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Constituição brasileira, 30 anos: chegou a hora de reformar?

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Completando 30 anos nesta sexta-feira, 5, a Constituição Federal do Brasil voltou ao debate nesse período eleitoral quanto à necessidade de se realizar um novo processo constituinte, seja através de uma nova assembleia ou até da elaboração por um grupo de 'notáveis'.

A Sputnik Brasil ouviu juristas sobre o tema e as opiniões divergem. O então presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil na época da Assembleia Constituinte de 1988, Marcelo Lavenère, reconhece que a atual Constituição, devido à série de emendas que recebeu, não atende as necessidades de um país democrático.

"A nossa atual Constituição, com essas mais de cem emendas que a descaracterizaram, ela realmente se tornou uma Constituição que não atende um país democrático e progressista do século XXI. Por exemplo, os direitos trabalhistas foram flexibilizados, para não dizer que foram revogados", afirma.

O jurista, no entanto, ressalta que, no atual momento do Brasil, uma nova constituinte poderia gerar um texto pior que o existente.

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"Há uma insatisfação dos movimentos populares, e eu me coloco nessa posição, com o que temos hoje de Constituição. Mas, apesar de reconhecermos que é preciso fazer uma nova Constituição, ao mesmo tempo reconhecemos que as condições não são favoráveis para que isso possa ter um resultado positivo. É preferível deixar no momento como está, apesar de insatisfatória, do que caminharmos para um quadro ainda piorado", conclui.

Lavenère cita como empecilhos para um texto mais favorável a previsão de crescimento da bancada BBB, como é conhecido o grupo formado pelas bancadas do agronegócio, evangélica e da "bala", reconhecidamente contrária aos direitos individuais e ideais progressistas.

Ivar Hartmann, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), vai ao encontro da opinião de Lavenère, se dizendo também contrário à realização de uma nova Constituição no cenário atual. O jurista afirma que existe uma série de características que não recomenda que o Brasil faça uma nova Constituição, com destaque para a polarização política.

"Neste momento, certamente, nós não devemos constituir uma nova Assembleia Constituinte. É um momento de altíssima polarização no país e de quase esfacelamento dos partidos políticos em adição ao problema que não é de ontem e já tem algum tempo de uma pluralidade alta demais de partidos políticos", defende.

Apesar das propostas dos presidenciáveis para a construção de uma nova Constituição, o professor se mostra reticente sobre a possibilidade no atual cenário político.

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"Nós temos que aguardar, no mínimo, para que a dinâmica dos nossos partidos políticos volte a ser saudável, e ela está longe disso. O Brasil tem uma situação bastante atípica do ponto de vista internacional e isso não vai se resolver dentro de um ano."

Hartmann lembra que o texto constitucional já foi alterado dezenas de vezes e defende a necessidade de mudanças no que tange ao Supremo Tribunal Federal:

"A nossa Constituição já foi alterada dezenas e dezenas de vezes. Algumas dessas alterações foram bem-vindas e outras não. Se há necessidade de pensar em mudanças incrementais na Constituição, ela certamente está no funcionamento e composição do Supremo Tribunal Federal", explica.

O também professor de Direito Constitucional da FGV Daniel Vargas diverge de Lavenère e Hartmann, defendendo a necessidade de uma nova constituinte. Para ele, uma nova Constituição é fundamental para que o Brasil possa fazer o que classifica como reformas fundamentais, como a previdenciária, a política e a tributária.

"Ela constitucionaliza uma série de matérias, como, por exemplo, questões tributárias, toda a estrutura de segurança pública, uma parte significativa da educação, a previdência e a própria política. Isso significa que quando o Brasil enfrenta uma série de problemas que tocam várias dessas questões, nós não conseguiremos fazer reformas significativas sem reformar a Constituição. Isso, por si só, já sugeriria a necessidade de o Brasil pensar em maneiras de facilitar reformas constitucionais para resolver esses problemas que são pontuais, embora centrais para a crise política brasileira."

Na avaliação de Vargas, temos dois caminhos para sanar esses problemas: alterações pontais, como as que foram feitas, ou uma nova constituinte, opção que julga ser melhor.

"A questão é se nós vamos encarar essas reformas pontualmente ou se nós vamos convocar uma assembleia ou algum mecanismo mais facilitado para fazer essas alterações constitucionais de forma mais decisiva. Eu sou a favor do segundo caminho", finaliza.

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Independente das opiniões sobre a necessidade de uma mudança imediata na Constituição, todos os juristas rechaçaram a proposta do General Hamilton Mourão (PRTB), candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), de criação de uma Constituição por uma "comissão notáveis", sem a participação de membros eleitos pela população.

Ivar Hartman afirma que a declaração é um desrespeito ao processo democrático.

"A declaração demonstra um desapreço pela democracia, pelo processo democrático e pela legitimidade inerente a pessoas que são escolhidas pela população para desempenhar o papel", critica o jurista.

Lavenére lembra que houve uma tentativa semelhante, por parte do então presidente José Sarney, que nomeou uma comissão de notáveis para criar um anteprojeto da Constituição que ele almejava ser aceito pela Assembleia Constituinte eleita, mas que não foi adiante.

"Não deu certo. A constituinte se transformou num espaço democrático de várias correntes que formam a sociedade brasileira e que resultou na Constituição de 88", explica.

O jurista não acredita que a proposta do general ganhe apoio da sociedade ou dos próprios parlamentares para ser colocada em prática.

"É uma opinião radical, inaceitável, e não vejo como os próprios parlamentares aceitarem homologar uma nova Constituição que não tenha passado pelo crivo do parlamento, ainda que esse parlamento seja da pior qualidade. Mas me parece que essa ideia, absolutamente despropositada, não ganha apoio de segmentos importantes da sociedade e vai ser colocada de lado sumariamente", analisa.

Ivar Hartmann lembra que, na história mais recente pós-Constituição de 88, tivemos processos com textos elaborados por notáveis, como o Código Civil, e afirma que essas iniciativas não foram boas.

"Nós temos experiências com processos em que uma comissão de notáveis produz uma versão inicial do documento, que depois é submetido a uma aprovação ou não do Congresso ou da população. E a experiência não é boa. Porque as comissões trazem notáveis que não fazem qualquer estudo prévio de impacto sobre as alterações que propõem. Geralmente, são comissões de pessoas que têm até conhecimento prático, mas que não dialogam com a ciência empírica necessária", explica, lembrando que os textos legais interferem diretamente na vida da população.

O presidenciável Fernando Haddad (PT), que rivaliza com a chapa de Mourão na eleição deste ano, por sua vez, defende em seu programa de governo a adoção de uma Assembleia Constituinte para "restabelecer o equilíbrio entre os Poderes da República e assegurar a retomada do desenvolvimento, a garantia de direitos e as transformações necessárias ao país".

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O tema levou até ministros do Supremo Tribunal Federal a se manifestarem, de maneira contrária às propostas de ambos os candidatos. O ministro Gilmar Mendes declarou à imprensa opinião semelhante à de Lavenère e Hartmann, ao afirmar que uma nova constituinte poderia piorar o pacto de direitos formado em torno do texto original da atual Constituição.

"A despeito dos problemas, esta, pelo menos, é a Constituição mais estável que já tivemos. É aquela que evitou golpes, não ensejou tentativa de tomada de poder. Por isso ela tem valor em si mesma, um valor intrínseco que precisa ser cultuado. Por isso que, também por outras razões, me repugna qualquer ideia de constituinte, miniconstituinte", declarou o ministro.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, também é critico à proposta. O magistrado afirmou, em entrevista a portais jurídicos, que não vê motivos para Assembleia Constituinte.

"Aí nunca vamos chegar a lugar nenhum. Se a cada período de tempo nós quisermos reconstruir o pacto nacional, não conseguiremos ter uma estabilidade institucional", disse ele ao portal jurídico Jota.

A opinião de Toffoli é compartilhada por Cláudio Pinho, professor de Direito Constitucional e secretário-executivo da Comissão de Direito Constitucional da OAB/RJ.

"Trinta anos da Constituição a fazem não um texto velho, mas um texto maduro. Um que deve ser utilizado ainda como interpretação por muitos e muitos anos. Afinal, não sou eu que falo, vários doutrinadores falam, a gente tem um texto evoluído, não só para 88, mas também para o atual momento. Então, a gente deve trabalhar e manter esse texto", defende Pinho.

Na avaliação do jurista, o texto, apesar das diversas emendas, ainda preserva os anseios da sociedade brasileira e, por isso, deve ser mantido.

"O texto que está aí já teve mais de cem emendas e, mesmo assim, ainda permanece o núcleo duro dele. […] É preferível ter um texto que já se conhece e que vai evoluir do que criar um texto do zero, seja ele feito por notáveis ou por uma nova constituinte. A sociedade evolui, ela se modifica, se adapta, mas os anseios da sociedade brasileira são os mesmos", finaliza.

A Constituição
Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal encerrou um período ditatorial, em que o Brasil mergulhou no caos civil e na censura à imprensa. A Carta Magna deixou para trás a repressão do Estado às liberdades individuais e aos direitos fundamentais da população, tornando-se o principal símbolo do processo de redemocratização nacional.

Na época, o Brasil iniciava um processo de abertura política, após sair de 20 anos de um regime ditatorial militar, que perdurou de 1964 a 1984. Com a assembleia, a população buscava criar um texto para assegurar a liberdade de pensamento e mecanismos para evitar abusos de poder do Estado.

O texto constitucional foi promulgado pela Assembleia Nacional Constituinte, formada por 559 membros eleitos pelo povo. Os 245 artigos do texto constitucional trouxeram garantias e direitos que devem ser protegidos e assegurados à toda população brasileira. Apesar de diversos questionamentos, a Constituição brasileira ainda é considerada por especialistas uma das mais avançadas do mundo.

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