20 anos, galopes e desafios: o que seria de Portugal sem euro?

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Moeda oficial de 19 países da União Europeia, o euro completa 20 anos em 2019. Portugal aderiu ao projeto desde o início, abrindo mão da soberania monetária e transformando aos poucos o escudo, moeda nacional em 1999, em artigo de colecionador. Duas décadas depois, especialistas apontam dificuldades para que a moeda única se sustente.

O euro foi lançado no dia 1º de janeiro de 1999, depois de discussões iniciadas ainda nos anos 60, com um grupo de onze países aderentes: Áustria, Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Espanha e Portugal. Na primeira taxa de câmbio, um euro valia pouco mais de 200 escudos. Quando o projeto nasceu, encontrou um "crescimento bastante robusto da economia portuguesa. Uma época em que o desemprego em Portugal chegou aos 4%, de grande otimismo e expansão econômica", contextualiza o economista Alexandre Abreu à Sputnik Brasil. "A adesão ao euro iria consagrar a modernidade portuguesa, 25 anos depois da restauração da democracia, época em que Portugal se firmava como uma nação europeia próxima das mais avançadas", explica o economista.

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As boas expectativas foram comprovadas logo de início. "Nos anos 90, principalmente nos primeiros anos dessa década, o crescimento médio do PIB teve algumas oscilações, mas Portugal se beneficiou com a entrada dos fundos comunitários, o que permitiu manter a sua economia relativamente estabilizada e a crescer", afirma à Sputnik Brasil o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), Bruno Bobone.

A implantação da zona euro é considerada uma das maiores alterações econômicas da história. "Recordo as difíceis e importantes negociações sobre o lançamento da União Econômica e Monetária. Mais do que tudo, recordo a profunda convicção de que estávamos a abrir um novo capítulo na nossa história comum. Um capítulo que moldaria o papel da Europa no mundo e o futuro de todos os seus cidadãos. 20 anos depois, estou convencido de que esta assinatura foi a mais importante que jamais efetuei. O euro tornou-se um símbolo da unidade, da soberania e da estabilidade. Proporcionou prosperidade e proteção aos nossos cidadãos e temos de garantir que o continue a fazer", afirmou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em declarações pelo aniversário da moeda.

Hoje, o euro é a segunda moeda mais importante do mundo. De acordo com o Banco Central Europeu, foi utilizado em 39% dos pagamentos feitos em 2017 pelo mundo, perdendo apenas para o dólar, que representou 40%.

Outro lado da moeda

Os países aderentes viveram uma série de transformações, não apenas econômicas, ao longo destas duas décadas. "A uniformização da moeda na zona euro permitiu uma estabilidade cambial que trouxe taxas de juro mais baixas o que, consequentemente, facilitou o acesso ao crédito. A economia portuguesa foi das mais beneficiadas com este acesso ao crédito. Também no que se refere à mobilidade dos cidadãos europeus no espaço da UE, a moeda única foi claramente um ganho. Facilitou e de certa forma estimulou a circulação e aquisição de bens e serviços em todos os países", analisa Bruno Bobone.

Para José Adelino Maltez, professor catedrático de Ciência Política da Universidade de Lisboa, entrar no euro foi também questão de sobrevivência para Portugal. "Acabou por resultar porque não tínhamos dimensão para andarmos sozinhos na globalização", comenta o professor para a Sputnik Brasil.

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No entanto, os especialistas admitem que Portugal pode ter se precipitado. "A fraca preparação do país para a entrada em circulação da moeda única teve impacto em termos de competitividade dos preços, no acumular do endividamento externo e numa estagnação do crescimento econômico com consequências nas contas públicas e no enfraquecimento do estado social", explica o presidente da CCIP.

Para Alexandre Abreu, "o otimismo com a ideia de que era muito importante aderir ao projeto europeu fez com que não se desse a devida reflexão sobre os riscos, que vieram depois a se concretizar. Tem sido uma experiência problemática".

O economista explica que o euro tem trazido problemas para a competitividade dos países do sul da Europa, como Portugal, Espanha e Grécia. Antes da moeda única, estas economias dependiam de uma desvalorização cambial mais ou menos sistemática para balancear as contas. "A cotação do escudo ia sendo desvalorizada para dar algum reforço na competitividade das exportações e assim conseguir manter as contas externas equilibradas e alimentar o processo de crescimento. A partir do momento em isso deixou de ser possível, que se fixou uma taxa de câmbio, a cotação do euro ficou em uma média daquilo que fazia sentido para as várias economias que formavam a zona euro. Sendo a média, ficou uma moeda muito forte para economias como Portugal, Espanha, e muito fraca para Alemanha, Holanda, as mais avançadas", explica Alexandre Abreu.

O resultado, para o economista, tem sido uma estagnação "e ainda com um agravante. Além do crescimento ser mais fraco nas últimas duas décadas do que era antes, o endividamento externo tem sido galopante. Enquanto que uma economia como a Alemanha acumula excedentes externos colossais, cada vez maiores. O euro tal como existe não é sustentável, porque compromete as perspectivas de desenvolvimento dos países periféricos e nos seus atuais moldes vai acabar por se autodestruir se nada for feito".

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Para o professor José Adelino Maltez, Portugal não tem um plano sólido e estar na zona euro serve para que o governo mantenha um "gerenciamento das dependências". "O euro permitiu-nos estar vivos em operações que poderiam ter resultado se tivesse havido uma estratégia, se fosse um país bem organizado. Nós nos habituamos a gerir dependências e a ser modestos nos nossos objetivos. Portugal praticamente só tem dois bancos no momento, os outros são todos estrangeiros. Portanto, no plano da economia, estamos totalmente dependentes dos balanços quer da Europa quer da zona onde estamos mais ligados, que é Espanha, França. Os principais partidos portugueses fazem todos parte dos partidos europeus. Eles têm um programa europeu, nem autonomia têm, nem querem, para ter programas próprios", analisa o professor.

Para o representante do empresariado, não há como imaginar qual seria o cenário atual caso Portugal não tivesse entrado na zona euro. "Viveríamos encerrados entre o mar e um continente ao qual, de certa forma, já não pertenceríamos. É impossível saber qual seria a evolução e o contexto da economia portuguesa sem o euro. No entanto, tendo em conta a evolução do PIB português antes e depois da adesão, há estudos que indicam que talvez, sem a moeda única, o crescimento do PIB português tivesse sido maior no século XXI. Por outro lado, indicam também que a crise financeira internacional teria tido um impacto mais profundo se Portugal estivesse fora da área do euro", analisa Bruno Bobone.

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O ministro das Finanças de Portugal e presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, reconheceu o futuro incerto do euro em pronunciamento pelo aniversário de 20 anos. "A moeda única foi um dos maiores êxitos europeus. Não há dúvidas quanto à sua importância e ao seu impacto nas duas primeiras décadas da sua história. Mas o seu futuro ainda está a ser definido, o que nos põe perante uma responsabilidade histórica", lê-se no pronunciamento. Para o ministro, serão precisos "esforços contínuos de reforma tanto nos períodos de conjuntura favorável como desfavorável. Não há dúvidas quanto à nossa vontade política de reforçar a União Econômica e Monetária. Temos de estar preparados para o que o futuro possa trazer, é o nosso dever para com os nossos cidadãos".

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