América Latina, diplomacia e 'trumperialismo': o que esperar das eleições nos EUA?

© AP Photo / Pablo Martinez Monsivais, PoolEmbaixada dos EUA em Havana,Cuba
Embaixada dos EUA em Havana,Cuba  - Sputnik Brasil
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As relações entre EUA e América Latina são cruciais nas campanhas de ambos os candidatos. Enquanto a vitória democrata poderá fazer a diferença, a reeleição apenas intensificará o "trumperialismo".

Em conversa com a Sputnik Mundo, a cientista política argentina Silvina Romano, pesquisadora do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG, na sigla em espanhol) e do Instituto de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Universidade de Buenos Aires, considerou que a América Latina representa forte influência para os candidatos estadunidenses, pois continua sendo uma parceira importante dos EUA em questões de comércio e segurança.

Latinos, ou hispânicos, se estabeleceram como a primeira minoria étnica nos Estados Unidos, mas atualmente o "voto latino" é cada vez mais um tesouro cobiçado por aqueles que desejam chegar à Casa Branca. No entanto, a assimetria entre Estados Unidos e países latino-americanos continua levantando a questão da importância da América Latina na campanha eleitoral que coloca Donald Trump contra Joe Biden.

"Durante os quatro anos de Trump (2016-2020), houve pelo menos 180 visitas e reuniões de funcionários norte-americanos com funcionários ou agentes do setor privado à América Latina", explicou a especialista, acrescentando que, durante esse período, pelo menos 165 assinaram "acordos políticos e comerciais".

Romano destacou que, para os Estados Unidos, a intensa relação com a América Latina "se torna mais importante na disputa geopolítica com a China, que nos últimos dez anos vem avançando na região, principalmente no campo da infraestrutura".

Democratas são mais parecidos com América Latina: mito ou verdade?

Antes de cada mudança de sede na Casa Branca, os países latino-americanos renovam suas apostas em relação às estratégias que republicanos ou democratas possam ter em relação à América Latina. Para Romano, a grande diferença entre os dois partidos americanos é mais bem percebida nas questões internas do que em política externa.

Naturalmente, a cientista política reconhece que existem diferenças entre democratas e republicanos na posição dos EUA em relação à América Latina, embora sejam "mais na forma do que no conteúdo". Segundo Romano, "os democratas mantêm muito mais as formas, baseando-se mais na diplomacia, no discurso da democracia e dos direitos humanos".

© Foto / YouTube/alchymediatvManifestantes em Washington, DC, durante protesto contra a postura ameaçadora dos EUA em relação à Venezuela
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Manifestantes em Washington, DC, durante protesto contra a postura ameaçadora dos EUA em relação à Venezuela
Analistas americanos esperam que a possível vitória de Biden o faça retomar uma política externa como a liderada por Hillary Clinton (secretária do Departamento de Estado entre 2009 e 2013), baseada nos seus três "D" – democracia, defesa e desenvolvimento – e recuperando alguns "aliados históricos" que Trump deixou de lado. Há também intensão de que se retome "a liderança nas organizações que, para Trump, foram uma perda de tempo e recursos".

"No que diz respeito à América Latina, há uma ilusão, em todos os sentidos da palavra, de que Biden vai recuperar a política de reaproximação com Cuba, depois que Trump fez a política contrária abordando o lobby anticubano", acrescentou Romano.

Do mesmo modo, a especialista descarta que algo semelhante aconteça com a Venezuela, presidida por Nicolás Maduro, onde existe um "acordo bipartidário para a mudança de governo". Já o discurso de retirada de sanções e bloqueios a Cuba, Venezuela e Nicarágua ainda se limita a "alguns deputados democratas, contados nos dedos de uma mão", especificou.

© AP Photo / Silvia IzquierdoManifestante usa máscara do presidente americano, Donald Trump, durante manifestação de apoio a Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro (foto de arquivo)
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Manifestante usa máscara do presidente americano, Donald Trump, durante manifestação de apoio a Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro (foto de arquivo)

Para a pesquisadora, a América Latina pode sentir uma diferença entre republicanos e democratas no que diz respeito à ajuda ao desenvolvimento. Nesse sentido, avaliou o interesse dos democratas em dar destaque à Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), órgão que viu seu orçamento reduzido em favor da Corporação de Investimento Privado Ultramarino (OPIC, na sigla em inglês), com objetivos semelhantes, mas com uma visão de, "em vez de assistência ao desenvolvimento, investimento para o desenvolvimento".

Romano caracterizou as diferentes preferências de republicanos e democratas por essas ferramentas como uma lacuna "burocrática ou administrativa" entre os dois partidos, embora tenha destacado que, no final, o objetivo de ambos os programas é o mesmo quando atuam na América Latina: "Manter na América Latina ligações com câmaras empresariais, fundações e ONGs, e assim se manter presente na região e ter acesso ao mercado, investimento em infraestrutura e recursos estratégicos latino-americanos, para o complexo militar e industrial dos Estados Unidos."

'Trumperialismo', a doutrina que pode perdurar até 2024

Se Biden pode significar um retorno à assistência ao desenvolvimento, Trump representará o provável aprofundamento do "trumperialismo", segundo descreve Romano.

"O trumperialismo é um imperialismo sobrecarregado. É a presença dos EUA na América Latina que existe há décadas, mas com a administração Trump adquire uma modalidade particular de ingerência nos assuntos internos, justificação para essa intervenção e um discurso de demonstração de força", explicou a cientista política.

De fato, Romano destacou que, durante a administração de Trump, os principais funcionários da política externa dos Estados Unidos "adotaram a doutrina Monroe", e até o secretário de Estado, Mike Pompeo, ou o próprio Trump, delinearam "um discurso anticomunista sobre a Venezuela, Cuba e Nicarágua; revivendo a distinção entre o bem e o mal, o que nos remete para um cenário da Guerra Fria, em que um avanço na América Latina é justificado pela segurança nacional dos Estados Unidos".

Esta posição faz parte de um contexto em que, ao intensificar suas posições em relação a países como a Venezuela, Trump estreitou fortemente os laços "com o Equador de Lenín Moreno, o Brasil de Jair Bolsonaro e com o Peru", acrescentou Romano. Ele também abordou os países do triângulo setentrional da América Central e "claro com a Colômbia", o aliado central de Trump na pressão sobre a Venezuela.

© AP Photo / Desmond BoylanTribuna contra o imperialismo diante da Embaixada dos EUA em Havana, Cuba
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Tribuna contra o imperialismo diante da Embaixada dos EUA em Havana, Cuba

A abertura de Trump para manter laços comerciais com o México, apesar do discurso antimexicano que havia caraterizado sua corrida à Casa Branca em 2016, é uma demonstração, segundo Romano, da maneira particular de se relacionar com toda a América Latina. "Há uma retórica de desprezo, acompanhada de muitas visitas diplomáticas, tratados e venda de armas, produtos, serviços militares e cursos de formação como nunca antes", descreveu.

Para Romano, o trumperialismo é uma amostra do "declínio da estrutura institucional e democrática americana" e de "um império em declínio que exige mostrar músculos, como Trump faz na Venezuela".

Romano tira como principal conclusão do processo eleitoral corrente que os candidatos "expuseram as múltiplas limitações da democracia americana para representar o seu povo". Nesse sentido, recolheu questões sobre o sistema de eleições indiretas e as alegadas falhas que o voto por correspondência pode apresentar.

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