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Fuga de capitais em 2020 e questões estruturais e circunstanciais podem afetar crescimento do Brasil

© AP Photo / Andre PennerAnalistas observam gráficos na bolsa de valores de São Paulo Bovespa
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Economista entende que governo precisa melhor ambiente de negócios, adotar postura pragmática na política externa e fazer a reforma tributária.

A fuga de capitais estrangeiros do Brasil registrada em 2020 pode afetar o crescimento em 2021 e há várias razões para isso. Como se a questão não fosse problemática por si só, pelo menos uma das delas é histórica e atravessa gerações políticas.

Essa é a opinião de João Branco, professor de Economia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) no Rio de Janeiro, em entrevista para a Sputnik Brasil.

Para o economista, antes mesmo de se chegar à questão "fundamental" da necessidade da reforma tributária, há condições circunstanciais imediatas que mostram um quadro complicado.

Em 2020, o setor produtivo perdeu US$ 20 bilhões em investimentos estrangeiros, cerca de R$ 100 bilhões. Mas o pior aconteceu no mercado financeiro - a outra categoria econômica que registra entrada de capitais -, onde a fuga de dinheiro mais que dobrou: de 11 bilhões em 2019 (R$ 55 bilhões) para 24 bilhões em 2020 (R$ 120 bilhões).

A saída é problemática porque os investidores do exterior, mesmo com a debandada recente, continuam representando uma parcela significativa da Bolsa de Valores. Eles foram, por exemplo, responsáveis por 48,59% do volume total (compras e vendas de papéis) movimentado em setembro de 2020, informou o site Infomoney.

"A fuga de capitais preocupa. E também o ritmo dela porque a saída veloz mostra que as condições do país estão deterioradas e isso é ruim. E temos que ficar atentos para tentar estabelecer uma blindagem para as empresas através do câmbio. O Banco Central precisa ter uma ação efetiva. Afinal, o investidor busca previsibilidade do comportamento do câmbio para então decidir investir aqui", disse o professor.

Somando diferentes tipos de entradas e saídas, o Brasil terá um fluxo positivo de dinheiro estrangeiro em 2020 de apenas US$ 11 bilhões (R$ 55 bilhões), bem abaixo dos US$ 59 bilhões de 2019 (quase R$ 300 bilhões).

Outro problema apontado por ele, no que se refere à velocidade da saída de capitais, bate na lei da oferta e da procura: menos dólar na praça significa dólar mais alto (40% de valorização sobre o real este ano) e com isso há reconfiguração no modelo econômico com menos produção para consumo interno - para o produtor é melhor exportar, ganhar em dólar - e mais possiblidade de importação de bens para equilibrar a situação.

© AFP 2023 / VANDERLEI ALMEIDAReal brasileiro e dólar norte-americano
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Real brasileiro e dólar norte-americano

Um fator que gera uma "relativa tranquilidade", observou Branco, é o tamanho das nossas reservas cambiais, cerca de US$ 360 bilhões, quase R$ 1,800 trilhão. Isso significa que há uma margem de manobra para lidar com o câmbio. Mas isso não esconde os problemas.

Problemas que às vezes vêm da política, e não da economia. Os atritos regulares com a China e o alinhamento com os Estados Unidos de Donald Trump são exemplos da política ideológica protagonizada pelo governo de Jair Bolsonaro. E, respectivamente, logo com os dois maiores parceiros comerciais do Brasil.

Uma das preocupações do economista é a circunstância vulnerável da nossa economia.

"Não só o momento político, mas também as mudanças internacionais afetam a entrada de capital. No que refere à nossa política externa, estamos desconstruindo uma tradição diplomática muito boa. É muito ruim quando se começa a buscar caminhos de alinhamento ou atrito, como aconteceu com os Estados Unidos e a China. Isso vai interferir no nível de investimentos", defendeu o economista.

E isso acontece porque, segundo Branco, o empresário quando toma decisão, ele olha as regras, vê se são estáveis, e quais as perspectivas de ganhar dinheiro no futuro. Se o ambiente for inseguro, ele vai rever sua decisão.

"O que o mercado precisa para investir e fazer o país crescer são regras claras, objetivas, se possível mais justas. E ele precisa de transparência também. Da maneira que estamos, é complicado. Gera desconfiança, apreensão, definitivamente não é coisa boa para criar um ambiente saudável de investimentos", disse.

Perspectivas sem reforma tributária

João Branco é cético em relação ao ano que vem. Vamos entrar em 2021 com dados ruins. Há expectativa de retração na economia de 5,6%, o desemprego bateu 14,3% em dezembro e a previsão de inflação gira em torno de 4,2%, ou seja, furando a meta do governo de 4%.

Para ele, citando dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), um dos grandes problemas brasileiros para 2021 é o baixo crescimento, previsto para algo entre 2% e 3%. Abaixo, inclusive, da média mundial. E há várias razões para isso. Uma delas, grave e histórica.

"O desequilíbrio fiscal só será resolvido através de reforma tributária. Nosso sistema é da década de 1960, injusto, complicado e muito ruim. E não temos tido liderança política para fazer essa reforma nos eixos da simplificação (ambiente de negócios transparente e grau de relativa certeza) e da justiça", comentou o professor.

Branco reforça que não basta estabelecer um teto de gastos ou ter feito a reforma da Previdência. A mudança da realidade tributária é a solução a longo prazo para ao menos minimizar o déficit fiscal que deve fechar o ano representando 95% do Produto Interno Bruto (PIB), isto é quase R$ 7 trilhões.

"O problema não é o déficit em si e sim não ter achado ainda um caminho para isso ser resolvido", argumentou.

Como a reforma tributária é uma solução que provavelmente vai demorar, o economista ainda lembra temas que, ao contrário, não vão esperar para bater na nossa porta. A pandemia, por exemplo, gerou "um gasto inevitável" - R$ 213 bilhões entre abril e agosto - e ele será "inevitável também em 2021", lembrou.

E, segundo o professor, não podemos nos esquecer de olhar algo que, se não é mais um dragão como foi antes do Plano Real, ainda é um problema.

"A inflação tornou-se um novo problema e teremos que tratar dela", concluiu João Branco.
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