Comunistas portugueses: Portugal deve contribuir para dissolução da OTAN e sair do euro

© AP Photo / Virginia MayoThe NATO symbol and flags of the NATO nations outside NATO headquarters in Brussels on Sunday, March 2, 2014
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O secretário-geral do PCP Jerónimo de Sousa disse recentemente num comício no Centro Cultural de Samora Correia, que o euro "foi um desastre para Portugal" e que o país "não tem outra alternativa" senão "libertar-se desse colete-de-forças".

A Sputnik Brasil falou com Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central do Partido Comunista Português, para discutir esta e outras questões atuais: 

Sputnik: Como pode comentar esta declaração? Por que razão o euro foi tão desastroso para Portugal?

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Vasco Cardoso: Nós, desde que entrámos na moeda única, desde que as notas de euro começaram a circular, o país entrou num processo de estagnação e de recessão econômica, sendo que hoje produz menos riqueza do que quando entrámos na União Europeia, do que quando entrámos no euro. O nível de produção nacional, o Produto Interno Bruto é menor hoje do que aquele quando entrámos na União Europeia. O desemprego disparou – na altura tínhamos cerca de 350.000 desempregados, hoje o país conta com um milhão e 200 mil desempregados. Uma das consequências da adesão ao euro foi também o profundo endividamento externo, entrámos numa escalada praticamente imparável de subida da dívida, que se acentuou com a intervenção, com a entrada da troika em Portugal sendo que hoje a dívida se situa em qualquer coisa como 128% do PIB, com custos da dívida que são claramente insuportáveis para o nosso país, cerca de nove bilhões de euros por ano só em juros pagos da dívida pública, praticamente 5% do PIB nacional é para pagar juros da dívida pública. 

O euro teve também um impacto fortíssimo na liquidação da nossa produção nacional, isto é, as nossas exportações ficaram mais caras, as nossas fronteiras ficaram mais abertas e expostas à entrada de produção estrangeira. Isto levou a que importantes setores da indústria, mas também nas pescas e na agricultura vissem acentuadas as suas dificuldades com o processo de integração na moeda única. A moeda única serviu os interesses da Alemanha e do grande capital alemão, basta lembrar que a sua cotação é uma cotação que se aproxima daquela que o marco alemão tinha. Foi útil para a Alemanha, está a ser útil para a Alemanha, para o capital alemão e das grandes potências, mas é um desastre para países como Portugal e nós consideramos que o país precisa de se preparar para se libertar da moeda única, essa preparação tem que ser feita desde já. Seria desejável que, em vez de um processo de ruptura, se desenvolvesse a própria dissolução da União Económica e Monetária, mas o nosso país não pode ficar à espera desse momento, deve preparar-se do ponto de vista técnico, político e social para se libertar das imposições do euro, que têm sido trágicas para o nosso povo. Nós temos, digamos, três preocupações. Uma preocupação com a defesa dos rendimentos e das poupanças das famílias. Pensamos que esse processo e essa preparação devem acautelar os rendimentos e poupanças das famílias. Consideramos também que deve ser feito envolvendo o povo português nessa mesma decisão e, simultaneamente, essa preparação deve ser cuidadosa para que os mesmos que sofreram com a entrada no euro (os trabalhadores e o povo português) não seja atirado para as costas dos trabalhadores e o povo português os custos de uma saída. Temos colocado esse aspeto em cima da mesa na campanha eleitoral que o país está a desenvolver, integrado, claro está, numa política patriótica e de esquerda. Isto é, a libertação do país do euro não resolve todos os problemas, mas é um obstáculo ao desenvolvimento do país que precisa ser removido. 

S: Segundo o PCP, a crise grega pode se repetir em Portugal? Esta hipótese existe ou não?

VC: Nós tirámos uma grande lição desta situação na Grécia. O problema do governo grego não foi querer sair do euro e renegociar a dívida, o problema foi o governo grego ter alimentado a ilusão de que era possível acabar com a austeridade sem romper com o euro e sem renegociar a dívida. Nós consideramos que a moeda única e os problemas que ela cria são de tal forma profundos, as contradições estão-se a aprofundar no seio da União Europeia e, naturalmente, episódios como aquele que se verificou na Grécia tenderão a desenvolver-se em outros países também. 

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Porque há um confronto cada vez mais evidente entre uma moeda única que serve o grande capital e as grandes potências e, em nome dessa moeda única, estarem a ser impostas aos trabalhadores e aos povos medidas brutais do ponto de vista das suas condições de vida. Em nosso entender, o caminho não é o da submissão, da aceitação das imposições da troika, de Bruxelas e de Berlim, o caminho tem que ser, naturalmente, o de libertar os países e povos dos constrangimentos e dos instrumentos de dominação colonial que estão a ser impostos por via do e4uro, por via da governação económica, por via do Tratado Orçamental. Os povos precisam de se libertar disso, precisam afastar isso do seu caminho porque, sem isso, o seu processo de emancipação não pode ser concretizado. 

S: Então a postura do PCP é que não é possível pôr fim à austeridade sem sair da zona do euro? 

VC: Não é possível uma política que ponha fim à austeridade, mantendo o nosso país amarrado ao euro. Daí nós colocarmos a necessidade de preparação.

S: Outra questão que queríamos abordar – a questão da participação de Portugal na OTAN. O que o PCP acha dos exercícios militares Trident Juncture, que terão lugar inclusive no território português?

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VC: Nós já manifestámos publicamente e temos feito iniciativas públicas contra este grande exercício militar que a OTAN vai fazer envolvendo o território português e Forças Armadas portuguesas no final do mês de setembro e início do mês de outubro, que, em nosso entender, é inseparável de uma estratégia de crescente agressividade, por parte do imperialismo e da OTAN e que causa naturalmente preocupação face a uma situação cada vez mais instável e perigosa que se vive no plano internacional. Desde logo tivemos a nossa firme oposição ao envolvimento de Portugal, o seu território, nesta operação da OTAN, sendo que são conhecidas as nossas posições de defesa da desvinculação de Portugal da estrutura militar da OTAN e, simultaneamente, de defesa do fim dos blocos militares. A nossa posição é que a OTAN deveria caminhar no sentido da sua dissolução e é nessa luta, na luta pela paz, que intervimos contra os objetivos da OTAN, contra a guerra.  

S: Quer dizer que a postura oficial do PCP é que Portugal tem de sair da zona do euro e da OTAN?   

VC: É uma simplificação. Em relação ao euro, o que nós dizemos, é que o país precisa de se preparar para sair. A saída não é um ato súbito, uma varinha mágica que resolverá tudo. Em relação aos blocos militares, nós defendemos duas questões que queria sublinhar: uma primeira é que Portugal deve-se empenhar da dissolução dos blocos militares, aliás, respondendo até à nossa própria Constituição da República. A OTAN não faz sentido existir hoje. É um bloco agressivo de promoção da instabilidade e da guerra como, aliás, se tem verificado. Portanto, o envolvimento do Estado português deve ser no sentido do fim dos blocos militares e, simultaneamente, a defesa da desvinculação progressiva da estrutura militar da OTAN por parte do nosso país. Deve ser rigoroso em relação a isto porque não é rigorosamente a mesma coisa do que sair da OTAN.

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