O que será de Maduro e oposição após mais uma tentativa fracassada de impeachment?

© AP Photo / Ramon EspinosaBolivarian National Guardsmen march in riot gear during a parade marking Venezuela's Independence Day in Caracas, Venezuela
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Nesta segunda-feira, a Venezuela foi abalada por mais um ímpeto da crise política: a oposição parlamentar conseguiu passar uma moção contra o presidente Nicolas Maduro, declarando seu "abandono do cargo". A Sputnik falou com vários especialistas em assuntos latino-americanos para tentar entender o que isso significa e quais serão as consequências.

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Na sequência das eleições parlamentares na Venezuela, realizadas em 6 de dezembro de 2015, o parlamento passou a ser controlado pela oposição que inclui facções extremamente diferentes — da extrema-esquerda à direita. Apesar de todas as divergências que possam existir entre elas, a oposição é unanime em uma coisa — Maduro deve sair.

O que aconteceu e o que isso quer dizer

Porém, outra força apoiante do governo, capaz de fazer algo ao principal órgão legislativo, ou seja, o parlamento, entrou em jogo. O Supremo Tribunal de Justiça venezuelano solicitou para que a Assembleia Nacional "se abstenha de ditar qualquer tipo de ato que seja fora de suas funções" e, de fato, anulou tal moção.

Ao ser perguntado pelo serviço russo da Rádio Sputnik sobre a possível conduta da oposição em um futuro próximo, o professor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidade Estatal de São Petersburgo, Viktor Jeifets frisa:

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"Não, não acho que o façam [permanecerão de mãos cruzadas até as próximas presidenciais de 2019]. Mas, antes delas, serão realizadas as eleições regionais, que deveriam ter ocorrido em dezembro, mas foram adiadas para o primeiro trimestre de 2017. Estas também serão mais uma prova de forças: quem chefiará qual estado e controlará seus parlamentos. Segundo, o mais provável é que a oposição não reconheça ou reconheça como pouco legítimo a decisão do Supremo Tribunal e, com certeza, continuará expressando sua desconfiança a Maduro."

Formalmente, diz Jeifets, a oposição sabia e até abertamente falou de que a respectiva moção não teria chance de entrar em vigor, mas o fato de apresentá-la, em sua opinião, significa "cumprir o dever e mostrar ao povo que Maduro não é capaz de exercer funções presidenciais".

"Porém, a oposição continuará exercendo pressão sobre Maduro. Além disso, acho que a oposição não descartará a ideia de organizar um referendo. Oficialmente, as negociações entre o governo e a oposição não foram congeladas. Mas o governo também perseguirá o caminho de confronto", resumiu o analista.

Oposição — ‘bala de prata' ou o melhor entre os piores?

Quando se fala da Venezuela de hoje, as pessoas costumam mencionar inflação galopante, escassez de alimentos e baixa popularidade de Maduro. É verdade — segundo as enquetes, 80% dos venezuelanos consideram como "desconfiável" o atual líder do país. Porém, isto não quer dizer que todas estas pessoas apoiem a oposição.

A principal causa da desilusão da população venezuelana com a oposição é sua inédita variação. Ou seja, as forças políticas são tão diferentes que ninguém acredita na melhoria do país, caso alguma delas chegue ao poder.

"As pessoas estão cansadas de aguardar. Eles queriam mudanças, mas não as obtiveram ao longo deste ano. Ninguém pode sair às ruas o ano todo. As pessoas trabalham, estão cansadas, inclusive pelo fato da oposição não ter se mostrado eficiente", explica Jeifets.

Muita esperança e muitas promessas. Seria justo dizer que, no ano passado, a oposição poderia ter organizado um Maidan (protestos ucranianos que começaram no outono de 2013 e levaram à revolução) venezuelano, mobilizando milhões de pessoas às ruas, continua o acadêmico.

Mas poucas destas promessas foram cumpridas — por isso, a maioria das pessoas passou a escolher um status quo (por mais difícil e complicado que seja) ao invés de um futuro nebuloso.

Cenário brasileiro na Venezuela: missão impossível

Sem dúvida, houve um momento em que a oposição venezuelana quis "seguir o padrão" brasileiro para se livrar do seu maior rival político — o chefe de Estado, afirma outro analista, Aleksandr Kharlamenko.

Mas não deu, e isso pode ser explicado da seguinte forma: ao contrario da Venezuela, o poder judicial no Brasil uniu todas suas forças para ajudar a oposição no processo de impeachment, enquanto o Supremo Tribunal venezuelano fez tudo para impedi-lo; frisam todos os analistas.

"Após a época de ditaduras militares das décadas de 70 e 80, a América Latina obteve uma boa ‘injeção' contra tais medidas políticas. Agora, é difícil encontrar outra região no mundo com política defasada a este nível. Em muitas organizações latino-americanas, como a OEA, até há artigo que proíbe a mudança forçada do poder", diz Aleksandr Kharlamenko, chefe do centro de ciências e informações do Instituto da América Latina russo.

O grande irmão está vigiando — serão agentes de fora?

O sucessor de Chávez, pela tradição, gosta de apelar para intervenção de terceiras partes nos assuntos internos do país e culpá-los pelos problemas econômicos e sociais. Talvez, tais avaliações sejam um pouco exageradas, mas os analistas afirmam que há algo de racional por trás delas.

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"Não somente tensões internas influenciam, mas também fatores externos e, infelizmente, já é de costume isso. Por exemplo, os EUA estão conduzindo, digamos a verdade, uma guerra econômica contra o governo de Maduro. <…> A Venezuela é alvo de agressão política, econômica e de serviços secretos que não querem que a Venezuela siga rumo ao socialismo do século XXI", analisa Vladimir Travkin, editor-chefe do jornal América Latina russo.

Porém, tudo pode mudar após 20 de janeiro, quando o presidente eleito Donald Trump assumir suas funções. Até o momento atual, o mistério cerca a situação — qual será sua política?

"Quanto aos EUA, não há certeza alguma. Por um lado, o presidente eleito é um político de verdadeira direita e é evidente que não apoia ideologia de Chávez. Tanto pode começar a intervir de modo mais ativo, como desprezar, fazendo com que a Venezuela resolva tudo sozinha", afirma Viktor Jeifets.

Logo após o Supremo Tribunal rechaçar a moção do parlamento, Nicolás Maduro anunciou o aumento de salários, aposentadorias e vários subsídios "tentando estabilizar a situação e acalmar o povo", diz Travkin. O futuro do país, de fato, depende de inúmeros fatores, mas já é certo que "não evidenciaremos desenvolvimento do processo venezuelano tão cedo".

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