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PIB, IDH e pandemia: como medir riqueza e desenvolvimento dos diferentes países em tempos de crise?

© AP Photo / Rafiq MaqboolTrabalhadores assalariados diários esperam para ser empregados para o dia em uma rua em Mumbai, Índia, 11 de junho de 2021
Trabalhadores assalariados diários esperam para ser empregados para o dia em uma rua em Mumbai, Índia, 11 de junho de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 24.09.2021
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A Sputnik Brasil conversou com Alexandre Espírito Santo, economista na Órama Investimentos e professor de macroeconomia e finanças do Ibmec RJ, para discutir a questão da desigualdade social entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Nas últimas eleições na Noruega, a campanha do líder trabalhista, Jonas Gahr Store, foi focada em como enfrentar a desigualdade crescente no país com promessas de taxar fortunas. Segundo o candidato vencedor, chegou a hora de "pessoas comuns" falarem. Entretanto, esse fato chama a atenção, já que a pobreza não chega a ser um problema grave no país, que lidera nos rankings de igualdade, bem-estar e mobilidade social, onde menos de 1% da população vive em condições consideradas precárias.
Segundo dados oficiais, o número de crianças vivendo em lares de baixa renda aumentou de 3,3% para 11,7% em oito anos – de 2011 a 2019. Além disso, o preço da moradia subiu mais do que os salários nos últimos 30 anos e ficou seis vezes mais caro, com os 20% mais ricos do país tendo a renda quatro vezes maior do que os 20% mais pobres. Quanto aos impostos, a quantidade paga pelos ricos é proporcionalmente menor. Daí surgem as promessas de Store quanto à redução de impostos para famílias de renda baixa, "pessoas comuns", e maior taxação dos mais ricos.
No entanto, se comparamos a situação no país nórdico com a do Brasil, o quadro não parece ser tão grave. No Brasil, 19,3 milhões de pessoas, quer dizer 3,5 vezes a população da Noruega, vivem em condições de pobreza extrema e em má situação de segurança alimentar. A renda familiar média anual no Brasil é de US$ 12,7 mil (R$ 67,7 mil), segundo avaliações da OCDE, enquanto na Noruega é três vezes maior, US$ 35,7 mil (R$ 190 mil). Ademais, é medido que os noruegueses vivem oito anos mais do que os brasileiros, esse número caiu quase dois anos no Brasil por causa da pandemia.
Não obstante o fato de que a desigualdade social aumentou para dois terços do mundo, segundo relatório anual da ONU, aqui surge a questão: como comparar a riqueza e igualdade em países tão diferentes como a Noruega e Brasil, países desenvolvidos e em desenvolvimento? No momento, o problema agrava-se pela crise provocada pela pandemia do coronavírus, o que dificulta a avaliação.

Como se mede a riqueza do país?

Quando surge uma questão sobre a riqueza de qualquer país, é preciso levar em consideração quais instrumentos se usam para a medir. A respeito disso, o professor destaca as diferenças entre dois modelos de medição artificiais – quantitativo e qualitativo.
O modelo mais conhecido para medir a economia de um país é medição através do PIB, Produto Interno Bruto, o somatório dos bens e serviços produzidos pelo país durante um período do tempo. Mas, aponta o especialista, o problema é que esse indicador mede uma quantidade de riqueza expressa em termos de preço.
Muitos economistas divergem dessa análise quantitativa, considerando essa análise na base do PIB enviesada e preferindo uma ótica qualitativa. Nesse sentido, foi criado um indicador chamado IDH, que é o Índice de Desenvolvimento Humano, o qual, diferentemente do PIB, tem um olhar mais sobre a qualidade de vida.
Se compararmos as colocações do Brasil nos rankings globais por esses dois indicadores, recebemos duas situações diferentes: no ranking do PIB, entre cerca de 190 países, o Brasil está entre os dez principais PIBs do mundo. Porém, em termos de IDH, a colocação do Brasil será depois do 80º lugar.
Conforme aponta Alexandre Espírito Santo, incluir o IDH na medição da riqueza faz mais sentido, especialmente durante a época de pandemia, porque o IDH dos países desenvolvidos é muito maior do que dos países emergentes.
© REUTERS / Amanda PerobelliHomem passa por cartazes com o ministro da Economia Paulo Guedes e com o presidente Jair Bolsonaro, São Paulo, 30 de agosto de 2021
Homem passa por cartazes com o ministro da Economia Paulo Guedes e com o presidente Jair Bolsonaro, São Paulo, 30 de agosto de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 09.11.2021
Homem passa por cartazes com o ministro da Economia Paulo Guedes e com o presidente Jair Bolsonaro, São Paulo, 30 de agosto de 2021

Influência da pandemia

Falando em pandemia da COVID-19, do ponto de vista do professor, ela exteriorizou o que já vem acontecendo na economia global: ainda existe muita pobreza e muitas famílias vivendo abaixo do nível de miséria.
"Nós tínhamos antes da pandemia uma sensação de que havia os países muito ricos em que a pobreza era simplesmente residual e outros países, como se tivéssemos uma divisão. E o mundo não é exatamente desta forma. A pandemia, infelizmente ou felizmente, contribui para mostrar que precisamos ainda fazer muitos progressos em relação à distribuição da renda e da riqueza."
O exemplo da vacinação vai nessa linha: os principais países têm vacina e mostram maior sucesso na vacinação, enquanto uma parcela significativa da população dos países mais pobres não tem acesso à vacinação. No entanto, ressalta o economista, nos países desenvolvidos há mesmo pessoas que rejeitam se vacinar.

'Educação é a base para mudarmos de patamar'

No que diz respeito às possíveis raízes da situação atual que em parte podem explicar a baixa colocação do Brasil, o professor vê o problema na educação, em particular na falta do ensino fundamental: o país "ao longo de sua trajetória, especialmente nos anos recentes, vem investindo muito pouco em educação", conforme suas palavras.
"Na hora em que o país efetivamente se conscientizar que educação é a base para mudarmos de patamar, eu acredito que teremos um grande ganho", disse.
O professor está seguro que a educação fundamental ajuda em vários sentidos, inclusive na formação de uma sociedade educada em que cada um entende o seu papel na construção do país. Outro aspecto é que o governo não investe em nenhuma disciplina de educação financeira: "É muito importante que as pessoas tenham consciência da relevância de ter o orçamento equilibrado".
Outro ponto, na maneira de ver do economista, é o ambiente político brasileiro polarizado.
© AP Photo / Silvia IzquierdoMulher em uma tenda no Rio de Janeiro, 26 de maio de 2021
Mulher em uma tenda no Rio de Janeiro, 26 de maio de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 09.11.2021
Mulher em uma tenda no Rio de Janeiro, 26 de maio de 2021
"Até onde minha vista alcança, eu imagino que ficaremos polarizados entre o atual presidente, que provavelmente vai concorrer à reeleição, e o ex-presidente Lula, que voltou a ter seus direitos políticos. Se for isto, eu vejo 2022 com muita dificuldade, que vamos viver neste ambiente e potencialmente a economia vai se ressentir, porque o espaço para debatermos reformas no Congresso, que é um fórum adequado, diminui", prevê o analista.
Mais do que isso, a desigualdade se intensifica também por causa da inflação, que cresce cada vez mais: de acordo com o professor, a inflação é uma forma disfarçada de imposto, em que os mais ricos e a classe média conseguem de alguma maneira se proteger, conseguem os instrumentos para investir o seu dinheiro e de alguma forma perder menos da inflação ou até não perder.
Mas existe certa "discrepância", onde aqueles de classes de renda mais baixa somente perdem integralmente da inflação e tal situação aumenta a amplitude entre os ricos e os pobres.

Avanço dos extremos

A desigualdade social acabou virando tema central na eleição do país "mais igualitário" do mundo, a Noruega, que encabeça os rankings globais de igualdade, bem-estar e mobilidade social, mas viu crescer a diferença entre ricos e pobres. Em meio ao avanço da centro-esquerda, o candidato eleito prometeu taxar mais as grandes fortunas e dar voz às "pessoas comuns".
Nesse sentido, Alexandre Espírito Santo relembra resumidamente a evolução da mentalidade e da economia global: depois da Segunda Guerra Mundial e durante época da Guerra Fria, o mundo estava polarizado, existindo no âmbito de "americanos vs. soviéticos".
No final da década de 1980, e mais especificamente com a queda do Murro de Berlim, dava para sentir que o mundo estava mudando: o professor destaca o ressurgimento do pensamento liberal e a globalização financeira.
Governos liberais em diversos países chegaram ao poder. "Em função disso, nós tivemos um ganho extraordinário para a economia global: ela crescia naquela oportunidade com inflação muito baixa". Mais do que isso, uma parte significativa da população global que estava a margem do mercado consumidor ganhou espaço, bem como os países emergentes, inclusive o caso do Brasil.
O economista ressalta a importância desses processos porque ajudaram também a reduzir a pobreza. No entanto, a crise financeira de 2008, cujo movimento inicial ocorreu no mercado imobiliário americano, mudou esse pensamento liberal e nós resgatamos algo "mais intervencionista", de acordo com suas palavras.
"Nesse sentido, o que me parece fundamental de explicar aquilo, surge uma resposta política a tudo isso que, na minha visão, é uma espécie de antiglobalização, cujo clímax é a vitória de Donald Trump e alguns outros", afirma. Na sua visão, a chegada de Jair Bolsonaro ao poder no Brasil ou Recep Tayyip Erdogan na Turquia vai um pouco nessa direção.
© AP Photo / Marcelo ChelloManifestantes passam por uma imagem do presidente Jair Bolsonaro durante uma marcha contra sua gestão da pandemia e políticas econômicas que, segundo os manifestantes, prejudicam os interesses dos pobres e da classe trabalhadora, São Paulo, 19 de junho de 2021
Manifestantes passam por uma imagem do presidente Jair Bolsonaro durante uma marcha contra sua gestão da pandemia e políticas econômicas que, segundo os manifestantes, prejudicam os interesses dos pobres e da classe trabalhadora, São Paulo, 19 de junho de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 09.11.2021
Manifestantes passam por uma imagem do presidente Jair Bolsonaro durante uma marcha contra sua gestão da pandemia e políticas econômicas que, segundo os manifestantes, prejudicam os interesses dos pobres e da classe trabalhadora, São Paulo, 19 de junho de 2021
O mundo se polarizou e mais uma vez caiu nos extremos, inclusive nos países que têm mais qualidade de vida e educação, como por exemplo na França com Marine Le Pen e o novo possível presidenciável Éric Zemmour, de extrema direita. E isso não é bom, na visão do professor, porque "afugenta o debate".
Essa situação vai provavelmente ficar durante algum tempo, e a pandemia de novo trouxe essa interferência do Estado, porque nós precisamos ajudar àqueles que são mais vulneráveis. Isso vem acontecendo globalmente e não será diferente no futuro previsível, opina o economista.
"O meu único receio é que possam estar ocorrendo novamente exageros, que podem, por sua parte, trazer novas crises", se expressou.
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