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BRICS no divã: quais os desafios fundamentais do grupo que concentra mais de 30% do PIB mundial?

© AP Photo / Eraldo PeresDa esquerda para a direita: presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa; primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi; presidente da China, Xi Jinping; presidente da Rússia, Vladimir Putin; e presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em 14 de novembro de 2019
Da esquerda para a direita: presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa; primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi; presidente da China, Xi Jinping; presidente da Rússia, Vladimir Putin; e presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em 14 de novembro de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 16.05.2022
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Há exatos 14 anos, em 16 de maio de 2008, foi realizada a I Reunião de Ministros das Relações Exteriores do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), em Ekaterinburgo, na Rússia. De lá para cá, esse grupo, que, à época, não contava com a África do Sul, realizou vários encontros, se institucionalizou e criou mecanismos e projetos.
A Sputnik Brasil conversou com especialistas em relações internacionais na tentativa de entender quais os principais desafios, entraves e vantagens da consolidação do agrupamento de países.
De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o BRICS concentra 31,8% do Produto Interno Bruto (PIB) global atualmente. Mas como essa grande fatia se traduz nas trocas comerciais e geopolíticas entre os países?
© AP Photo / Press Information BureauDa esquerda para a direita, de cima para baixo, os líderes dos países do BRICS: o presidente russo, Vladimir Putin; o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi; o presidente chinês, Xi Jinping; o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa; e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em videoconferência no dia 9 de setembro de 2021
Da esquerda para a direita, os líderes dos países do BRICS: o presidente russo, Vladimir Putin; o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi; o presidente chinês, Xi Jinping; o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa; e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em videoconferência no dia 9 de setembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 16.05.2022
Da esquerda para a direita, de cima para baixo, os líderes dos países do BRICS: o presidente russo, Vladimir Putin; o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi; o presidente chinês, Xi Jinping; o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa; e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em videoconferência no dia 9 de setembro de 2021
Para Flavio Soares de Barros, doutor em relações internacionais e fundador da consultoria Cromabrasil, o BRICS é uma fragmentação da multipolarização.
Embora o conflito na Ucrânia e a pandemia de COVID-19 tenham dado uma atuação independente a cada país, o agrupamento tende a ser visto como uma forma de alternativa ao G7, argumenta ele.

"As principais conquistas do grupo são o Novo Banco de Desenvolvimento [NBD] e o Arranjo Contingente de Reservas [CRA, da sigla em inglês], fundo que pode ser usado em caso de necessidade de liquidez no curto prazo, ambos criados em 2014. Quanto às dificuldades que o grupo enfrenta, o pós-pandemia e o conflito na Ucrânia tornam as perspectivas nebulosas, pois os países do bloco têm sido obrigados a enfrentar questões internas, relacionadas com a retomada das cadeias de produção e os impactos inflacionários dos dois eventos. Privilegiou-se, assim, a atuação independente. Por outro lado, tanto China como Rússia poderão buscar a aceleração da atuação do grupo, que já demonstrou certa coincidência de posições em relação à não participação nas sanções propostas por Estados Unidos e União Europeia à Rússia. Essa poderia ser vista como uma forma de alternativa ao G7", indica.

© AP Photo / Eraldo PeresPresidente chinês, Xi Jinping, aplaude presidente russo, Vladimir Putin, em 14 de novembro de 2019
Presidente chinês Xi Jinping aplaude presidente russo Vladimir Putin em 14 de novembro de 2019. - Sputnik Brasil, 1920, 16.05.2022
Presidente chinês, Xi Jinping, aplaude presidente russo, Vladimir Putin, em 14 de novembro de 2019
Maria Elena Rodriguez, professora do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pesquisadora do BRICS Policy Center, concorda com o colega: a criação do banco é a principal conquista material do grupo nesse período de diálogo entre os países, com a aprovação de mais de 70 projetos, totalizando uma cifra acima de US$ 30 bilhões (R$ 151,7 bilhões).
Ela lembra que há diversos mecanismos de cooperação que foram estabelecidos, sobre variadas temáticas e com a participação de diferentes atores — caso do Conselho Empresarial do BRICS, que reúne a comunidade de empresários dos cinco países e vem realizando encontros e reuniões frequentes, além de dialogar com os governos.
Mas nem tudo são flores nas relações entre as nações do grupo.

"As dinâmicas de cooperação na área de saúde e no desenvolvimento de vacinas não receberam incentivo suficiente, apesar dos países do BRICS, separadamente, participarem ativamente da produção mundial de vacinas contra COVID-19. Nesse sentido, pode-se avaliar desafios internos e em questões específicas que acabam gerando entraves. As tensões militares e as rivalidades entre China e Índia, além do posicionamento da política externa [do governo Bolsonaro] contra a China, apresentam dificuldades na coordenação e na implementação de projetos mais amplos e coesos, demonstrando um limite das discussões na arena econômica", avalia Rodriguez.

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Reorientação geopolítica

A bússola brasileira dentro das relações com o BRICS mudou de orientação algumas vezes, segundo Barros. Até a gestão de Michel Temer (MDB) o BRICS foi considerado pelo governo brasileiro como uma forma de aumentar o protagonismo internacional do Brasil, com uma redução da importância do grupo no início do governo Bolsonaro.
Quando houve a cúpula do Brasil, em 2019, essa percepção já havia se alterado, de acordo com o especialista, pois o governo brasileiro identificou que o agrupamento seria um acesso para o país se projetar como ator político global.

"A derrota de [Donald] Trump fez com que a política externa brasileira tivesse que se reorientar, com a necessidade da projeção para além do hemisfério ocidental. O BRICS, nesse contexto, permitiria uma maior inserção brasileira na Ásia e Pacífico, como forma de expandir as parcerias do país", contextualiza o doutor em relações internacionais.

© AP Photo / Eraldo PeresPresidente russo, Vladimir Putin, fala aos demais membros do BRICS, em 14 de novembro de 2019
O presidente russo Vladimir Putin fala aos demais membros do BRICS, em 14 de novembro de 2019.  - Sputnik Brasil, 1920, 16.05.2022
Presidente russo, Vladimir Putin, fala aos demais membros do BRICS, em 14 de novembro de 2019
A professora Maria Elena Rodriguez lembra que o fortalecimento do grupo na arena internacional permite que o Brasil esteja em diálogo com grandes economias emergentes e participe mais ativamente das discussões no âmbito das instituições internacionais, influenciando demandas e agendas.

"A relação mais próxima do Brasil com a China e a Índia, por exemplo, proporciona maiores oportunidades comerciais e de investimento. Ao mesmo tempo, o próprio grupo pode ser concebido como uma ferramenta para alavancar os interesses brasileiros na agenda internacional", indicou.

Segundo ela, em um cenário de incertezas, o agrupamento tem a capacidade de propor alternativas "em meio a uma ordem que entra em colapso" e diante dos "rearranjos de poder" na geopolítica global.

"Os países chamados de emergentes precisarão 'reemergir' diante da pandemia de COVID-19 e suas crises correlatas. A capacidade de recuperação econômica dos países do BRICS em relação ao resto do mundo pode prenunciar o futuro do bloco", apontou.

Substituição do dólar

Flavio Soares de Barros diz que o BRICS tenta estimular o uso de moedas nacionais para investimentos, projetos e outras formas de cooperação. Em sua visão, embora a intenção seja cada vez mais substituir o dólar por moedas dos cinco países, o euro tem ganhado força no lugar da moeda norte-americana na maior parte das transações no grupo.

"As sanções impostas contra a Rússia, que envolveram a suspensão [de alguns bancos] do país do sistema SWIFT, de transferências internacionais, foram seguidas de rumores de que um sistema alternativo, chinês, poderia ser expandido. No entanto, até o momento, não há perspectiva de um aumento do comércio em moedas nacionais", explicou.

© Sputnik / Maksim BlinovDólar e rublo, a moeda russa
Dólar e rublo - Sputnik Brasil, 1920, 16.05.2022
Dólar e rublo, a moeda russa
Para Maria Elena Rodriguez, as transações comerciais realizadas em moedas nacionais são uma característica e uma demanda dos países do BRICS com o intuito de reduzir a dependência do dólar e diminuir a relevância da moeda norte-americana.

"O fluxo entre a Rússia e a China se destaca nesse quesito, uma vez que a utilização do rublo e do yuan já vem ocorrendo há uns anos. Além disso, diversos projetos do NBD utilizam moedas locais como meio de pagamento, principalmente em financiamentos para a China e para a África do Sul", destacou.

Posição neutra dos membros em relação ao conflito Rússia–Ucrânia

O doutor em relações internacionais afirma que em face do conflito na Ucrânia os membros do agrupamento invocaram os princípios da "soberania" e da "não intervenção" e reconheceram que a Rússia, de fato, tinha preocupações legítimas em relação à sua segurança.

"Trata-se de uma demonstração clara de ação coletiva como forma de desafio à ordem global, baseada na coesão do grupo mas também em interesses econômicos de cada um dos países do bloco. A atitude reforça o sentido da cooperação do grupo como forma de buscar maior protagonismo no cenário mundial", avaliou.

A professora da PUC-Rio, por sua vez, destaca que as eventuais divergências políticas em relação ao conflito não afetam a relação econômica entre os membros do BRICS. Segundo ela, as discussões econômico-financeiras são a prioridade do grupo.
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Argentina no BRICS?

No início de fevereiro, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez uma visita à Rússia, onde se reuniu com seu homólogo, Vladimir Putin. Além de discutir questões relacionadas ao FMI, devido à grande dívida argentina com a organização, Fernández teria sugerido ao líder russo que avaliasse a possibilidade de a Argentina aderir ao BRICS, conforme noticiou a rádio RFI. Alguns dias depois, Fernández fez a mesma sondagem a Xi Jinping, em Pequim.
Mesmo sem fazer parte do grupo, a Argentina participará da próxima cúpula do BRICS, entre os dias 20 e 24, a convite da China, atual presidente.

"Existe um antigo interesse da Argentina de ingressar no BRICS. Mas isso não indica necessariamente que a Argentina esteja perto de entrar no grupo. Outras cúpulas já tiveram participações de países que não fazem parte do BRICS, como em 2016, quando Bangladesh, Nepal, Sri Lanka e Butão estiveram presentes a convite da Índia. Em 2017, a China convidou Egito, Quênia, Tadjiquistão, México e Tailândia e lançou a proposta do 'BRICS plus', versão ampliada que serviria para a cooperação Sul–Sul", recordou a professora Maria Elena Rodriguez.

A ideia da plataforma não foi à frente, brecada sobretudo pela oposição da Índia à entrada do Paquistão e pelo receio dos demais membros de ter seu poder diluído caso o grupo se ampliasse, explicou. A intenção argentina de ingressar no agrupamento não agrada o Brasil, por exemplo, segundo os especialistas.

"A chancelaria brasileira não vê com bons olhos a entrada de nosso vizinho no grupo, pois isso evidentemente reduziria o poder do Brasil, que, enquanto membro único do continente no bloco, opera como liderança regional", apontou Barros.

© Sputnik / Sergei GuneevEm Moscou, o presidente da Argentina, Alberto Fernández (à esquerda), e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, caminham durante coletiva de imprensa, em 3 de fevereiro de 2022
Em Moscou, o presidente da Argentina, Alberto Fernández (à esquerda), e o presidente da Rússia, Vladimir Putin (à direita), caminham juntos durante coletiva de imprensa em 3 de fevereiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 16.05.2022
Em Moscou, o presidente da Argentina, Alberto Fernández (à esquerda), e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, caminham durante coletiva de imprensa, em 3 de fevereiro de 2022
Ele destaca ainda que, com eventual adesão de outros países, surgirá a possibilidade de ingresso de integrantes de outros continentes, "diluindo ainda mais a fatia de poder brasileiro". Por isso ele considera "pouco provável" um sucesso argentino em entrar para o grupo.

"O presidente Bolsonaro tem manifestado em diversas ocasiões que não concordaria com seu ingresso ao grupo", apontou Rodriguez.

Futuro do bloco com Bolsonaro ou Lula

As eleições de outubro não só definirão os rumos da política nacional como projetarão as relações exteriores brasileiras para os próximos quatro anos. Para Barros, um segundo governo do presidente Jair Bolsonaro "parece mais propenso a manter o relacionamento vacilante com o BRICS, ora se aproximando, ora se afastando". Nesse cenário, ele não crê em um aprofundamento das iniciativas brasileiras em relação ao agrupamento.
Já no caso de uma vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, o especialista avalia ser possível um esforço maior do Brasil para expandir a cooperação, "tendo em vista a importância dada à chamada cooperação Sul–Sul e ao multilateralismo nos governos do Partido dos Trabalhadores [PT]".

"Nos dois casos, no entanto, é preciso levar em conta os interesses chineses e russos. O momento atual torna difícil avaliar quais serão os impactos da crise econômica, da pandemia e do conflito [ucraniano] nas ações de curto e médio prazo desses países", disse Barros.

© AP Photo / Eraldo PeresO presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, conversam em cúpula do BRICS, em 14 de novembro de 2019
O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, conversam em cúpula do BRICS, em 14 de novembro de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 16.05.2022
O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, conversam em cúpula do BRICS, em 14 de novembro de 2019
Rodriguez lembra que Bolsonaro e Lula convergem quando o assunto é o conflito entre Rússia e Ucrânia, já que ambos discordam das tentativas ocidentais de isolar a Rússia. Por um lado, segundo ela, se Bolsonaro for reeleito, o peso do BRICS na política externa brasileira "continuará sendo pequeno". Ela afirma que as iniciativas devem ser mantidas, mas "sem esforços consideráveis".
Em sua visão, com Lula a plataforma terá um peso maior nas decisões de política externa, "uma vez que a parceria estratégica do Brasil com as potências emergentes foi e continua sendo uma pauta relevante" para o ex-presidente.

"O BRICS ganhou relevância enquanto Lula era presidente. Foi uma das pautas mais importantes de seu governo. Talvez essa seria a possibilidade de o Brasil retomar protagonismo na esfera internacional", afirmou.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa de evento de lançamento de sua pré-candidatura à presidência na chapa ao lado do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB), em São Paulo, 7 de maio de 2022. - Sputnik Brasil, 1920, 07.05.2022
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