20 anos do Google: de projeto de pesquisa a maior manipulador de opiniões

© AP Photo / Marcio Jose SanchezSede do Google em Mountain View, Califórnia, EUA (arquivo)
Sede do Google em Mountain View, Califórnia, EUA (arquivo) - Sputnik Brasil
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No dia 27 de setembro, o Google comemora 20 anos. Em apenas duas décadas, a empresa que surgiu em um projeto de pesquisa dos estudantes Larry Page e Sergey Brin da Universidade de Stanford, moldou a Internet, influenciando o mundo moderno como nenhuma outra. Colunista da Sputnik analisa o segredo do sucesso do gigante de TI.

Os executivos e funcionários do Google têm muito a celebrar: sua plataforma de busca há muito tempo monopoliza o mercado, enquanto seus principais produtos afiliados — tais como Chrome, Drive, Gmail, Maps, Play e YouTube — contam cada um com mais de um bilhão de usuários por todo o mundo.

Vale destacar que a Alphabet, empresa-mãe do Google, está se aproximando rapidamente de alcançar a meta de US$ 1 trilhão na bolsa de valores, que antes foi atingido apenas pela Amazon e Apple. Assim, se fosse um país, seu PIB estaria entre os 15 maiores do mundo, escreve o autor do artigo, Kit Klarenberg, para a Sputnik Internacional

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No entanto, enquanto principais agências de notícias passaram quase todo setembro elogiando as conquistas do gigante de TI, poucas falaram sobre a outra face da moeda: numerosas controvérsias, críticas e escândalos que rodeiam a empresa.

Vale destacar que o Google nunca foi submetido à atenção fixa da mídia e talvez seja essa inexistência do Google nas manchetes que tenha impulsionado sua transformação em apenas duas décadas de um simples experimento universitário para um oligopólio internacional potencialmente perigoso, capaz de influenciar comportamento e opinião de usuários.

Subornando acadêmicos

Rumo ao sucesso, o Google exerceu uma influência maligna sobre círculos acadêmicos, canalizando anualmente milhões de dólares para pesquisadores produzirem estudos que promovessem interesses e objetivos da empresa.

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Em julho de 2017, o grupo sem fins lucrativos Campaign for Accountability (CfA) identificou que 330 estudos publicados entre 2005 e 2017 foram financiados diretamente ou não pelo Google, escritos inclusive por acadêmicos de universidades famosíssimas como Stanford, Harvard, MIT, Oxford e Cambridge.

Os estudos abrangiam assuntos regulatórios e legislativos de extrema importância para o gigante como privacidade, neutralidade da rede, patentes e direitos autorais etc.

Segundo o autor do artigo, na maioria dos casos, aos leitores não foi dada nenhuma indicação de que os papéis são de interesse do Google, com autores de pesquisas não revelando que o estudo foi financiado pelo Google em 65% dos casos.

Enquanto a informação era omitida dos leitores quanto ao financiamento de pesquisas, o "exército" de especialistas em relações públicas e lobistas promoviam pesquisas para jornalistas, políticos, reguladores e até para agências investigando a conduta da empresa em todo o mundo, omitindo também que o principal financiador era o Google, aponta o autor do artigo.

Bolhas de filtro

Outro instrumento monopolizador do Google são as chamadas bolhas de filtro — algoritmos que monitoram constantemente o que pesquisa um usuário e onde ele navega, criando um perfil dele — seus gostos, desgostos, interesses, localização etc. Baseando-se nesta informação, o Google adota resultados de pesquisa e anúncios na web para usuários dependendo do que poderiam gostar, ou seja, indivíduos diferentes recebem informações diferentes quando buscam por algo.

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Como exemplo, o colunista cita possíveis resultados de pesquisa para a expressão "empresa de petróleo": um usuário trabalhando na esfera de finanças receberá resultados sobre investimentos ou trabalho na companhia Shell, enquanto um ativista de meio-ambiente terá notícias sobre desastres ambientais recentes.

Por menos perigosa que pareça em teoria, a prática pode ter um impacto sério sobre opinião pública, acredita Eli Parisier, diretor-executivo do portal Upworthy.

"A democracia requer que cidadãos vejam pontos de vista dos outros, mas, ao invés disso, estamos cada vez mais fechados em nossas próprias bolhas. […] Filtros de personalização servem como uma espécie de autopropaganda invisível, doutrinando-nos com nossas próprias ideias, ampliando nosso desejo por coisas familiares", escreveu Parisier em 2012, citado pelo artigo.

Para o doutor Robert Epstein, psicólogo do Instituto Americano de Pesquisa e Tecnologia Comportamental, através de bolhas de filtro, o Google obteve uma capacidade muito maior de moldar opiniões e influenciar comportamentos do que qualquer outra empresa.

"Rankings de busca podem mudar as preferências de eleitores indecisos em 20% ou mais […] Chamamos isso de efeito manipulador do sistema de busca. Como muitas eleições são ganhas por pequenas margens, nossos resultados sugerem que uma plataforma de busca tenha o poder de influenciar os resultados de um número significativo de eleições com impunidade", opinou o especialista em 2015.

"Escravos de algoritmos"

Ainda mais sinistro pode ser o resultado do seguinte passo da empresa — o Google adotou uma política para suprimir fontes de informação alternativas, escondendo cada vez mais sites de seus usuários, ressalta Klarenberg. Assim, em abril de 2017, o gigante anunciou "melhorias de qualidade" no processo de busca que tem por objetivo reprimir informações falsas, teorias de conspiração e resultados ofensivos.

Na realidade, as mudanças afetaram em primeiro lugar sites de notícias alternativos, muitas vezes de orientação antiestablishment e antiguerra.

Em novembro de 2017, Eric Schmidt, presidente-executivo da empresa Google Alphabet, disse que o Google pretende adotar algoritmos que tornariam mais difícil a busca por artigos da agência Sputnik e do canal RT no serviço Google News.

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Mas a empresa não parou por aí e em março de 2018 anunciou a parceria com mais de uma dúzia das principais agências de notícias americanas, entre elas estão The New York Times, Washington Post e Financial Times para impedir ainda mais informações de fontes alternativas.

Alan MacLeod, especialista em mídia e membro do prestigiado Media Group da Universidade de Glasgow, acredita que o "ataque à liberdade de expressão e livre fluxo de informação" pelo Google visa inclusive "restabelecer controle do establishment sobre meios de comunicação principais".

"Isso aponta um futuro extremamente obscuro para a liberdade de informação. Uma corporação privada sem supervisão e com laços fortes com figuras políticas poderosas e organizações pode decidir o que podemos e o que não podemos ver […] o que é real e o que é falso. Acabamos nos tornando escravos de algoritmos mesmo sem perceber", comentou MacLeod à Sputnik Internacional.

Porém, o pesquisador acredita que se pode evitar este "futuro obscuro" se o Google e outros gigantes tecnológicos forem sujeitos à propriedade pública, ou, pelo menos, fortemente regularizados.

E já há segmentos tanto nos EUA como na Europa que indicam que as restrições sobre o poder da empresa podem de fato ser iminentes. Em julho, o Google foi multado em US$ 5 bilhões pelos reguladores da União Europeia por ter violado a lei antitruste.

Além disso, a empresa é sujeita a ações privadas por causa do fortalecimento do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia, sendo acusada de coagir usuários a compartilhar dados pessoais.

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