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Seria possível calcular tais cataclismos como COVID-19 e prevenir suas consequências?

© Foto / Pixabay / AKuptsova / cisne negroCisne negro (imagem ilustrativa)
Cisne negro (imagem ilustrativa) - Sputnik Brasil
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De previsões aterrorizantes à minimização da gravidade da pandemia, os números dominaram o noticiário em 2020, nos ajudando a ter uma ideia mais aproximada do tamanho do problema, considerado um exemplo de "cisne negro", ou acontecimento pouco provável, e servindo de base para as ações de combate ao surto do novo coronavírus.

Após a chegada da COVID-19 no Brasil, os brasileiros ficaram atônitos com as projeções de mortes pela doença, por cientistas e autoridades. Enquanto um estudo chegou a estimar até um milhão de óbitos no país, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em março que o número não chegaria a 800. Hoje, oficialmente, são quase 200 mil. 

O ano do cisne negro​

Conta-se que, durante muito tempo, acreditava-se que, em todo o mundo, existiam apenas cisnes brancos, já que nenhum cisne de outra cor tinha sido visto ou relatado até então. Até que, no século XVIII, foi descoberta uma raça de cisnes negros, na Austrália, derrubando de vez a crença da civilização na inexistência de cisnes não brancos. 

Essa história, que aborda a ocorrência de eventos raros entre eventos corriqueiros, regulares, serviu de inspiração, na atualidade, para a formulação da Teoria do Cisne Preto, concebida pelo matemático libanês Nassim Nicholas Taleb, grande investidor do mercado financeiro e professor do Instituto Politécnico da Universidade de Nova York.

Tal teoria, utilizada principalmente na economia e nas finanças, trata da importância de acontecimentos inesperados ou pouco prováveis, os chamados "cisnes negros", e suas consequências de grande impacto, como guerras, descobertas ou o surgimento de uma nova tecnologia. A pandemia da COVID-19 seria um bom exemplo de cisne negro, uma vez que, fora do mundo científico, pouco se considerava a chance de ocorrência de um evento como esse em 2020, cujas consequências ainda deverão continuar sendo contabilizadas ao longo dos próximos anos. 

​Surpreendente para os leigos, entre os cientistas, desde o início do século, vinham surgindo alertas, com base em estimativas, sobre o risco iminente de uma pandemia, mas pouco foi feito efetivamente para tentar impedi-la, pois a chance de algo do tipo ocorrer acabou sendo minimizada por autoridades de todo o mundo.

Agora, com um vírus ainda fora de controle e fazendo vítimas em todas as partes do globo, poucos governantes se atrevem a não levar a sério as orientações dos pesquisadores em relação ao surto do novo coronavírus. Mas como são feitas essas previsões e o que explica a disparidade entre algumas estimativas?

A matemática da pandemia

"Todos os métodos estatísticos são baseados em modelos. Modelos são formas como o pesquisador imagina que a realidade funciona. Por sua vez, a realidade é medida apenas indiretamente por meio dos dados que somos capazes de coletar. Assim, o pesquisador confronta o seu modelo com os dados observados e consegue entender melhor a realidade. Você pode pensar que os dados alimentam os modelos ou que os modelos são uma forma de filtrar algum tipo de impureza que vem junto com os dados observados para que se possa melhor entender o verdadeiro mecanismo que está gerando os dados", explica o professor Wagner Bonat, docente do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Bonat é membro do Laboratório de Estatística e Geoinformação da UFPR, que tem acompanhado de perto o desenvolvimento da pandemia no Brasil. Em entrevista à Sputnik Brasil, ele afirma que, quando se trata da transmissão de doenças como a COVID-19, o que se observa, basicamente, são os números de casos e óbitos.

Para propor um modelo para descrever como a natureza está gerando esses dados, nós precisamos pensar como um novo caso é gerado. Uma estratégia padrão em epidemiologia, segundo o especialista, é usar o método DOPS: Duração, Oportunidade, Probabilidade e Suscetibilidade.

Duração: tempo da transmissibilidade. Significa quanto tempo uma pessoa infectada fica apta a transmitir o vírus. Não se sabe exatamente quanto tempo uma pessoa fica transmitindo a COVID-19. O que sabemos é baseado em alguns estudos internacionais e gira em torno de cinco dias.

Oportunidade: número de ocasiões que uma pessoa contaminada tem para transmitir o vírus. Novamente, não temos dados direto sobre isso. A única fonte de dados indiretos sobre isso corresponde aos índices de mobilidade divulgados por empresas como Google, Apple e algumas operadoras telefônicas. Porém, ainda é uma informação bastante limitada.

Probabilidade: como o nome sugere, é a probabilidade de ser contaminado após contato com uma pessoa infectada. Importante ressaltar que não é porque alguém teve contato com uma pessoa contaminada que será infectada também. Estudos sugerem algo entre 0,05 e 0,10 para essa probabilidade.

Suscetibilidade: número de pessoas disponíveis para ser contaminadas. Em geral, se supõe que toda a população de um país está suscetível. Mas isso pode não ser verdade.

De acordo com o professor, reunindo esses quatro aspectos, é possível, por meio de um modelo estatístico, fazer a previsão de como será a trajetória futura da doença em uma determinada localização geográfica.

Outros aspectos que também influenciam são a fonte de dados e as pressões políticas que, por vezes, fazem com que alguns órgãos apresentem suposições mais ou menos otimistas para mudar as previsões. No entanto, o estatístico da UFPR diz não saber até que ponto isso poderia estar acontecendo no Brasil. Essas causas não entram nos modelos e, portanto, não são mensuráveis. 

​"Na prática, o que a maioria dos pesquisadores está fazendo é fixando alguns valores sobre esses quatro aspectos e, baseado nisso, traçando cenários para a trajetória da doença. Assim, também fica claro que diferentes pesquisadores podem fazer diferentes suposições e, consequentemente, obter trajetórias diferentes. Essa é a explicação técnica do motivo de podermos obter previsões diferentes. Além disso, é importante destacar que, muitas vezes, o que é reportado pelas mídias como projeções são, na verdade, cenários futuros. Em que o pesquisador faz uma suposição, por exemplo, sobre as 'oportunidades', e traça o cenário futuro caso aquela suposição seja realizada."

Um dos indicadores usados com frequência no caso da pandemia é a taxa de transmissibilidade (Rt), também chamada, segundo Bonat, de número de reprodução. Para o Brasil, a Rt está ligeiramente abaixo de zero, o que é um bom indicativo. Se continuar assim, os números de óbitos e casos devem diminuir nas próximas semanas. Porém, devido aos feriados de final de ano, é pouco provável que as condições de isolamento vistas em outubro, novembro e no começo de dezembro se mantenham, o que deve impactar negativamente nessa taxa, fazendo com que ela suba.

"Fato é que se aumentar a mobilidade social, aumenta a 'oportunidade', e isso aumenta o número de casos e óbitos enquanto existirem pessoas suscetíveis a pegar a doença."

Fio condutor da ciência moderna

Assim como a estatística tem sido fundamental para o acompanhamento da pandemia da COVID-19, ajudando a prever cenários mais ou menos críticos, ela é também utilizada em praticamente todas as áreas do conhecimento, sendo considerada, de acordo com o professor Hugo Bonat, o "fio condutor da ciência moderna".

"Para citar alguns exemplos interessantes, hoje, é possível traçar cenários para a rota de furações, tornados e similares. Todo mundo acompanha as previsões do tempo relacionadas a temperatura e pluviosidade. Aplicações clássicas no mercado de ações prevendo crises financeiras. Previsão de demanda de alimentos, produtividade das safras etc. Hoje, tudo é medido e, em algum grau, predito via modelos estatísticos."

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