As relações entre o Reino Unido e o resto do continente europeu há milênios que são marcadas por suspeitas e inimizades. Até mesmo a Guerra dos Cem Anos, entre a França e a Inglaterra, é considerada por muitos como o conflito mais longo da história.
No entanto, após décadas de estar inserido na Comunidade Econômica Europeia, que depois deu lugar à União Europeia, o Reino Unido decidiu mais uma vez se afastar do continente, em um processo marcado por um debate caloroso entre os britânicos.
A data do divórcio já foi marcada: em 31 de janeiro de 2020 inicia-se o Brexit, fato que se deu logo após a decisiva vitória do Partido Conservador em 12 de dezembro e depois de o governo britânico adiar o Brexit por inúmeras vezes, algo chamado pelo ex-embaixador francês na União Europeia, Pierre Vimont, de "bagunça política", conforme publicou o canal de TV CNBC.
Brexit sem retorno
Conforme Kira Godovanyuk, especialista do Centro de Pesquisas Britânicas do Instituto da Europa da Academia de Ciências da Rússia, disse à Sputnik Brasil, o Brexit é um processo sem retorno.
"Tendo em vista que Boris Johnson possui a maioria [no Parlamento], uma vez que venceu nas eleições [parlamentares], a realização do Brexit se torna um fato e não terá nenhum empecilho", declarou a especialista.
Desta forma, o Reino Unido deixa formalmente a União Europeia no fim do próximo mês.

O país se desliga das instituições políticas da UE, ao passo que os eurodeputados britânicos deixam seus assentos no Parlamento Europeu definitivamente.
No campo econômico o país ainda permanecerá na união aduaneira do bloco e no mercado único, o que significa que, por um tempo, o comércio continua ditado pelas regras atuais.
Contudo, até dezembro de 2020 tanto a União Europeia como o Reino Unido decidirão se estabelecerão um acordo comercial ou não.
Relações comerciais
Dentre todos os pontos a serem discutidos no Brexit, as relações comerciais se apresentam como o tema mais delicado.
Godovanyuk referiu que os parlamentares "conservadores querem manter as relações comerciais o mais estreito possível, tendo em vista que a UE é um dos principais parceiros comerciais do Reino Unido e, naturalmente, ambos os lados não têm interesse em uma briga que [possa] danificar tais relações".
Contudo, ainda segundo ela, as negociações do acordo levarão em conta as relações comerciais com terceiros países como, por exemplo, os EUA.
A especialista acredita que por causa disso o "processo será complicado e talvez não se conclua até o final de 2020".

Tal hipótese levanta a possibilidade de não haver um acordo comercial entre ambos os lados.
Ainda no final de agosto, a presidente do Centro de Pesquisas Britânicas da Academia de Ciências da Rússia, Elena Ananyeva, disse à Sputnik que a "oposição britânica possivelmente concordará com um Brexit sem acordo".
Segundo Martin Lewis, fundador do portal financeiro Money Saving Expert, a ausência de um acordo formataria as relações comerciais entre o Reino Unido e a UE pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
"Obviamente que [...] se sairmos em um cenário sem acordo, então todas estas questões não estão resolvidas e a mudança será imediata – nós vamos diretamente para as regras comerciais da OMC", disse no portal.
No entanto, o cenário é marcado por incertezas, o que, segundo o especialista, não agrada aos mercados.
"Os mercados não gostam do Brexit, eles não gostam de incerteza – assim como vimos com a grande queda da libra quando o resultado do referendo foi anunciado", acrescentou.
Fim do livre trânsito de pessoas?
Para Godovanyuk o livre trânsito de pessoas não sofreria alterações devido ao turismo, mas sim devido à inserção de cidadãos do continente no mercado de trabalho britânico.
"Os cidadãos do Reino Unido não estavam satisfeitos com cidadãos da UE ocuparem postos de trabalho no país", afirmou a especialista.

Desta forma, os conservadores planejam estabelecer regras iguais para os cidadãos europeus e de terceiros países para a entrada em seu mercado de trabalho.
Contudo, não há planos para a criação de um regime de vistos para os cidadãos da UE.
Resultados imediatos?
Se por um lado o Brexit é uma vitória dos conservadores, por outro o Reino Unido poderá ganhar maior liberdade para decidir sua política tanto interna como externa.
Os conservadores também acreditam que o Brexit trará benefícios econômicos para o país. No entanto, Godovanyuk não acredita que os resultados positivos virão imediatamente.
"Obviamente, todas as mudanças têm turbulências. Esperar efeitos positivos em curto prazo não vale a pena", ressaltou a entrevistada.
'Brexit perdeu seu objetivo principal'
Por sua vez, o diretor do Instituto de Desenvolvimento Estatal da Rússia, Dmitry Solonnikov, disse à Sputnik que o Reino Unido perdeu a chance de alcançar o maior objetivo do Brexit.
"O Reino Unido poderia, ao sair da Europa, começar a executar seu papel ao tentar retomar os fundos da libra esterlina na qualidade de uma das principais moedas de reserva, restabelecer as relações financeiras com o Mundo Árabe [...] Mas enquanto o Reino Unido estava indeciso, este papel foi desempenhado pela China. Desta forma, o Brexit perdeu seu principal objetivo", afirmou o especialista.
'Lição para a União Europeia'
Além da perda de um de seus membros, o Brexit traz consigo uma lição para o bloco europeu, segundo Godovanyuk.
Pela primeira vez um país sairá da UE, o que pode levar os líderes do continente a uma reflexão sobre a funcionalidade do bloco.
"Para a União Europeia isso é, antes de tudo, uma lição política relacionada ao populismo [...] e aos sentimentos antimigratórios, e um sinal de que é necessário fazer certas reformas e modernização", disse a entrevistada.
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