O que leva o maior produtor mundial de soja a importar este mesmo produto? O que em tese parece contraditório, na prática das circunstâncias da economia e uma ajuda de outro fator que não estava nos planos, a COVID-19, não é.
O Brasil está importando 600 mil toneladas de soja dos Estados Unidos para abastecer o mercado interno que vive uma entressafra do grão, algo considerado normal neste período. E está trazendo esse produto porque exportou muito - 36,4% a mais do que em 2019 - e também porque houve aumento da demanda no país a partir dos primeiros sinais de aquecimento da economia.
Mas especialistas entendem que o vaivém de navios não põe em risco a segurança alimentar do país.
"A entressafra e a demanda maior não provocaram desabastecimento e não vejo risco de afetar segurança alimentar porque há previsão de aumento da próxima safra, em área e em produção, a não ser que haja algum grande problema climático, mas ainda assim creio em um planejamento estratégico bem feito", disse José Luiz Tejon, especialista em agronegócio e professor da Fundação da Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) em entrevista para a Sputnik Brasil.
Além da entressafra, quando a oferta dos produtos é menor, houve também no país um aumento da demanda provocada pelo, como diz Tejon, o "coronavoucher", ou seja, o auxílio emergencial em parcelas de R$ 600,00 e de R$ 300,00 que o governo liberou para brasileiros em situação mais vulnerável durante a pandemia da COVID-19. Mais dinheiro no bolso, mais demanda por compras, mais procura por alimentos. E isso provocou impacto sobre produtos como a soja.
Mas houve outro motivo para este aparente desequilíbrio entre oferta e demanda: a queda do valor do real diante do dólar, uma baixa de 43% em relação a janeiro.
"O dólar variando de R$ 5,50 a R$ 5,70 estimulou os produtores a exportar, essa desvalorização foi um ganho muito bom para eles. O fator câmbio é muito importante para o agronegócio", explicou Tejon.
Essa opção por exportar, ao contrário de priorizar o setor doméstico, é parte dos movimentos econômicos. Mas a professor Juliana Inhasz, coordenadora de graduação de Economia do Instituto de Pesquisa e Ensino (Insper) lembra outro argumento importante para justificar a exportação.
"Não precisaríamos importar soja dos Estados Unidos se usássemos a nossa, mas temos acordos internacionais, temos que cumprir estes acordos. Devemos exportar soja para os americanos e deles importar soja também", contou a economista à Sputnik Brasil.
O que preocupa Inhasz é outro ponto: a possível diferença de categoria entre a nossa soja e a que vem do exterior.
"O que devemos questionar é a qualidade da soja que compramos porque ouvi de parceiros que ela não é tão boa como a nossa", disse.
A professora lembra que há outro fator, além do câmbio, a justificar a exportação tão alta. A China, preocupada com a COVID-19 e possível desabastecimento da população, comprou muita soja. Melhor estocar do que não ter. Por isso os chineses também procuram outros mercados como a Tanzânia.
"A soja é também versátil porque serve para humanos, mas também para a criação animal. Ela é um alimento coringa", esclareceu.
A economista também não acredita em insegurança alimentar para o país, que isso seja "um ponto de preocupação". Para ela, a equação é "o Brasil vendendo e completando a demanda interna via parceiros e isso é uma forma de otimizar a comercialização com vantagem, de fato, para o país".
Os números são impressionantes. Esta importação de 600 mil toneladas corresponde a uma alta de 379% em relação a 2019. Na contramão, exportamos entre janeiro e julho 69,7 milhões de toneladas, cerca de 36,4% a mais do volume registrado no mesmo período do ano passado. Deste total, 50 milhões foram para a China, alta de 32,2% a mais do que no ano anterior. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), vamos fechar o ano com estoque de 320 mil toneladas, um décimo do estoque de 2019.
Para 2021, a Abiove acredita em bons ventos por aqui: a safra brasileira de soja será recorde.
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