Contratos futuros em yuanes desvalorizarão o dólar?

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A China está mudando as regras do jogo no mercado de petróleo. A Bolsa de Energia Internacional de Xangai está se preparando para iniciar negociações utilizando contratos futuros petrolíferos, expressos em yuanes, com a possibilidade de troca em ouro.

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O surgimento de um novo contrato futuro coloca pela primeira vez em perigo a liderança do dólar nas negociações internacionais do petróleo cru. Recentemente, o jornal japonês Nikkey, citando suas próprias fontes anônimas, informou que as negociações de novos futuros serão iniciadas até o fim deste ano.

Essa notícia agitou a mídia ocidental, o que não é surpreendente. Pela primeira vez, o papel do dólar como meio de pagamento internacional pelo principal produto de matéria-prima está ameaçado. Por enquanto, no mercado são negociados dois contratos padrão petrolíferos – BRENT e WTI. Os dois são expressos em dólares. Contudo, se levarmos em conta que a China virou o principal importador de petróleo, não podemos descartar que o novo contrato futuro, expresso em yuanes, pode virar mais um contrato padrão para os negociantes.

Há muito que a China demonstra seu desejo de ter seu próprio contrato futuro petrolífero. Por exemplo, em maio o vice-chefe da Comissão Reguladora do Mercado de Títulos da China, Fang Xinghai, afirmou que o regulador ativará as preparações para o lançamento de seus próprios contratos futuros, expressos em yuanes. Depois, o chefe da Bolsa de Energia Internacional de Xangai, Jiang Yan, assinalou que a criação do contrato futuro está terminando.

A ordem financeira internacional, com o papel dominante do dólar, foi estabelecida em sua maior parte devido ao negócio firmado entre os EUA e Arábia Saudita.

Em 1971, os Estados Unidos acabaram unilateralmente com a conversibilidade do dólar em ouro, estabelecida antigamente pelo Sistema de Bretton Woods. Este evento decepcionou a Arábia Saudita, que naquela época era o maior exportador de petróleo e, como país oriental, confiava no dólar. Os dólares, recebidos pelo fornecimento do petróleo não poderiam ser trocados por ouro a um preço garantido. Então, o país árabe começou comprando ouro no mercado de Londres com dólares. O volume de transações era tão grande que o dólar se tornou menos confiável.

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Então, os EUA inventaram uma saída. Os norte-americanos prometeram abastecer a Arábia Saudita com qualquer quantidade de armas que lhe garantisse a defesa contra outros Estados do Oriente Médio. Em resposta, a Arábia Saudita concordou em vender todo o petróleo extraído apenas por dólares norte-americanos e investir o rendimento dessas vendas em obrigações do Tesouro dos EUA. Já que todos precisam do petróleo, então todos precisam de dólares para o comprar. O sistema de petrodólares criou uma demanda ilimitada pela moeda norte-americana e lhe deu uma posição dominante na economia mundial.

Na situação atual, a China superou os EUA e virou o maior importador do petróleo no mundo. É lógico, que agora a China tencione efetuar compras do "ouro preto" em sua própria moeda. O país ganhará muito se transferir um volume grande de negociações para yuanes.

Primeiro, caso os contratos futuros sejam expressos em yuanes, o rendimento recebido da venda do petróleo regressará à economia chinesa. As economias dos países exportadores de petróleo não estão tão desenvolvidas para "digerir" eficazmente tanta quantidade de liquidez. A experiência dos EUA demonstra que os petrodólares se acumulavam nos bancos norte-americanos e em títulos de empresas dos EUA, o que por vários anos assegurou para os EUA um nível estável da atividade econômica e de investimentos. Parece que a China resolveu aproveitar a experiência norte-americana e, assim, apoiar o crescimento desacelerado da sua própria economia.

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Segundo, a transferência do comércio para yuanes vai formar na China o défice da balança de pagamentos, já que, além do país asiático, aparecerão outros compradores de petróleo que irão acumular yuanes para efetuar pagamentos. Quer dizer, a China deverá comprar mais dos outros atores do mercado petrolífero do que vender. Até agora, o país tem permanecido um exportador líquido. Como a China vai se adaptar ao novo papel é, por enquanto, uma questão aberta.

Terceiro, para assegurar a confiança de investidores, negociantes e outros agentes econômicos nas novas negociações expressas em yuanes, a moeda chinesa deverá ser livremente convertível, ou seja, uma moeda que não tenha limitações à efetuação de quaisquer operações monetárias, incluindo operações relacionadas com o fluxo de capitais. Contudo, é preciso levar em conta que ultimamente o país asiático vem reforçando seu controle sobre o fluxo de capitais, já que no mercado de capitais doméstico sobressaturado há poucas oportunidades de investimento. Assim, as empresas buscam retirar o capital da China para o estrangeiro.

Mesmo assim, as vantagens superam as desvantagens e, apesar dos riscos, a China vai prosseguir rumo à internacionalização do yuan, afirmou em entrevista à Sputnik China o economista Cheng Fengying.

"O lançamento de negociações de contratos futuros petrolíferos expressos em yuanes é um passo para internacionalização da moeda chinesa. […] Já nos preparamos para os riscos. Por exemplo, foi criado um comitê estatal para questões de estabilidade e desenvolvimento na área financeira. Porém, além de riscos, a internacionalização de yuanes cria grandes possibilidades. […] No momento, o preço do petróleo está baixo, a oferta supera a demanda. A China é o maior consumidor de petróleo. Caso nós percamos a oportunidade de afetar os preços, mais tarde, quando a situação no mercado mudar e a demanda superar a oferta, iremos perder."

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Por sua vez, outro especialista em ciências econômicas, Wang Zhimin, aponta para a possibilidade de converter contratos futuros em ouro como uma séria vantagem em relação aos padrões petrolíferos de hoje, BRENT e WTI.

"As negociações em yuanes serão convenientes, já que os yuanes petrolíferos podem ser convertidos em ouro. É bom, […] já que o ouro é um produto sólido. Além disso, levando em consideração a instabilidade da economia mundial, esta propriedade ganha mais atualidade. Vários países já acordaram sobre negociações do petróleo em yuanes. Por exemplo, a China e a Rússia. Com a possibilidade de converter em ouro, aparecerão mais agentes que desejem substituir os dólares por yuanes nas negociações."

É verdade que, desde junho deste ano, a Rússia tem aceitado yuanes como pagamento pelo petróleo por parte da China. Recentemente, também a Venezuela denominou em yuanes preços pelo petróleo para venda ao exterior. Para vários países se torna um benefício evitar o dólar nas negociações para contornar as sanções que os EUA introduziram contra esses países. Vale ressaltar que esses países, que são a Rússia, Irã e Venezuela, são dos principais fornecedores do petróleo. Só que por razões evidentes a Arábia Saudita continua insistindo em usar o dólar nas negociações. Porém, no fim das contas, o país árabe deverá concordar com a nova realidade, acredita Wang Zhimin.

"A revolução do xisto nos EUA fará com que o país comece importando cada vez menos petróleo. As importações chinesas não vão diminuir, mas sim aumentar. […] Por isso, a Arábia Saudita não vai querer perder o mercado chinês", explica ele.

Além do mais, a Rússia pode ocupar esse nicho. Neste ano, a Rússia superou a Arábia Saudita vendendo à China 52,5 milhões de toneladas do petróleo, a Arábia Saudita forneceu 51 milhões de toneladas. Assim, parece que a Rússia pode ajudar a China a substituir o dólar nas negociações internacionais. Os sauditas o entendem. Ao menos, o país árabe já anunciou sobre preparações para emissão de obrigações expressas em yuanes.

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