Mecanismo europeu de comércio com Irã contornando sanções está condenado ao fracasso?

© AP Photo / Virginia MayoAs bandeiras da UE na sede em Bruxelas
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Em uma entrevista à Sputnik, o antigo embaixador francês no Irã, François Nicoullaud, se mostrou cético em relação à possível criação de um mecanismo europeu para o comércio com Teerã contornando as sanções, destacando as dificuldades de caráter financeiro e jurídico que podem transtorná-lo.

Os europeus começam a ter credibilidade na questão nuclear iraniana? A pergunta vem após a notícia divulgada pela diplomacia da União Europeia em relação à criação de um sistema que permitiria trocas comerciais com o Irã sem o risco de ser punida pelos aliados americanos. De fato, em 24 de setembro Frederica Mogherini disse o seguinte:

"Concretamente, os Estados membros da UE estabelecerão uma entidade jurídica para facilitar as transações financeiras legítimas com o Irã."

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Apesar da imprecisão em torno dessa nova ferramenta, os Estados Unidos não demoraram em reagir à declaração com desprezo e condescendência, mas talvez também com certo realismo. Assim, o conselheiro de Segurança Nacional da administração, John Bolton, disse que "a União Europeia é forte em retórica, mas fraca em aplicá-la".

Na opinião do diplomata entrevistado pela Sputnik França, por enquanto o conceito do mecanismo permanece muito vago, e este provavelmente não será possível na prática em um futuro breve.

"O mecanismo foi cunhado para manter a existência do acordo, sendo que ele permitirá recusar os pagamentos em dólares — é neles que reside o problema principal e onde se criam riscos adicionais para as empresas que planejam cooperar com o Irã", disse.

Enquanto isso, Emmanuel Macron disse recentemente que essas novas soluções "não irão corrigir ou mudar as decisões de alguns grandes grupos europeus ou internacionais que estão muito expostos aos Estados Unidos". O interlocutor da Sputnik confessou que está de acordo com o presidente.

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"Presidente Macron conhece bem o assunto, ele está absolutamente certo. Este mecanismo não é destinado a grandes empresas internacionais, não estou falando de pequenas casas que estão sob influência dos americanos, que têm interesses significativos nos Estados Unidos, porque o sistema de sanções americano permite punir empresas de duas maneiras. Primeiro, é o caminho financeiro, se elas usam o dólar, mas, em seguida, usem eles o dólar ou não, [são punidas] se elas fazem negócios em um setor concreto no Irã. E a maioria dos setores não está autorizada, há, de fato, apenas operações humanitárias, o setor agroalimentar, da saúde e farmacêutico, que em princípio não são afetados por sanções", explicou.

Deste modo, adianta o entrevistado, podemos ver que, mesmo que as empresas estejam protegidas em relação ao uso do dólar, elas ainda continuam expostas às sanções se tiverem interesses nos Estados Unidos.

Aliás, segundo ele, o setor petrolífero é o principal em que se planeja aplicar este mecanismo.

"O petróleo está sendo negociado em dólares, o que coloca o primeiro problema que esse mecanismo devia permitir resolver, mas, seja com dólares ou não, se uma empresa europeia compra petróleo dos iranianos, se paga em rúpias ou em qualquer outra moeda, está, portanto, sujeita às sanções dos EUA. Então, claro que há variantes de soluções, mas a situação é complexa. Veremos o que os iranianos vão fazer, eles também estão procurando soluções que basicamente não permitem monitorar seu petróleo. De lá, se eles conseguirem, poderá ser possível comprar petróleo de origem iraniana, que no momento da compra terá passado por muitas mãos, terá mudado de bandeira, terá sido misturado com outro petróleo", analisou o ex-embaixador.

Ele faz questão de sublinhar que, como os EUA querem fazer essas novas sanções o mais eficientes possível, vão provavelmente fazer tudo para minar quaisquer mecanismos de desvio, como o europeu.

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"Os Estados Unidos exercem uma pressão máxima sobre o Irã. Mas as sanções ainda não entraram todas em vigor, já que as próximas sanções, as mais difíceis, entrarão em vigor em novembro, incluindo as sanções ao petróleo que ainda não foram aplicadas, mesmo que alguns compradores de petróleo iraniano tenham empreendido medidas de precaução, baixando a quantidade de petróleo que compram [de Teerã]", disse.

Entretanto, continua o diplomata, há outro fator que ainda não se sabe como vai influir na situação e que é o preço do petróleo.

"Porque se houver escassez, uma diminuição na quantidade de petróleo disponível no mercado mundial, o preço do petróleo pode subir. E isso pode aborrecer os consumidores americanos, ou seja, virar um problema para Donald Trump", concluiu.

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