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Moniz Bandeira: ‘O impeachment deve ser entendido dentro do contexto internacional’

ENTREVISTA COM MONIZ BANDEIRA 2 DE 15-06-16
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O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, professor da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, concedeu entrevista a parlamentares e à Sputnik Brasil, na qual comenta a crise política brasileira.

Na entrevista, o Professor Moniz Bandeira considera ilegítima a presença de Michel Temer à frente do Poder Executivo, e diz que “poderosos interesses dos Estados Unidos, para ampliar sua presença econômica e geopolítica na América do Sul”, foram alguns dos fatores que levaram ao afastamento de Dilma Rousseff por meio da possível instauração de processo de impeachment.

A seguir, os principais pontos da entrevista de Moniz Bandeira aos parlamentares do PT e à Sputnik Brasil.

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Sputnik: Como o senhor avalia o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff?

Moniz Bandeira: O fato de o presidente interino Michel Temer e seus ministros atuarem como definitivos, mudando toda a política da Presidente Dilma Rousseff, evidencia nitidamente a farsa montada para encobrir o golpe de Estado, um golpe frio contra a democracia, desfechado sob o manto de impeachment. Esse golpe, entretanto, deve ser compreendido dentro do contexto internacional, em que os Estados Unidos tratam de recompor sua hegemonia sobre a América do Sul, ao ponto de negociar e estabelecer acordos com o Presidente Mauricio Macri para a instalação de duas bases militares em regiões estratégicas da Argentina. O processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff não se tratou, portanto, de um ato isolado, por motivos domésticos, internos do Brasil.

S: Onde seriam implantadas tais bases?

MB: Uma seria em Ushuaia, na província da Terra do Fogo, cujos limites se estendem até a Antártida; a outra na Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai), antiga ambição de Washington, a título de combater o terrorismo e o narcotráfico. Mas o grande interesse, inter alia, é, provavelmente, o Aquífero Guarani, o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo, com um total de 200.000km2, um manancial transfronteiriço, que abrange Brasil (840.000km²), Paraguai (58.500km²), Uruguai (58.500km²) e Argentina (255.000km²). Aí os grandes bancos dos Estados Unidos e da Europa – Citigroup, UBS, Deutsche Bank, Credit Suisse, Macquarie Bank, Barclays Bank, The Blackstone Group, Allianz, HSBC Bank e outros – compraram vastas extensões de terra. 

S: Que implicações teria o estabelecimento de tais bases na Argentina?

MB: Quaisquer que sejam as mais diversas justificativas, inclusive científicas, a presença militar dos EUA na Argentina implicaria maior infiltração da OTAN, na América do Sul, penetrada já, sorrateiramente, pela Grã-Bretanha no arquipélago das Malvinas, e ab-rogaria de fato e definitivamente a Resolução 41/11 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que, em 1986, estabeleceu o Atlântico Sul como Zona de Paz e Cooperação. E o Brasil jamais aceitou que a OTAN estendesse ao Atlântico Sul sua área de influência e atuação. Em 2010, durante o Governo da Presidente Dilma Rousseff, o então ministro da Defesa do Brasil, Nélson Jobim (do PMDB, o mesmo partido do presidente interino Temer), atacou a estratégia de ampliar a área de ingerência da OTAN ao Atlântico Sul, afirmando que nem o Brasil nem a América do Sul podem aceitar que os Estados Unidos “se arvorem” o direito de intervir em “qualquer teatro de operação” sob “os mais variados pretextos”, com a OTAN “a servir de instrumento para o avanço dos interesses de seu membro exponencial, os Estados Unidos da América, e, subsidiariamente, dos aliados europeus”.

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S:Mas estabelecer uma base militar na região da Antártida não é uma antiga pretensão dos EUA?

MB: Sim. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial esse é um objetivo estratégico do Pentágono, a fim de dominar a entrada do Atlântico Sul. E, possivelmente, tal pretensão agora ainda mais se acentuou devido ao fato de que a China, que está a construir em Paraje de Quintuco, na província de Neuquén, coração da Patagônia, a mais moderna estação interplanetária e a primeira fora de seu próprio território, com poderosa antena de 35 metros para pesquisas do “espaço profundo”, como parte do Programa Nacional de Exploração da Lua e Marte. A previsão é de que comece a operar em fins de 2016. Mas a fim de recuperar a hegemonia sobre toda a América do Sul, na disputa cada vez mais acirrada com a China, era necessário controlar, sobretudo, o Brasil, e acabar o Mercosul, a Unasul e outros órgãos criados juntamente com a Argentina, seu principal sócio e parceiro estratégico, a envolver os demais países da América do Sul. A derrubada da Presidente Dilma Rousseff poderia permitir a Washington colocar um preposto para substituí-la. A mudança na situação econômica e política tanto da Argentina como do Brasil afigura-se, entretanto, muito difícil para os EUA. A China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, com investimentos previstos superiores a US$ 54 bilhões, e o segundo maior parceiro comercial da Argentina, depois do Brasil. O Brasil, ao desenvolver uma política exterior com maior autonomia, fora da órbita de Washington, e de não intervenção nos países vizinhos e de integração da América do Sul, conforme a Constituição de 1988, constituía um obstáculo aos desígnios hegemônicos dos EUA, que pretendem impor a todos os países da América tratados de livre comércio similares aos firmados com as repúblicas do Pacífico. Os EUA não se conformam com o fato de o Brasil integrar o bloco conhecido como BRICS e seja um dos membros do banco em Xangai, que visa a concorrer com o FMI e o Banco Mundial.

S: O senhor julga que os Estados Unidos estiveram por trás da campanha para derrubar o Governo da Presidente Dilma Rousseff?

MB: Há fortes indícios de que o capital financeiro internacional, isto é, de que Wall Street e Washington nutriram a crise política e institucional, aguçando feroz luta de classes no Brasil. Ocorreu algo similar ao que o Presidente Getúlio Vargas denunciou na Carta-Testamento, antes de suicidar-se, em 24 de agosto de 1954: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de liberdade e garantia do trabalho.” Muito dinheiro correu na campanha pelo impeachment.

S: E qual é a perspectiva?

MB: É sombria. O governo interino de Michel Temer não tem legitimidade, é impopular e, ao que tudo indica, não há de perdurar até 2018. É fraco. Não contenta a gregos e troianos. E, ainda que o presidente interino Michel Temer não consiga o voto de 54 senadores para efetivar o impeachment, será muito difícil à Presidente Dilma Rousseff governar com um Congresso em grande parte corrompido e o STF comprometido pela atuação abertamente político-partidária de certos ministros. Novas eleições, portanto, creio que só as Forças Armadas, cujo comando do Exército, Marinha e Aeronáutica até agora está imune e isento, podem organizar e presidir o processo. Também só elas podem impedir que o Estado brasileiro seja desmantelado, em meio a esse clima de inquisição, criado e mantido no país em colaboração com a mídia corporativa, por elementos do Judiciário, como se estivessem acima de qualquer suspeita. E não estão. Não são deuses no Olimpo.

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