Criar atritos com a China pode ser um mau negócio para vários setores da economia do Brasil, não só o das telecomunicações em função da escolha da rede 5G em 2021.
Esta é a opinião da entidade que promove a atuação de líderes e autoridades com influência nos Produtos Internos Brutos (PIBs) dos dois países e que busca aumentar a parceria e promover integração das empresas para cooperação bilateral, o fomento do comércio e acordos comerciais.
A série de declarações de autoridades brasileiras céticas ao relacionamento com a China - o maior parceiro comercial do Brasil - começou antes mesmo da posse do presidente Jair Bolsonaro.
E o mais recente capítulo veio com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente e ele mesmo líder da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara. Ela aconteceu em postagem na noite da segunda-feira (23) e foi apagada no dia seguinte, terça-feira (24).
"O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China", escreveu. "Isso ocorre com repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista da China", completou Eduardo.
A resposta de Pequim veio através da embaixada em Brasília. Em uma série de 17 tuítes, seu porta-voz, chegou a comentar que "personalidades têm produzido uma série de declarações infames" e pediu o fim das declarações para "evitar ir longe demais no caminho equivocado", e que essas personalidades vão "arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil".
Represálias comerciais
Segundo o advogado José Ricardo dos Santos Luz Júnior, presidente do Grupo de Líderes Empresariais (Lide China), é preciso refletir a fundo qual o papel que o Brasil quer com a China.
Até porque realmente pode haver represálias comerciais diante da série de declarações "inadequadas" que, na opinião dele, são "pontuais" e que não representam a realidade do comércio entre Brasil e China.
"O Brasil precisa nutrir uma relação especial com a China porque há a possiblidade de intensificação do relacionamento comercial entre os dois países. Muito além da questão da cooperação no que se refere à COVID-19, a China pode ser benéfica para nós em áreas como a da agricultura, a de energia limpa - solar e eólica -, além da mineração e da infraestrutura", disse Luz Júnior em entrevista para a Sputnik Brasil.
O advogado lembra que o comércio com a China é na ordem de US$ 100 bilhões, ou seja, cerca de R$ 570 bilhões. E que não podemos botar isso a perigo por causa de declarações que gerem atrito, sejam elas do presidente da República ou de seu filho.
"Não devemos esquecer que a China pode aplicar represálias no âmbito comercial, não podemos nos esquecer que o Brasil exporta cada vez mais para a China, especialmente commodities e que Pequim tem a opção de procurar outros países, como tem feito com nações africanas no caso da soja e até mesmo no de minério de ferro", lembrou Luz Júnior.
A questão pode levar a um buraco muito grande para o setor que mais cresce no país.
"Qual nossa alternativa para a China? Ela importa 80% da nossa soja e para quem exportaríamos o produto em caso de represália? Guatemala? El Salvador? Quem substitui este volume? O comércio com nosso segundo maior parceiro, os Estados Unidos, gera entre US$ 58 bilhões e US$ 59 bilhões [cerca de R$ 310 bilhões], muito menos que a China. Há um vácuo aí de US$ 40 bilhões [R$ 212 bilhões]. Precisamos seriamente refletir o tamanho do impacto que isso teria no nosso agronegócio, por exemplo", comentou o advogado.
Para ele, é preciso entender que as declarações de Eduardo Bolsonaro são vistas a partir do momento que ele é o filho do presidente da República e, portanto, isso tem uma representatividade institucional muito grande. E que podemos sofrer com isso. Sempre no nosso bolso.
"Até 2050, o PIB da China pode representar 24% do PIB global, isso significa a soma dos PIBs dos Estados Unidos e da Europa. E vemos que há um esforço chinês de futuro compartilhado e essa é uma construção da qual o Brasil pode se beneficiar. Então esse é um momento de reflexão interna. De como definir um plano de metas para desenvolver essa relação", disse o dirigente da Lide China.
O caso 5G
A recente postagem do deputado federal focou, mais uma vez, no sensível tema do leilão da rede 5G, passo fundamental no desenvolvimento da Internet no Brasil e que pode ter a chinesa Huawei, a finlandesa Nokia e a sueca Ericsson em um leilão. O governo já avisou que ele acontecerá no primeiro semestre do ano que vem. E o discurso geral, seja via pai ou filho, é de suspeita de que a China vá se aproveitar para espionagem. Luz Júnior refuta isso.
"O ponto crucial da alegação norte-americana - a possibilidade de haver no equipamento da Huawei os backdoors [método, geralmente secreto de escapar de uma autenticação ou criptografia normais em um sistema computacional] - está sendo analisado por órgãos do governo federal, entre eles vários ministérios e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). E não há comprovação da existência deles", disse Luz Júnior. "A Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, vai elaborar protocolos e requisitos de segurança para evitar este acesso a empresas de telecomunicações e a seus usuários", comentou.
O advogado entende que a questão diz respeito também à legislação brasileira.
"Devemos respeitar esta regra internacional de mercado e de livre concorrência que está na nossa Constituição. O ambiente de negócios no Brasil é internacionalizado e devemos manter estes parâmetros de transparência e imparcialidade como sempre tivemos. E enxergar que investimento estrangeiro é sempre bem-vindo. Além do que, a Huawei já está no Brasil há 20 anos e ela gera empregos diretos e indiretos. E mais: 45% dos produtos na área de telecomunicações são da Huawei e teremos um desafio enorme de velocidade de implementação e de custo para o consumidor", disse.
Para José Ricardo dos Santos Luz Júnior, a relação Brasil-China não tem perdedores: "Ela é ganha-ganha".
As opiniões expressas nesta matéria podem não necessariamente coincidir com as da redação da Sputnik
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