O que fazer com 'chuva' do espaço profundo?

© AFP 2023 / NASA Espaço profundo (foto de arquivo)
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A edição online da revista Science publicou em 22 de setembro um artigo da Colaboração Pierre Auger que esclarece um aspecto de um dos mistérios mais intrigantes da ciência moderna.

No seu artigo, a Colaboração Pierre Auger, composta por 400 cientistas de vários países que trabalham na Argentina, indica que há evidências de que raios cósmicos portadores de energias enormes vêm de fora da nossa galáxia.

No comunicado de imprensa oficial, Karl-Heinz Kampert (Universidade de Wuppertal), porta-voz da Colaboração Pierre Auger, disse o seguinte: "Nós estamos agora consideravelmente mais próximos de resolver o mistério de onde e como estas extraordinárias partículas são produzidas, uma questão de grande interesse para os astrofísicos".

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Trata-se de raios cósmicos "com energias um milhão de vezes maiores do que as energias dos prótons acelerados no Grande Colisor de Hádrons [LHC, instalação científica situada na Suíça]". A energia, por volta de 1019 eV, é transportada por núcleos de elementos que vão desde o hidrogênio até o ferro.

A detecção das partículas, batizadas por um jornal dinamarquês de "partículas Oh-My-God", se torna possível graças ao "chuveiro" de elétrons, fótons e múons e às interações com as partículas presentes na atmosfera.

Em comentário exclusivo à Sputnik Brasil, o Professor Pedro Abreu, investigador e coordenador para a Divulgação no Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), sugere uma hipótese sobre a proveniência dos raios:

"Vários modelos propõem a origem dos raios cósmicos mais energéticos em buracos negros muito massivos, como por exemplo existem nos núcleos de galáxias ativos (AGN em inglês), ou em outros fenômenos muito violentos que ocorrem regularmente no nosso universo."

Já o papel destas partículas que chegam à Terra é difícil de definir. Só se sabe que "para a humanidade são uma fonte de radiação, que pode fazer mal se não estiver devidamente protegida (por 40 km de atmosfera em cima de nós ou por equipamento especial se estivermos acima da estratosfera)", frisa o físico português.

Nisso, ele coincide com o seu colega brasileiro. O professor Ronald Shellard, diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), disse à Sputnik Brasil que a importância dos raios cósmicos para nós é "sutil", mas pode ter um grande significado científico:

"[Raios cósmicos são] produzidos em estrelas ou em explosões de supernovas ou ainda os mais energéticos, cuja origem tentamos desvendar, possivelmente produzidos em AGNs. A importância dos raios cósmicos para a humanidade é sutil, porém são os elementos que provocam disrupções em moléculas e mutações em componentes vivos e, em última análise, podem ser associados à criação e evolução da vida na Terra."

Já Pedro Abreu foi mais concreto na descrição do uso possível das energias aportadas à Terra pelo objeto de pesquisa. "Não conheço nenhuma forma de aproveitar a energia destes raios cósmicos na Terra", disse, sublinhando que "também ainda não aproveitamos a energia dos relâmpagos".

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Raios cósmicos foram descobertos pela primeira vez em 1912 pelo austríaco-norte-americano Victor Hess. Ao medir a diferença de ionização a alturas distintas, ele chegou à conclusão que a radiação presente na atmosfera terrestre chegava desde o espaço exterior.

Já em 1937, o francês Pierre Auger detalhou a noção de "raio cósmico", aprofundando os estudos nesta área.

Em 1992, um grupo internacional criou o Observatório Pierre Auger. A instalação se situou na província argentina de Mendoza, ocupando cerca de 3.000 km2 para capturar o maior número de partículas possível.

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Os 18 países participantes da colaboração apresentam suas contribuições ao projeto. De acordo com Ronald Shellard, o Brasil trouxe vários equipamentos importantes:

"Um grande número dos tanques de água, que formam nossos chamados Detectores de Superfície, foram construídos no Brasil, [elementos] dos telescópios de fluorescência foram desenhados e construídos no Brasil, as lentes corretoras dos telescópios de fluorescência foram desenhadas e construídas no Brasil, assim como as baterias que alimentam o sistema de aquisição de dados."

Da parte portuguesa, o representante do LIP destacou a participação da sua instituição "para a compreensão muito detalhada do desenvolvimento dos chuveiros na atmosfera e do comportamento dos detectores de superfície e do detector de fluorescência do Observatório". Pedro Abreu sublinhou que em Lisboa acaba de começar a funcionar uma sala de controle remoto, o que facilita a tomada de dados. O LIP também assume a tarefa de divulgar as novidades da área entre escolares e jovens cientistas.

Apesar da "sutilidade" do assunto, a ciência sempre está ligada à humanidade. Os estudos astronômicos que os cientistas levam a cabo visam esclarecer – e quem sabe se até resolver – alguns dos problemas das pessoas. Espaço é um assunto interessante, mas "o futuro da humanidade está na Terra", afirma Ronald Shellard, que lamenta, no entanto, que o Brasil esteja passando "por momentos difíceis na área da Ciência e Tecnologia, no momento, com grandes cortes de gastos".

"Porém, tenho certeza de que voltaremos a crescer nossa produção científica e tecnológica, com recursos adequados, muito em breve", afirma o cientista brasileiro.

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