'Atirar contra todos os alvos': franco-atiradores contam verdade sobre massacre em Maidan

© AFP 2023 / SANDRO MADDALENASituação na Praça da Independência de Kiev, conhecida como Maidan, em fevereiro de 2014
Situação na Praça da Independência de Kiev, conhecida como Maidan, em fevereiro de 2014 - Sputnik Brasil
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Em 20 de fevereiro de 2014, na praça Maidan, em Kiev, franco-atiradores desconhecidos abriram fogo: 53 pessoas – 49 manifestantes e quatro efetivos das forças de segurança – resultaram mortas. Os líderes da oposição e representantes dos EUA e União Europeia (UE) acusaram o "regime de Viktor Yanukovich".

No entanto, a investigação oficial entrou em um impasse: os criminosos ainda não foram encontrados. Andrei Veselov, o correspondente da Sputnik se encontrou com supostos franco-atiradores. São naturais da Geórgia. Eles afirmam que as ordens foram dadas pelos líderes de Maidan. Para além disso, foi dada uma ordem direta: atirar não apenas contra policiais, mas também contra os próprios manifestantes para irritar a multidão e provocar uma crise política.

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As primeiras informações sobre participação de franco-atiradores georgianos vieram do general Tristan Tsitelashvili, ex-comandante do destacamento de elite Avaza do exército georgiano. Tsitelashvili participou da guerra na Abkházia (1992-1993) e dos combates na Guerra dos Cinco Dias em agosto de 2008 na Ossétia do Sul. Mas depois ele virou inimigo de Mikhail Saakashvili, que tentou acusar os militares de sua derrota.

A polícia irrompeu na casa de Tsitelashvili, que foi detido, no decurso da detenção violenta o filho do general, menor de idade, ficou ferido. Exigiram que Tsitelashvili confessasse sua participação do "conluio de generais" fictício, devido ao qual a Geórgia alegadamente terá perdido a campanha de 2008. O general não prestou declarações. Desde então ele é o principal rival de Saakashvili.

"Sabia desde 2014 que em Maidan havia naturais da Geórgia que foram orientados especificamente para o tiroteio. Uma parte deles são meus subordinados do exército georgiano. Alguns ainda permanecem no território ucraniano e participam dos combates. Outros voltaram. Durante muito tempo eles tinham medo de falar. E ainda temem! Eles podem ser eliminados como testemunhas inconvenientes", contou Tsitelashvili à Sputnik.

'Nos chamavam de sonderkommando'

Um dos mencionados pelo general Tsitelashvili é Koba Nergadze.

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Nergadze era militar no exército georgiano. Em 2003-2004 ele participou de uma série de operações especiais na área de Ergeneti, povoado situado entre a Geórgia e Ossétia do Sul. "Estávamos combatendo o contrabando. A região estava dividida entre os comerciantes georgianos e ossetas. Ocorreram situações de conflito, inclusive confrontações diretas com as forças armadas ossetas. A nossa brigada teve 11 ou 12 baixas, não me lembro exatamente. As baixas totais do exército georgiano foram 45 efetivos", conta Nergadze.

Em 2006 Nergadze se demitiu do exército com a patente de primeiro-tenente e, algum tempo depois, sob patrocínio de Mamuka Mamulashvili, entrou no serviço da Força de Segurança no Ministério da Defesa da Geórgia. Hoje em dia Mamulashvili é o comandante da chamada "legião georgiana" que participa dos combates no Leste da Ucrânia do lado de Kiev. "Conheci-o no exército, no aniversário do meu amigo Bezho", acrescenta Koba.

© Sputnik / StringerGeneral Tristan Tsitelashvili, Aleksandre Revazishvili and Koba Nergadze
General Tristan Tsitelashvili, Aleksandre Revazishvili and Koba Nergadze - Sputnik Brasil
General Tristan Tsitelashvili, Aleksandre Revazishvili and Koba Nergadze
"Oficialmente nós nos ocupávamos da segurança dos comícios organizados em Tbilisi para que não ocorressem confrontos entre partidários e adversários de Saakashvili. Na realidade, nós estávamos encarregados de reprimir os comícios da oposição, tínhamos que vigiar os oposicionistas", confessa Nergadze.

"Caso necessário, por ordem dos comandantes os efetivos do nosso serviço espancavam líderes da oposição. Regra geral, nós realizávamos tais ações com máscaras. Nos chamavam de 'sonderkommando'. Habitualmente os efetivos de serviço ocultavam o lugar onde trabalhavam e o que faziam", disse o ex-oficial.

Os agentes estavam divididos em equipes de dez. Um dos chefes de equipe era Nergadze. Outros chefes de equipe que Nergadze conhece eram Georgy Saralidze, Merab Kikabidze e David Makiashvili. Falando com a Sputnik, Koba lembrou algumas "tarifas". Assim, pelo espancamento de um deputado pagavam US$ 1.000 (R$ 3.295).

© Sputnik / StringerKoba Nergadze
Koba Nergadze - Sputnik Brasil
Koba Nergadze
Em dezembro de 2013 Mamulashvili reuniu os chefes de equipe e atribuiu a tarefa de "partir imediatamente para Ucrânia para ajudar aos manifestantes". O grupo de Nergadze recebeu US$ 10.000 (R$ 32.957). Prometeram mais US$ 50.000 (R$ 164.785) para depois do regresso. Para viajar eles usavam documentos de outros. Nergadze tinha um passaporte com o nome de Georgy Karusanidze, ano de nascimento — 1977.

Em Kiev o grupo foi alojado na rua de Ushinsky. Todos os dias eles iam a Maidan, como para o trabalho. "Fomos encarregados de manter a ordem para que não houvesse gente bêbada, manter a disciplina, revelar provocadores por parte das autoridades", conta Nergadze. O Ano Novo foi por ele festejado no hotel Ukraina, que já estava controlado pelos manifestantes.

© Sputnik / StringerAlexander Revazishvili
Alexander Revazishvili - Sputnik Brasil
Alexander Revazishvili
Outro ex-militar georgiano que veio a Kiev em meio às tensões é Aleksandre Revazishvili. Após prestar serviço no exército, Revazishvili era ativista da Zona Livre, organização de partidários de Saakashvili. Segundo afirma o próprio Revazishvili, ele "se introduzia nas fileiras dos oposicionistas, realizava brigas e provocações". A organização era liderada por Koba Khabazi, que apresentou Revazishvili a Mamulashvili, o último se interessou pela especialidade do ex-soldado: no exército Revazishvili era franco-atirador.

Em meados de fevereiro de 2014, Revazishvili, Khabazi e mais quatro representantes da Zona Livre chegaram a Kiev em um voo da companhia da Ukraine International Airlines (UIA). Os recém-chegados foram alojados na rua Vozdukhoflotskaya e depois foram transferidos ao conservatório tomado pela oposição.

"As armas eram trazidas por Sergei Pashinsky"

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"Em 14 ou 15 de fevereiro os chefes dos grupos — eu, Kikabidze, Makiashvili, Saralidze, não me lembro dos nomes dos outros — foram reunidos no terceiro andar do hotel Ukraina em um quarto separado. Lá estavam Paruby [Andrei Paruby, político ucraniano de extrema-direita, no período dos distúrbios em Kiev era 'comandante de Maidan', desde 2016 é presidente da Suprema Rada] e Pashinsky [Sergei Pashinsky, político ucraniano controverso, homem de negócios e deputado da Ucrânia]. Paruby se apresentou perante a gente: 'É necessário ajudar ao povo irmão, logo teremos uma missão.' Mas não houve quaisquer indicações precisas. Nessa altura eu já vi armas nas mãos dos manifestantes: espingardas para caça e pistolas", diz Nergadze.

Na reunião também esteve um tal de Christopher Brian que foi apresentado como ex-militar norte-americano.

"Na noite de 19 de fevereiro Sergei Pashinsky e alguns rapazes desconhecidos com bolsas grandes vieram ao hotel. Eles tiraram fuzis SKS, Kalashnikov de calibre 7,62 e ainda um rifle SVD e uma carabina de produção estrangeira. Pashinsky explicou que precisaremos das armas para 'proteção', mas não respondeu à minha pergunta sobre de quem nós iriamos nos proteger e saiu do quarto", continuou.

© Sputnik / Andrei Stenin / Acessar o banco de imagensAndrei Paruby em Maidan
Andrei Paruby em Maidan - Sputnik Brasil
Andrei Paruby em Maidan
Nesse momento Nergadze e Mamulashvili tiveram uma conversa. Mamulashvili falou da "missão especial" e que "é necessário criar caos em Maidan, usando armas contra todos os alvos, manifestantes e polícia, não tem diferença". Prometeu pagar apenas depois de cumprida a "missão".

Como conta Revazishvili, no mesmo dia as armas foram trazidas para o conservatório: "Vieram Mamulashvili, Saralidze, apelidado de Malysh (Pequeno), e mais cerca de dez pessoas, não conheço os outros. Mamulashvili se interessou como nós estávamos. Eles estavam rindo. Alguém perguntou a Mamulashvili em georgiano: 'Cadê Misha?'. Ele respondeu: 'Está com Porokh [supostamente se trata do atual presidente ucraniano, Pyotr Poroshenko].' Depois eles saíram. Algum tempo depois, Pashinsky e mais alguns homens trouxeram para o prédio bolsas com armas. Na maioria eram carabinas SKS. O próprio Pashinsky tinha nas mãos uma Kalashnikov com coronha aberta.

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Entre os presentes estava Vladimir Parasyuk, chefe de uma das "centenas" de Maidan, posteriormente foi comandante da 4ª companhia do batalhão Dnepr e deputado da Ucrânia.

"Pashinsky me pediu para ajudar com a escolha de posições para fazer fogo. Disse que de noite o Berkut [forças policiais especiais] podia assaltar o conservatório e os manifestantes podiam ser dispersados", acrescenta Revazishvili.

"De noite, aproximadamente às 04h00 ou 05h00, ouvi disparos, e me pareceu foram do lado do Palácio Oktyabrsky. Pashinsky saltou, pegou o walkie-talkie e começou gritando que parassem o fogo e que ainda não era a hora. Os tiros pararam imediatamente. Aproximadamente às 07h30, talvez mais tarde, Pashinsky ordenou a todos que se preparassem e abrissem fogo. Fazer dois ou três tiros e mudar de posição. O tiroteio continuou durante 10-15 minutos. Depois nos ordenaram para parar, deixar as armas e sair do prédio", disse Revazishvili.

© Sputnik / Mikhail Markiv / Acessar o banco de imagensSergei Pashinsky, foto de arquivo
Sergei Pashinsky, foto de arquivo - Sputnik Brasil
Sergei Pashinsky, foto de arquivo
Depois ele voltou para Maidan. Ouviu que pessoas estavam iradas, algumas consideravam que foi o Berkut que atirou. Outros, ao contrário, pensavam que fossem os próprios manifestantes que abriram fogo. "Eu entendi logo: tudo isto pode terminar mal, me vi em uma situação ruim, posso ser feito em pedaços aqui mesmo se eles souberem. Fui embora, passeei por Maidan. Depois decidi que estava na hora de ir embora. Apanhei um táxi e fui para o aeroporto", resumiu Revazishvili.

"Em 20 de fevereiro de manhã cedo, aproximadamente às 08h00, ouvi tiros vindos do lado do conservatório. Três ou quatro minutos depois, o grupo de Mamulashvili abriu fogo das janelas do hotel Ukraina, do terceiro andar. Disparavam em pares. Depois de atirar, passavam para outros quartos e voltavam a atirar. Quando tudo acabou, fomos ordenados para sairmos. No mesmo dia eu e Bazho partimos para Tbilisi", disse Nergadze.

O ex-oficial do exército georgiano não recebeu o dinheiro prometido. Hoje ele teme vingança por parte dos "ex-colegas".

Koba Nergadze e Aleksandre Revazishvili estão prontos para confirmar suas palavras em tribunal ucraniano. A Sputnik dispõe de cópias das declarações oficias feitas aos advogados Aleksandr Goroshinsky e Stefan Reshko, que representam os interesses do ex-efetivos do Berkut no tribunal do bairro Svyatoshinsky em Kiev. A Sputnik também tem cópias das passagens que comprovam a chegada de Nergadze e Revazishvili a Kiev durante os acontecimentos em Maidan.

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