A Caixa Econômica pagou nesta terça-feira (29) a última parcela do benefício para 3,2 milhões de brasileiros. Diante da chegada da epidemia do coronavírus ao Brasil, em março, o governo relutou em conceder algum tipo de bolsa para a população. Inicialmente, a proposta da equipe econômica era um auxílio de R$ 200. Após pressão do Congresso e da sociedade civil, o benefício passou para R$ 600 e começou a ser pago em abril.
O valor integral foi pago até agosto. De setembro até dezembro, o benefício passou para R$ 300. A bolsa beneficiou 67,9 milhões de pessoas e o governo gastou cerca de R$ 300 bilhões.
Para a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o "fim do auxílio vai ter um impacto muito negativo na saúde e nas medidas de prevenção na disseminação do coronavírus".
"Muitas pessoas vão ter dificuldades de ter suas necessidades básicas de alimentação e moradia atendidas. A COVID-19 aprofundou nossas desigualdades", disse a pesquisadora à Sputnik Brasil. “As medidas de prevenção dependem da aquisição de máscara, álcool gel e mesmo sabão para fazer a limpeza das mãos”, acrescentou a especialista.
'Quando você tem que lutar pela sobrevivência'
O governo chegou a discutir a criação de programas sociais alternativos para diminuir o impacto do fim do auxílio emergencial, como o Renda Brasil, mas as discussões não deram resultado.
"Quando você tem que lutar por sua sobrevivência, fica muito difícil pensar em outras questões", alertou a epidemiologista.
Até o momento, a única alternativa do governo Bolsonaro é o retorno para o Bolsa Família das famílias que migraram para o auxílio emergencial. O programa atende 19,2 milhões de pessoas.
O Ministério da Cidadania trabalha com um aumento do benefício de R$ 192 para R$ 200. Além disso, há planos de incluir mais 300 mil famílias no projeto. O orçamento do programa para 2021 é de R$ 34,8 bilhões.

Agravamento da pobreza
Segundo especialistas, no entanto, o reajuste do Bolsa Família e o número de pessoas atendidas é pequeno diante da crise econômica que se avizinha.
"A tendência é de que a gente tenha um quadro bastante agravado de pobreza a partir do mês que vem. Milhões de pessoas estarão sem recursos daqui para a frente e, ao mesmo tempo, a pandemia voltou a crescer. O que a gente está vendo são novos fechamentos e empregos demorando para serem recuperados. Um problema grave que afeta todo mundo, não só quem recebe o auxílio, como o produtor daquilo que é consumido pelas famílias beneficiadas", disse à Sputnik Brasil o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira.
Segundo o ativista, o governo não levantou alternativas para o fim do auxílio e esse "imobilismo" acabou "paralisando" as discussões na sociedade e entre parlamentares.
"Todo mundo apontou que será um desastre a partir de janeiro. Mas a bola estava com o governo", criticou Ferreira.
Prorrogação do estado de emergência
Um dos motivos que impede a prorrogação do auxílio é a não extensão do estado de calamidade, que possibilitou a criação do chamado orçamento de guerra e o não cumprimento de regras fiscais estabelecidas pelo próprio governo.
Para Ferreira, além da compreensão de que a "pandemia não acabou, o que possibilitaria a extensão do período de emergência, a transferência de renda é uma boa medida - que diminui a desigualdade e a pobreza, por isso é importante a revisão de regras fiscais que impedem a expansão de programas sociais como o Bolsa Família mesmo em outros períodos".
"Mas diante do cenário de emergência, o auxílio é fundamental", afirmou Leandro Ferreira.
"O governo, ele já vem, ao longo do seu mandato, comprovando que não tem compromisso com a vida e, em especial, com a vida dos mais pobres. Portanto, é preciso, na política, entender qual é o compromisso do governo. Porque não existe vazio na política." https://t.co/0uDhlz4a32
— Sputnik Brasil (@sputnik_brasil) December 30, 2020
Questão fiscal
Mesmo economistas que defendem a necessidade do ajuste das contas públicas reconhecem a importância do pagamento de algum tipo de benefício e da tempestade que pode chegar a partir de janeiro no Brasil.
"A questão fiscal vem de antes da pandemia e mesmo de outros governos. O Brasil tinha um grande problema em fechar essa conta e vinha fazendo algumas reformas, como da Previdência. Mas, com a chegada do coronavírus, tudo isso foi deixado de lado e foi feito o auxílio emergencial, que ajudou a atenuar um momento muito complicado ao longo de 2020", disse à Sputnik Brasil o economista Rodolpho Tobler, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O especialista menciona o fim do estado de emergência, que termina nesta quinta-feira (31), e alerta que isso pode acarretar o rompimento do teto de gastos.
"Qual o problema de furar o teto? É uma sinalização muito ruim de como o governo estaria contornando a política econômica, e isso pode trazer desdobramentos estruturais a longo prazo, como aumento do desemprego, da inflação e piora do poder de compra das pessoas", afirmou Tobler.
Clareza, vacina e benefício
Por outro lado, ele diz que o "início de 2021 será um período difícil para as pessoas que recebiam o auxílio", e a redução da crise "vai depender do andamento da economia e de uma recuperação muito forte do mercado de trabalho".
Tobler afirma que, diante do cenário incerto e do aumento de casos, o governo poderia adotar um novo orçamento de guerra e, "aí sim, pensar em novos benefícios".
"O que se espera do governo é uma maior clareza. Existem muitos obstáculos para 2021, mas alguns pontos podem ajudar a acelerar a recuperação da economia, assim como a confiança do empresário para investir e da população a consumir. Um deles é a vacina e um calendário organizado. Outro ponto seria tentar algum tipo de reajuste de benefícios sociais que possam atenuar a saída do auxílio emergencial", opinou o economista da FGV.
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