Revelado papel dos EUA em massacre anticomunista na Indonésia nos anos 1960

© AP Photo / Horst FaasTropas de elite no desfile militar em Bandung, Indonésia, 1966
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Nos EUA acabam de ser publicadas 30 mil páginas de ficheiros sobre a atividade dos Estados Unidos na Indonésia durante a transição sangrenta da ditadura socialista para a ditadura militar pró-ocidental em meados dos anos 60.

Os documentos confirmam que Washington estava a par e apoiava a tomada do poder pelos militares e a perseguição dos oponentes comunistas.

As operações de limpeza anticomunistas em 1965 e 1966 foram horríveis, tendo sido descritas pela Agência Central de Inteligência como "um dos massacres mais maciços do século XX". Entre 400.000 e um milhão de comunistas foram mortos. Segundo algumas estimativas, os números atingem três milhões.

Há muito que se sabia que os EUA e os governos aliados apoiaram o golpe militar de 1965. A embaixada dos EUA e a Agência Central de Inteligência foram acusadas de fornecer armas, assistência econômica, treinos das forças de Suharto e uma lista com 5.000 comunistas. A embaixada assegurava em 1990 que a lista em questão foi elaborada por um oficial a título particular, e os cientistas políticos continuam discutindo se os EUA ajudaram ou não a facilitar os massacres.

Um dos ficheiros há pouco publicados do primeiro secretário Mary Vance Trent da embaixada americana informava Washington sobre "a mudança fantástica que ocorreu durante dez curtas semanas", quando cerca de 100.000 pessoas foram exterminadas.

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Um outro telegrama chocante de 1966 do oficial da Agência Central de Inteligência Edward Masters discutia o “problema” dos comunistas presos. "Parece que muitas províncias estão resolvendo o problema com sucesso ao executá-los [os comunistas] ou matando-os antes de serem capturados, a isso ajudam os grupos de jovens muçulmanos", escrevia Masters.

Os documentos foram compilados em 2001 pelo Departamento de Estado norte-americano e depois classificados, por isso só agora foram conhecidos. "Francamente não sabemos se os números reais atingem 100.000 ou um milhão", lê-se em um telegrama de abril de 1966 incluído no relatório de 2001.

O senador norte-americano Tom Udall, que apresentou um projeto de lei em 2015 que pedia a desclassificação de todos os documentos dos EUA relacionados à questão, bem como apelava à Indonésia para criar um comitê de verdade e reconciliação sobre o massacre, saudou a publicação dos documentos. "Estes documentos proporcionam mais transparência em relação ao apoio por parte dos EUA ao governo indonésio durante o período em que estes crimes horríveis foram cometidos", disse Udall da declaração.

"Isto representa um progresso verdadeiro. Mas hoje na Indonésia, muitos indivíduos envolvidos nesses massacres continuam a viver impunemente e as vítimas e os seus descendentes continuam sendo marginalizados e não reconhecidos. Esta injustiça não deixa a Indonésia atingir a reconciliação e realizar o seu potencial democrático. Aqui, nos EUA, temos que favorecer o progresso democrático do nosso aliado vital, temos que enfrentar o nosso próprio papel nestes ataques terríveis. Somente através do reconhecimento dessa verdade sobre a história dos EUA o país será capaz de falar com firmeza sobre a defesa dos direitos humanos no futuro".

A Indonésia, que foi colónia da Holanda durante séculos, declarou a independência em agosto de 1945 e criou o estado moderno da Indonésia com o socialista e anti-imperialista Sukarno na qualidade de primeiro presidente nacional. Sukarno tentou combinar os militares nacionalistas, o Islão político e o comunismo na chamada política "Nasakom", tendo sido membro-fundador do Movimento de Não Alinhamento com outras ex-colônias como o Egito ou a índia.

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Com o tempo, Sukarno favoreceu mais aos seus aliados comunistas, em especial os da China e da União Soviética. A pobreza e a fome reinavam no terceiro maior país comunista do mundo, e a Indonésia acumulava dívidas enormes a Pequim e Moscou. Sukarno também reprimia os islamistas e tentou enfraquecer os militares através de medidas como a criação de uma milícia camponesa aliada aos comunistas.

Depois do golpe fracassado contra Sukarno, em setembro de 1965 os militares acusaram o Partido Comunista indonésio e os aliados chineses, e a nação se viu envolvida muito rápido em purgas sangrentas. Os militares e os islamistas se aliaram para derrubar o regime de Sukarno e a liderança do Partido Comunista.

Os documentos também sugerem que a embaixada dos EUA tinha evidências credíveis de que o golpe não foi dirigido pelos comunistas – mais tarde, os analistas iam questionar as declarações dos militares indonésios, continuando hoje a ser discutido quem foram os culpados e a motivação por trás da tentativa de golpe.

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O líder dos rebeldes, o general Suharto, tomou o controle da presidência e decretou a prisão domiciliária de Sukarno, onde ele morreu em 1970 por causa de problemas de rins. Suharto ia permanecer ditador militar e aliado dos EUA antes de ter sido obrigado a deixar o poder em 1998.

O legado do massacre continua a ser um tema complicado na Indonésia. Os manuais escolares descrevem brevemente "a campanha patriótica", a "insurreição nacional em que foram mortos 80.000 opressores comunistas".  Um simpósio em 2016 que tencionava discutir a tragédia foi impedido de o fazer e, em setembro de 2017, uma multidão anticomunista interrompeu um encontro de ativistas que queriam discutir o massacre.

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