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Aumento da mortalidade indica que Brasil vive 'tempestade perfeita', avalia sociólogo

© AP Photo / Andre PennerCoveiros completamente protegidos enquanto carregam caixão de uma das vítimas da COVID-19 no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, 24 de março de 2021
Coveiros completamente protegidos enquanto carregam caixão de uma das vítimas da COVID-19 no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, 24 de março de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 08.04.2021
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Com o agravamento da pandemia, o Brasil registrou em março a menor diferença entre óbitos e nascimentos do país. Agora, em abril, a tendência é que essa lacuna diminua ainda mais e, para entender melhor esse fenômeno, a Sputnik Brasil conversou com o sociólogo Antonio Marcelo Jackson.

De acordo com pesquisadores que estudam a população brasileira, o mês de abril pode ficar marcado na história por um fato inédito causado pela pandemia: o país pode registrar, pela primeira vez, mais mortes do que nascimentos no período de 30 dias. 

Segundo os estudos demográficos realizados no país, nos últimos 120 anos a população brasileira só cresceu. No início do século XX, o país somava menos de 20 milhões de brasileiros, enquanto agora, no início da segunda década do século XXI, a população já supera os 200 milhões de habitantes.  

Nas últimas décadas, no entanto, a tendência de crescimento diminuiu, com uma queda gradual no número de nascimentos, o que reduziu a diferença entre nascimentos e óbitos. Porém, mesmo com famílias menos numerosas, o país seguiu crescendo. 

De acordo com as previsões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essas duas linhas — nascimentos e óbitos — só deveriam se cruzar em 2047. No entanto, com a chegada da pandemia, e seu efeito avassalador na sociedade brasileira, esse espaço de tempo provavelmente será reduzido. 

Segundo um levantamento realizado pelo Jornal da Globo, o mês de março de 2021 registrou a menor diferença entre nascimento e óbitos dos últimos anos. Essa redução ocorreu principalmente pela explosão de mortes nesse mês, que foi o mais mortal da pandemia. Só para se ter uma ideia do tamanho do problema, ao se comparar março deste ano com março de 2020, quando o país já estava sendo afetado pela crise sanitária, o número de óbitos em 2021 foi 63% maior.

Agora, no mês de abril, os números já indicam uma situação inédita: "Do dia 1º a 6 de abril, pela primeira vez na história brasileira, o número de óbitos é maior do que o número de nascimentos", afirmou o doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves, citado pelo Jornal da Globo.

Para Antonio Marcelo Jackson, cientista político, sociólogo e professor do Departamento de Educação e Tecnologias da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Minas Gerais, esses números indicam que o Brasil está vivendo o que pode ser chamado de uma "tempestade perfeita".

"De um lado, é possível identificar que, nos últimos anos, o número de nascimentos vem caindo no Brasil, e todos os demógrafos confirmam isso. Só que, de outro, sem dúvida alguma, a pandemia está somada a uma absoluta falta de logística, a relações internacionais pífias e à falta de empenho do governo federal, elementos que contribuíram bastante para que esse quadro seja agravado, ou seja, temos uma lamentável reunião de fatores, cujo resultado é esse", um número de óbitos maior que o de nascimentos, afirma Jackson em entrevista à Sputnik Brasil.

Para Jackson, caso o país continue nessa crescente de óbitos, com sucessivos recordes diários de falecimentos provocados pela COVID-19, as consequências podem ser muitas.

Na opinião do professor da UFOP, primeiro, será necessário verificar qual é a faixa etária e quais as profissões que mais estão sendo afetadas com os óbitos, para que se saiba, no curto prazo, quais são as áreas que deverão absorver inicialmente esse impacto.

Em segundo lugar, o cientista político e sociólogo ressalta que, dependendo da localidade, essa mudança demográfica também altera a relação política, "na medida em que a proporção será alterada e o coeficiente eleitoral também".

Por fim, caso as condições atuais sejam mantidas, "quando finalmente conseguirmos escapar da pandemia", diversas localidade do país, se não o Brasil como um todo, serão inevitavelmente lugares bastante diferentes de que vemos agora.

O professor da UFOP, no entanto, assinala que, caso haja uma mudança profunda no combate à pandemia, com a evolução do programa de vacinação contra a COVID-19, essa tendência poderá ser revertida. Contudo, ele ressalta que ainda é muito cedo para saber qual será a tendência, se haverá retração demográfica ou aumento da população.

De acordo com Jackson, o Brasil já vinha demonstrando uma redução no crescimento populacional nos últimos anos e que, "ao contrário do que se possa imaginar", essa queda foi percebida nos anos de bonança econômica.

"Se tomarmos como um caso isolado o ano de 2010, que foi o final do governo Lula, a época em que o Brasil chegou a 7,5% de crescimento do PIB e desemprego de 5,3% da população economicamente ativa, o Nordeste, por exemplo, apresentou queda nos nascimentos. Isso já estava ocorrendo desde os anos imediatamente anteriores. Aliás, essa queda no número de crescimento [populacional] foi identificada em todas as regiões do Brasil, em maior ou menor grau", comenta.

Nesse sentido, o professor da UFOP explica que, quando há um crescimento econômico e emprego pleno, há uma espécie de retração nos nascimentos. Segundo ele, as razões que explicam essa tendência são muitas, que vão "desde a certeza de que a qualidade de vida será garantida com menos indivíduos no núcleo familiar, até mesmo o receio de que aquilo que se vive é temporário".

Para Jackson, o mito da família extensa em um ambiente pobre, que existia no passado, estava muito mais relacionado às características econômicas, como, por exemplo, a própria natureza do trabalho rural, que era mais intensivo em mão de obra, e a outros fatores, como a ausência de métodos anticoncepcionais amplamente difundidos.

Agora, o professor avalia que o quadro é de absoluta incerteza, pois será preciso "aguardar a vacinação completa da população", para que se faça "o inventário das perdas" e a reflexão do que será possível fazer para a existência de um futuro próspero.

"Até lá, vamos ter que, infelizmente, aguardar e nos resguardar desta loucura que estamos vivendo", conclui Jackson.     
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