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Mariana, um ano depois: entre a dor e a esperança

© José Cruz/Agência BrasilMariana final
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Passado um ano do rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), considerado o maior desastre ambiental do Brasil, toda a região afetada vive um dilema: até agora, a Justiça não condenou nenhum responsável, indenizações estão sendo pagas, mas os moradores não podem sobreviver sem a continuidade das operações da mineradora.

A Samarco — que tem como sócias a Vale e a australiana BHP Billiton — constituiu em outubro uma entidade para cuidar de todos os assuntos relacionados ao acidente, a Fundação Renova. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Renováveis (Ibama) já aplicou multas no valor de R$ 250 milhões, a Justiça de Minas Gerais também bloqueou outros R$ 300 milhões como garantia de indenizações, o Ministério Público denunciou 21 pessoas por homicídio doloso — aquele em que há intenção de matar — quase todas executivos e ex-executivos da Samarco e da Vale, mas ninguém foi preso até agora. 

Paracatu, Minas Gerais - Sputnik Brasil
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A Arca de Noé de Mariana

Só em multas ambientais, são cerca de R$ 430 milhões que não foram pagos, pois a empresa está recorrendo das notificações dentro do que permite a legislação. O rastro de destruição que matou 19 pessoas oficialmente e atingiu 40 municípios e distritos dos dois estados gerou até agora quase 30 multas à Samarco. A empresa se defende e diz já ter aportado cerca de R$ 500 milhões na recuperação da bacia do Rio Doce, desde março, cumprindo o acordo que fez com a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, além da Vale e BHP Billinton.O acordo cria um fundo de R$ 20 bilhões para recuperar a bacia do rio em 15 anos. A previsão é de que, somente entre 2016 e 2018, a mineradora aplique R$ 4,4 bilhões no fundo. Na foto acima, Estanislau Klein, um dos representantes da Samarco, nas audiências com o governo.

No esforço pra evitar que novas tragédias com barragens se repitam, a Assembléia de Minas Gerais aprovou dois projetos de lei, o 3.676 e o 3.677 que podem alterar profundamente a relação entre governo e mineradoras. Os projetos proíbem a construção de barragens a menos de 10 quilômetros de comunidades ou mananciais  de águas para abastecimento, assim como o aumento de barragens para comportar mais rejeitos.

No âmbito das manifestações, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou uma grande marcha que saiu de Linhares (ES) em 31 de outubro e chegou à Mariana, às vésperas da data do acidente, 5 de novembro. No trajeto, foram percorridas nove cidades do Espírito Santo e de Minas atingidas pela tsunami de lama que percorreu pouco mais de 600 quilômetros até chegar ao Oceano Atlântico, por pouco não contaminando o litoral da Bahia, onde há santuários ecológicos, como o de Abrolhos. Em todas os locais atingidos, palestras, protestos e a esperança de que uma tragédia dessas dimensões não volte a acontecer.

Mariana marcha - Sputnik Brasil
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Mariana: Marcha em defesa dos que não têm para onde ir

Paradoxalmente à dor de vilarejos e casas arrasadas, plantações, pesca comprometida para várias comunidades ao longo do Rio Doce e de outras perdas, Mariana e arredores não podem prescindir da continuidade de trabalho de mineração da Samarco. A Sptunik Brasil entrou em contato com as empresas e, embora ninguém da Samarco concordasse em dar entrevista, a Renova apresentou alguns números que justificam a importância econômica da empresa para essas comunidades.

A fundação alega que  todas as famíias que perderam suas casas em decorrência do acidente estão sendo acomodadas temporariamente em Mariana e arredores. Os moradores de Bento Rrodrigues e de outros distritos atingidos vêm recebendo assistência financeira de um salário mínimo por pessoa da família, mais 20% do mínimo por dependente além de cesta básica. Até agora, foram entregues quase 8 mil cartões de auxílio financeiro. A maioria das familias atingidas em Bento Rodrigues concordou com a reconstrução do distrito em Lavoura, área a 10 quiômetros do local original, em uma área que pertence à ArcelorMittal e que está sendo negociada. Dados do governo de Minas revelam que 8 mil famílias estão cadastradas em todas as regiões atingidas pelo vazamento, enquanto outras 11 mil aguardam confirmação de dados para serem incluídas.

A importância da Samarco para região pode ser compreendida quando se sabe que entre 2010 e 2014 a empresa gerou R$ 6,3 bilhões em impostos. Só em 2014, segundo a Fundação Renova, foi R$ 1,5 bilhão, quase 20% do que o governo pretendia arrecadar com a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Considerada por muitos um mal necessário, a Samarco ostenta uma receita que corresponde a 6,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do Espírito Santo e de 1,2% do de Minas. De 2011 a 2015, foram R$ 9,1 bilhões investidos pela empresa no Brasil, o que confere à empresa o 12º lugar no ranking das maiores exportadoras brasileiras.

No âmbito dos trabalhos de reconstrução, a Renova informa que há em andamento um projeto de reflorestamento em 10 mil hectares de matas que vão consumir R$ 1,1 bilhão pelo prazo de 10 anos. Cerca de 1.300 trabalhadores também foram contratados pela mineradora para auxiliar nos vários trabalhos de reconstrução e recuperação. No campo do acervo, foram resgatadas 1.475 peças sacras, muitas datadas de 300 anos, na capelas de São Bento e Nossa Senhora das Mercês, em Bento Rodrigues; Santo Antônio, em Paracatu; e Nossa Senhora da Conceição, em Gesteira. Em termos de meio ambiente, houve monitoramento de água em 120 pontos da bacia do Rio Doce, com a emissão de 61 mil laudos. Apesar das certificações garantirem a potabilidade da água, ONGs como o Greenpeace afirmam que ainda pode ser constatada a presença de resíduos de minério na pele das pessoas após usarem água liberada para banho. O abastecimento também ainda não se regularizou de todo, e muitas comunidades ainda preferem a água mineral, quando há opção, à água liberada para consumo.

Mariana hoje - Sputnik Brasil
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Mariana: Após o desastre, um mundo inteiro a reconstruir

Raphaela Lopes, advogada da Justiça Global, ONG que vem monitorando a situação dos atingidos pela tragédia de Mariana, conversou com a Sputnik Brasil e contou um pouco do trabaho que vem sendo realizado pela entidade.

"Fazemos parte dessa articulação internacional que vem monitorando as violações que a Vale causa no mundo inteiro, dentro dessa ideia de enxergar esses impactos como impactos estruturais. A Vale é uma empresa emblemática dessas violações, mas apontando para esse caráter estrutural da mineração, de violadores de direitos. Produzimos um relatório ('O Vale de Lama'), divulgado dois meses depois do rompimento das barragens, tentando mapear esses impactos iniciais, com fotos e relatos dos atingidos."

Raphaela diz que a ONG tem feito diversas denúncias internacionais, participando até de uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

"Estivemos em Genebra, na semana passada, pautando esse tema na discussão de um tratado internacional vinculante para responsabilizar empresas transnacionais por violação de direitos humanos. Temos esse trabalho de estar em espaços internacionais denunciando mas, ao mesmo tempo, valorizando a presença no território, e por isso estamos agora em Mariana. É um aporte mais de pesquisa e de denúncia, com parcerias pontuais, com o MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, com alguns outros movimentos e com a própria articulação dos atingidos pela Vale."

Segundo a advogada da Justiça Global, o cenário da mineração brasileira como um todo é de precarização e de desmonte dos órgãos ambientais de fiscalização. 

"O Departamento Nacional de Produção Mineral, que é o órgão que fiscaliza as barragens no Brasil, está extremamente precarizado, com pouquíssimos funcionários para fiscalizar as barragens do Brasil inteiro. O Ibama também está fragilizado institucionalmente, e isso faz com que o Estado exerça pouco controle na fiscalização dessas atividades, que são uma das atividades mais perigosas e mais danosas aos direitos humanos das populações atingidas, que vivem ao redor desses empreendimentos."

No âmbito federal, o governo defende a necessidade de as ações de órgãos públicos e privados sejam coordenadas e integradas. No total, são 39 programas de recuperação cobrados e fiscalizados pelo Executivo na região. Na última quinta-feira, o presidente Michel Temer se reuniu com ministros, governadores dos estados atingidos e representantes da Samarco, da Vale e da BHP para saber do andamento dos trabalho de recuperação e reconstrução.

Para o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, a legislação que regulamenta a mineração no Brasil tem que ser modificada. No caso de Mariana, Sarney Filho disse que os danos foram gravíssimos.

"Não pode ser mais uma legislação que privilegie a atividade de mineração em detrimento da segurnça das populações direta e indiretamente envolvidas na atividade." 

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