Em entrevista à Sputnik Brasil, o infectologista Edimilson Migowski, professor e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente do Instituto Vital Brasil, explicou que o sarampo é a doença mais transmissível entre seres humanos e apresenta muitos riscos, sobretudo para adultos que não tenham recebido as duas doses recomendadas contra a doença.
"Em um adulto o sarampo tem maior gravidade e letalidade. A doença mata, em média, 1 milhão pessoas por ano pelo mundo e, para uma doença evitável por vacinação, qualquer morte é muita porque posso evitar pela vacina. Ela é extremamente contagiosa, e quando não tinha como se tem hoje a vacinação no Brasil e no mundo, era a virose da infância mais comum e mais contagiosa, mais que catapora, rubéola, caxumba", afirmou.
O especialista explicou que o sarampo se transfere de uma pessoa para outra por via respiratória, tendo o potencial de causar doenças secundárias, como a pneumonia e a encefalite, podendo comprometer os olhos (podendo levar à cegueira) e, se não tratada adequadamente, causar a morte da pessoa acometida pela doença.
Primeira região do mundo a ser declarada livre do sarampo, a América Latina já tem 8 países com notificação da doença só neste ano — em 2017, foram apenas quatro. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), já são 185 casos confirmados de janeiro a março, contra 22 em igual período do ano passado.
Em todo o continente americano, a Venezuela, em grave crise econômica e social, encabeça o maior número de casos notificados (159), seguida pelos Estados Unidos (11), Brasil (8), além de Antígua e Barbuda, Canadá, Guatemala, México e Peru. Até mesmo a Europa, segundo a OMS, viu o número de casos crescer 400% em 2017.
De acordo com o Ministério da Saúde, os oito casos registrados no Brasil estão localizados em Roraima, e envolvem venezuelanos que fogem da crise em seu país. Na opinião de Migowski, a situação explicita a falência do sistema público naquele país e mostra o impacto da falta de vacinação adequada à população. Sem tal pilar da saúde pública, associado ao saneamento básico que permita ter acesso à água de qualidade, os riscos são inúmeros.
"A vacina é top em termos de prevenção, mas ela vem pagando um preço elevado pelo sucesso que ela tem. O sarampo é uma doença exclusiva dos seres humanos, e todas as vezes que você tem uma doença que é exclusiva dos seres humanos, onde ele é o único hospedeiro, ela é uma doença passível de ser erradicada, como se erradicou a varíola. Existe a possibilidade, mas é preciso ter campanhas de vacinação e todos os países têm que aderir", ressaltou.
Sintomas
Mais comum na infância, o sarampo vem acompanhado de tosse, febre alta durante 2 ou 3 dias, com o aparecimento de manchas na pele, olhos avermelhados, e secreção purulenta. A doença pode evoluir e atingir outros órgãos, como os pulmões, os olhos e o ouvido, podendo levar à pneumonia, diarreia ou doenças associadas que, se não tratadas, podem causar a morte da vítima.
Migowski comentou o fato do sarampo ser ainda mais perigoso quando acomete pessoas adultas, geralmente aquelas que não tomaram corretamente a vacina na infância ou na adolescência. A razão para isso não é clara, de acordo com o infectologista, mas não se restringe apenas ao sarampo.
"Catapora por exemplo é assim: quase nenhum adulto tem, mas 25% das mortes ocorrem em adultos, o que não represente 25% dos casos. O número de casos é muito pequeno para tanta morte, então o adulto tem tomar cuidado. Se não teve doença e não foi vacinado, é bom se vacinar para evitar que tenha um quadro maior gravidade", revelou.
O especialista contou ainda que não existe um remédio licenciado que trate o sarampo, e as medidas para tratar a doença passam por medicamentos para diminuir a replicação e a força do vírus no organismo, além do uso de analgésicos e, sobretudo no caso de crianças, a aplicação de doses de vitamina A, já que tal substância entra em queda quando a pessoa é acometida pelo sarampo.
Diante da crise na Venezuela, os casos registrados no Brasil merecem ainda mais cuidados.
"Se essas crianças da Venezuela tendo dificuldade nutricional, é provável que tenham deficiência de vitamina A também. Acaba perpetuando a desgraça e pobreza, a pessoa já está pobre, adoece e piora. Temos que pôr vitamina A nos casos de sarampo, fazer analgésico, ter cuidado com os olhos, boa higiene, boa nutrição e torcer para que a criança evolua bem porque não temos antiviral especifico que possa ser utilizado para tratar o paciente com sarampo. É preciso dar tempo ao tempo", afirmou.
A internação só é recomendada em casos com agravamento, como se a pessoa com sarampo apresentar um quadro de pneumonia, por exemplo.
Desinformação
Contudo, se a questão política e social parece justificar a situação da Venezuela, o reaparecimento do sarampo nos Estados Unidos e na Europa parece ter outras motivações. O infectologista da UFRJ avaliou que nestas duas áreas do planeta os desafios estão diretamente ligados a outro problema: a desinformação e à rejeição de dados oficiais e comprovados pela ciência.
"Outra variável é que tem campanhas contra a vacinação. Pessoas dizem que não vão vacinar o filho porque a vacina tríplice viral ou a tetra viral tem relação com o autismo, uma afirmação descabida, infundada e mentirosa, desqualificada como algo correto. E as pessoas ficam repetindo isso e soltam aquela máxima: ‘meu filho não está vacinado, não vou vacinar e ele não vai adoecer’. Não vai porque vacinei o meu filho, você vacinou o seu filho, e quando você tem uma excelente cobertura vacinal contra sarampo, é pouco provável tenha casos pipocando como na Venezuela e em outros países", declarou.
Migowski fez questão de exaltar os benefícios da vacinação contra doenças virais como o sarampo, moléstia esta para o qual não existe um antiviral certificado para o seu tratamento. Assim sendo, a prevenção segue sendo ainda a melhor resposta e uma vacinação ampla e em duas doses – com um intervalo de pelo menos um mês, de preferência na infância – é a melhor política de Estado.
"Tem um fato incontestável quanto a isso: quais são os fatos e dados quanto à vacinação? Foi com a vacina que se erradicou a varíola, foi com a vacina que se controlou de forma bastante contundente a poliomielite no continente americano. A versão que se tem sobre a vacina é que ela é prejudicial e cause problema. Não é provável. As pessoas seguem a versão dos fatos e dados e não se apoiam nos próprios fatos e dados […] o que a gente tem hoje é a vacina como ferramenta segura, eficaz e que vai fazer com que essa ameaça de epidemia esmoreça, desde a gente tenha no Brasil grandes coberturas vacinais para sarampo, caxumba, rubéola e catapora, e essa grande cobertura passa por ter no mínimo duas doses após 1 ano de idade e intervalo mínimo entre essas doses de 1 mês", pontuou.
Com uma experiência na área de mais de 30 anos, o especialista relembrou que a última vez que se registrou um risco de epidemia de sarampo no Brasil foi entre 1997 e 1998, quando uma família saiu de São Paulo para a Bahia portando a doença e o país registrou 58 mil casos. Para evitar que isso aconteça, o Ministério da Saúde está promovendo a vacinação de todos os venezuelanos – com idades de 6 a 49 anos – que estão em Roraima até o dia 10 de abril.
"O sucesso da vacinação faz com que essas doenças se tornem raras, por isso importante manter a cobertura vacinal. Como falei e repito, é a doença mais transmissível de todos os tempos entre seres humanos. É uma doença muito contagiosa", continuou Migowski, que vê boa chance de sucesso na iniciativa brasileira de conter a moléstia.
"[Vale] lembrar que, se tive contato com o sarampo hoje, posso até me vacinar 3, 4 dias depois do contato com alguém com sarampo e tenho grande chance de me proteger. É possível fazer a chamada vacinação pós-exposição. Por isso, lá em Roraima está se fazendo uma grande campanha vacinação para, se 1 ou outra pessoa não vacinada ou vacinada parcialmente tiver contato com alguma criança com sarampo, eu faça a vacina 3, 4 dias depois com grandes chance de que criança que teve contato não desenvolver a doença porque a vacina protege bem rapidinho", emendou.
Se alguém tem dúvidas sobre estar imunizado contra o sarampo, o infectologista recomenda que se busque a carteirinha de vacinação e se busque siglas como a SCR (sarampo, caxumba e rubéola), MMR (iniciais da doença em inglês), ou TV (tríplice ou tetra viral). "É bom pegar a carteira, [a vacinação] é geralmente feita na infância e não é incomum você encontrar adultos jovens que se vacinaram na adolescência", concluiu.
Ao pressionar o botão "Publicar", você concorda expressamente com o processamento de dados da sua conta no Facebook para permitir que você comente notícias no nosso site usando essa conta. Você pode consultar a descrição detalhada do processo de processamento na Política de Privacidade.
Você pode cancelar seu consentimento removendo todos os comentários publicados.
Todos os comentários
Mostrar comentários novos (0)
em resposta a(Mostrar comentárioEsconder comentário)