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2020 no Brasil: o pior ano de nossa história?

© AP Photo / Andre PennerVoluntário tenta apagar fogo na rodovia Transpantaneira em Poconé, no Mato Grosso. O Pantanal foi atingido por recorde de queimadas em 2020
Voluntário tenta apagar fogo na rodovia Transpantaneira em Poconé, no Mato Grosso. O Pantanal foi atingido por recorde de queimadas em 2020 - Sputnik Brasil
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Coronavírus, isolamento, mortes, desemprego, recessão, depressão, medo, desinformação, escolas fechadas. O ano de 2020 foi marcado pela COVID-19, mas terá sido o pior da história do Brasil?

Fizemos essa pergunta para o historiador Paulo Fontes, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que, embora tenha dito ser muito difícil responder a um questionamento como esse, arriscou uma análise do espírito dos tempos atuais - o Zeitgest, para usar expressão alemã consagrada por filósofos e pensadores. 

"É uma pergunta capciosa, que um historiador não costuma responder. Tudo é sempre muito relativo, a percepção do que é pior muda ao longo das décadas. É um juízo marcado historicamente por determinado momento", disse Fontes à Sputnik Brasil. 

O historiador aponta ainda que, com certeza, houve vários outros momentos muito ruins na história do Brasil. Ele cita os anos de 1935 e 1936, quando, após levante conhecido como Intentona Comunista, aconteceu uma grande repressão política e social; o período da Segunda Guerra Mundial; o golpe de 1964 e seus desdobramentos, como o AI-5, que aprofundou o estado de exceção; e o início dos anos 1980, que, "a despeito do otimismo político" com o movimento das Diretas Já, foi marcado por grande miséria e recessão, "em um contexto em que não havia a rede de proteção social estabelecida pela Constituição". 

2020, um ano 'terrível'

Mesmo assim, o professor da UFRJ não tem dúvidas em classificar o ano de 2020 como "terrível", com uma "conjugação de crise sanitária, econômica e política". Em relação à pandemia, ele diz que, além das mortes e do isolamento social, seu "impacto simbólico" foi muito grande: em função da grande velocidade das informações, "pela COVID-19 ser uma doença desconhecida" e por seu "caráter global". 

Mas Fontes elenca ainda outros ingredientes neste bolo amargo. Segundo ele, vivemos uma época de "desesperança", que, embora possa ser sentida mais fortemente por determinados círculos, "como grupos insatisfeitos com a política e o governo atual - a chamada bolha", perpassa grande parte da sociedade nos últimos anos. 

'Apoio ancorado no ódio'

"Mesmo o apoio ao governo não é movido por um sentimento de esperança, de transformação. É um apoio reacionário. Como se fosse a volta a um tempo que nunca existiu, uma idealização da ditadura, e, infelizmente, dos seus aspectos mais macabros. É um apoio ancorado no ódio e na raiva, que o grupo mais vocal de defesa do presidente emana, apoio ancorado no ataque ao outro", refletiu o historiador. 

Para Paulo Fontes, "se formos analisar historicamente", essa desesperança é "atípica" no Brasil, "principalmente no século 20".

"Vivemos diferentes regimes e, independentemente de quem estivesse no poder, havia uma crença compartilhada no futuro do país. É possível voltar até o século 19, na formação da nação, com uma ideia de propensão à grandiosidade", disse o especialista. 

Segundo o historiador, mesmo pessoas críticas ao nacionalismo e céticas a esse otimismo "estão mergulhadas nesta cultura". 

"Recentemente, essa esperança, se não entrou em uma fase terminal, com certeza vive uma ressaca", opinou Paulo Fontes. 

Mas, afinal, quais foram os fatos que, no Brasil, tornaram 2020 tão marcante, em grande parte de forma negativa?

  • SAÚDE

Primeira morte por COVID-19: Ainda não há certeza sobre o início da COVID-19 no mundo, mas os especialistas acreditam que os primeiros casos da doença começaram no final de 2019 na China. No Brasil, a primeira morte pelo coronavírus ocorreu em 12 de março, embora, inicialmente, acreditava-se que o primeiro óbito tinha sido registrado em 16 de março. A vítima foi Rosana Aparecida Urbano, de 57 anos, internada em um hospital de São Paulo. De lá para cá, se os nomes se tornaram estatísticas, a dor pela perda permanece a mesma. A marca de 50 mil mortos foi atingida em 20 de junho. Em 8 de agosto, a cifra chegou a 100 mil. Os 150 mil óbitos foram ultrapassados em 10 de outubro. Nesta segunda-feira, 21 de dezembro, o Brasil contabilizava 187.291 mortes pela COVID-19. 

Isolamento social: Para conter a rápida disseminação do coronavírus, e evitar a lotação de hospitais, a recomendação dos especialistas e da Organização Mundial da Saúde foi o isolamento social. A maioria dos estados e cidades brasileiras decretou medidas de restrição à circulação ainda em março, como Rio de Janeiro e São Paulo. Nem todos, porém, foram a favor dessa prática. O presidente Jair Bolsonaro, desde o início da pandemia, mostrou-se contrário à quarentena. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF): em 15 de abril, a Corte decidiu que estados e municípios tinham competência para decretar medidas de isolamento social, o que gerou grande insatisfação nas hostes bolsonaristas. Com o passar do tempo, a quarentena foi sendo flexibilizada. Atualmente, com o aumento dos casos do coronavírus, o debate sobre a necessidade de novas restrições à circulação retornou à pauta do dia. O isolamento certamente deixou um grande impacto na população. Um ano de muito medo, angústia, tristeza e solidão. 

  • RECURSOS HÍDRICOS

Geosmina: Antes da pandemia chegar com força no Brasil, o Rio de Janeiro viveu uma crise que, embora levada muitas vezes com bom humor, causou muita dor de cabeça, prejuízo e receio de consumir algo extremamente simples: água. Em janeiro, os cidadãos cariocas começaram a sentir uma coloração escurecida e um gosto forte na água proveniente da companhia fornecedora do estado, a Cedae. O problema seria causado por um composto orgânico chamado geosmina. O governo disse que a água não oferecia risco à saúde. Especialistas discordaram. Na dúvida, milhares de pessoas fecharam as torneiras e começaram a comprar água de mercados. O produto chegou a faltar nas prateleiras e a subir de valor. A crise ocorreu em meio a um debate sobre a privatização da Cedae e provocou críticas sobre a gestão dos recursos hídricos brasileiros.

  • EDUCAÇÃO

Suspensão das aulas: A pandemia e o isolamento social provocaram um impacto imensurável na educação brasileira. Para evitar as aglomerações e a transmissão do vírus, creches, escolas e universidades tiveram que fechar as portas. As aulas, a partir de meados de março, foram suspensas e continuariam de forma apenas on-line. O retorno das atividades escolares ocorreu, de forma lenta e parcial, somente a partir do segundo semestre, em muitos lugares apenas em outubro. Nas universidades, o Ministério da Educação, que tinha determinado a volta das aulas presenciais para 4 de janeiro de 2021, recuou e alterou a data para 1º de março. Se em boa parte das escolas privadas as atividades recomeçaram, ainda que não em sua totalidade, muitas escolas públicas e creches até hoje estão sem aulas. E sem previsão para recomeço em 2021. Em enorme prejuízo de aprendizado e de dificuldades psicológicas para crianças e adolescentes. 

  • DIREITOS HUMANOS 

Morte no Carrefour: Em 19 de novembro, uma morte chocou o país. João Alberto Silveira Freitas, 40, um homem negro, foi espancando até perder a vida por seguranças de uma loja do Carrefour em Porto Alegre. O caso gerou revolta e demonstrou que a chaga do racismo ainda é muito presente na sociedade brasileira. Em 11 de dezembro, a Polícia Civil indiciou seis pessoas pelo assassinato. Posteriormente, eles viraram réus por decisão do Tribunal de Justiça. Os suspeitos responderão por homicídio triplamente qualificado com dolo eventual, isto é, motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. Diversos outros casos de racismo ocorreram ao longo do ano. Um caso de bastante repercussão foi o do entregador de comida por aplicativo Matheus Pires, humilhado por um cliente em São Paulo. O agressor chega a apontar para o seu próprio braço e diz que o trabalhador teria inveja dele por conta da cor de sua pele. Por outro lado, o ano foi marcado por várias manifestações antirracistas e pelo fortalecimento da luta contra o preconceito.

  • POLÍCIA 

Cid Gomes baleado: Os ânimos certamente andaram a flor da pele em 2020. Em fevereiro, uma greve da polícia levou o caos ao Ceará, com um aumento do número de mortes e homicídios no estado. Pelo menos oito cidades cearenses sofreram com as paralisações. A categoria exigia aumentos salariais. A crise chegou ao seu auge em 19 de fevereiro, quando o senador Cid Gomes, irmão do ex-governador do Ceará Ciro Gomes, tentou furar um bloqueio de policiais amotinados em um quartel em cima de uma retroescavadeira. No meio do tumulto, ele acabou sendo baleado e foi hospitalizado. Cid Gomes, também ex-governador do Ceará, recebeu alta no dia 23 de fevereiro

Ronaldinho preso: O ano de 2020 também será marcado pela prisão de um dos maiores ídolos do futebol brasileiro, Ronaldinho Gaúcho. O jogador e seu irmão Assis foram presos no Paraguai em 5 de março, após serem pegos com documentação adulterada para entrar no país. Com suspeitas de lavagem de dinheiro e falsificação, os dois foram detidos para que não fugissem para o Brasil. Ronaldinho e Assis só foram soltos em 24 de agosto, voltando para o Brasil no dia seguinte. 

  • POLÍTICA 

Troca de ministros: Certamente, o ano de 2020 não foi bom para os ministros do governo de Jair Bolsonaro. Mais notadamente, as pastas de Educação, Saúde e Justiça. Em meio a uma grave crise sanitária e econômica, as mudanças de gestores causaram abalo em Brasília. Na Educação, em 18 de junho, após meses de polêmicas e declarações incendiárias, como ataques veementes contra a China e os ministros do STF, Abraham Weintraub foi demitido da pasta. Para o seu lugar, foi chamado Carlos Alberto Decotelli. Após cinco dias no cargo e envolto em acusações de fraudes no seu currículo, ele pediu demissão. Em 10 de julho, o governo anunciou o nome do pastor e professor Milton Ribeiro para o cargo. Na Saúde, também houve uma sucessão de demissões. O primeiro a abandonar o posto foi Luiz Henrique Mandetta, que se chocou com o posicionamento de Bolsonaro contra o isolamento e a favor da cloroquina. Depois, o médico Nelson Teich deixou o cargo, novamente por desacordos com o presidente, que insistiu para o ministério recomendar a cloroquina como tratamento precoce para a COVID-19, apesar de estudos não comprovarem a eficácia do remédio. Por fim, quem acabou ficando na pasta foi mais um militar, o general Eduardo Pazuello. 

  • DESASTRES

Ciclone bomba: Como se não bastasse a pandemia, diversas cidades do Sul do país foram atingidas por um ciclone bomba. O fenômeno deixou pelo menos 10 mortos, a maioria em Santa Catarina. Além disso, milhares ficaram sem energia. ​No Sul, os ventos atingiram até 100 km/h, com reflexos até na região Sudeste. O fenômeno é comum nesta época do ano, mas, devido à queda drástica de pressão, o ciclone ganhou força e foi apelidado de bomba. As fortes rajadas destruíram telhados, derrubaram postes e árvores e quebraram janelas e vidraças. 

Acidente em São Paulo: Em 25 de novembro, um acidente entre um ônibus e um caminhão deixou ao menos 41 pessoas mortas e várias feridas no interior de São Paulo. O acidente ocorreu na Rodovia Alfredo de Oliveira Carvalho, entre Taguaí e Taquarituba. A colisão ocorreu no km 172 da estrada, em Taguaí, por volta das 7h. O ônibus da Star Turismo transportava funcionários de uma empresa têxtil. O ônibus teria tentado ultrapassar um veículo quando bateu de frente com o caminhão.

  • ECONOMIA

Desemprego e alta do dólar: Se a economia brasileira já vinha mal das pernas antes da pandemia, acumulando vários anos de crescimento muito baixo, a crise do coronavírus aumentou ainda mais o problema. O desaquecimento da economia global e o isolamento social, medida recomendada para conter a disseminação do coronavírus, fizeram com que milhares de pessoas ficassem sem emprego e estabelecimentos fechassem. Para evitar uma tragédia, o governo, após pressão da sociedade e da Câmara dos Deputados, concedeu um auxílio emergencial para trabalhadores informais de R$ 600. Criado em abril, o benefício começou a ser pago em maio. O valor integral foi concedido durante quatro meses. De setembro a dezembro, o auxílio passou para R$ 300. Especialistas alertam que a diminuição e o fim do benefício e a flexibilização do isolamento social têm feito o desemprego aumentar, com alta do número de pessoas procurando emprego. Os números da economia foram dramáticos em 2020. Segundo o IBGE, a população desocupada chegou a 13,8 milhões de pessoas em outubro. Ao longo do ano, a alta do dólar em relação ao real bateu vários recordes, chegando a R$ 5,70 em 6 de maio. A desvalorização cambial fez com que commodities como o arroz subissem de preço, impactando no dia a dia do brasileiro. 

  • MEIO AMBIENTE

Queimadas no Pantanal e Amazônia: Em 2020, as florestas brasileiras arderam. O Pantanal e a Amazônia registraram altas recordes de desmatamento e incêndios. De janeiro a outubro, os incêndios atingiram cerca de 4,1 milhões de hectares do bioma Pantanal, segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O número corresponde a 28% do Pantanal brasileiro, segundo o Instituto SOS Pantanal. Na Amazônia, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a área desmatada atingiu o nível anual mais alto desde 2008 — um total de 11.088 km² entre agosto de 2019 e julho de 2020. O desmatamento nestes 12 meses deve ser 9,5% maior do que o período anterior equivalente. A questão, além de prejuízo em si para os biomas, têm causado problemas internacionais para o Brasil, como ameaças para a concretização do acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

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