes vantagens para os dois lados. O acordo prevê gerar ganhos de cerca de 120 bilhões de euros para a União Europeia e 90 bilhões de euros para os EUA, para além de novos postos de trabalho, sendo uma oportunidade para as empresas europeias aumentarem as exportações, uma vez que deixará de haver barreiras no acesso ao mercado norte-americano e vice-versa.

Na área financeira conduzirá à liberalização e desregulamentação dos serviços financeiros, a uma maior participação do setor financeiro no processo legislativo, maior facilidade de deslocação dos bancos para países com impostos mais baixos.

Mas o maior ponto de controvérsia é o ISDS, o mecanismo de resolução de disputas entre Investidor e Estado. Este mecanismo permite que as empresas transnacionais processem governos, fora dos seus tribunais nacionais, pela perda de lucros futuros resultantes de ações por parte do governo, como por exemplo, uma nova legislação nacional, votada de forma democrática. Os Estados poderão perder o direito de regulação e, caso proíbam a entrada de um produto, terão de compensar a indústria que o produz ou permitir a sua importação. Isto significa que as corporações poderão processar os governos através de painéis sigilosos de juristas, sem passar por tribunais ou parlamentos. As audiências são feitas à porta fechada. Os juízes vêm de grandes escritórios de advogados ligados ao mundo dessas empresas.

Seria finalmente a realização dos sonhos das corporações: um acordo com "força de lei" que privilegie os interesses corporativos e o capital privado frente à regulamentação dos governos.

As diferenças de legislação entre os Estados Unidos e a União Europeia, em matéria de ambiente, saúde, proteção dos consumidores ou segurança no trabalho, são interpretadas como barreiras ao comércio. Para os ativistas anti-TTIP, como Susan Cohen Jehoram, citada pelo jornal Público, o acordo "não é sobre comércio. É sobre a transferência de poder das pessoas para as grandes corporações. O que a Comissão Europeia chama barreiras ao comércio são, de facto, as salvaguardas que mantêm os pesticidas tóxicos fora dos nossos alimentos, ou os poluentes perigosos do ar que respiramos. Os negociadores […] querem enfraquecer essas salvaguardas para maximizar os lucros das empresas, quaisquer que sejam os custos para a sociedade e para o ambiente".

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Na área agrícola, o modelo norte-americano de agricultura intensiva criará uma enorme concorrência aos agricultores europeus, que geralmente possuem pequenas explorações. Também os têxteis nacionais podem perder competitividade.

Até há bem pouco tempo, o conteúdo do acordo era praticamente desconhecido e negociado em segredo.

Em junho de 2015, os deputados portugueses foram convidados a consultar o texto do TTIP na sala de leitura da embaixada dos EUA, para onde só poderiam levar um lápis ou caneta, obrigando-os a aceitar o sigilo em relação ao mesmo e impedindo a sua transcrição.

O Bloco de Esquerda, um dos partidos que apoiam o atual governo de Lisboa, mostra-se preocupado com a inexistência de informação detalhada sobre o Tratado Transatlântico.

Os empresários nacionais da indústria transformadora encaram o acordo como uma possibilidade de aumentar as exportações.

No entanto, não são menos os que criticam e se opõem à Parceria.

Um deles é Rui Pulido Valente, economista e professor do Instituto Politécnico de Portalegre e da Escola Superior de Gestão e Tecnologia, que escreveu há poucos dias na publicação Esquerda.net o seguinte:

"Os negociadores do acordo defendem uma visão muito centrada no mercado e na economia, aceitando o modelo imposto pela Organização Mundial do Comércio, de um mundo dominado pelos grandes grupos económicos mais preocupados em colocar os seus excedentes de produção e explorar a mão-de-obra de países subdesenvolvidos, do que em dar poder aos Estados para regular o sector financeiro e libertarem-se do controlo económico a que estão sujeitos <…> É uma posição muito marcada ideologicamente pela aceitação do domínio de uma superpotência, reconhecendo a incapacidade da Europa.

O mundo mudou muito nas últimas décadas, com principal destaque para os primeiros anos do século XXI, mas a ideologia dominante quer manter um modelo de desenvolvimento assente no controlo da economia global pelos Estados Unidos com a colaboração imprescindível da Europa Comunitária. Será que é isto que convém aos cidadãos portugueses? Os Estados Unidos precisam de uma "guerra fria" permanente e de pequenas guerras em qualquer parte do mundo. Agora a preocupação é a Ásia pois já conseguiram afastar o Brasil da cena internacional. E a Europa não tem outras soluções? E Portugal não tem outros caminhos?"

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