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Brasil na OCDE: entenda benefícios e riscos do ingresso, impactos no BRICS e o peso nas eleições

© AFP 2023 / Patrick SemanskyO secretário de Estado Antony Blinken (à esquerda) se encontra com o ministro das Relações Exteriores italiano Luigi Di Maio (à direita) em reunião da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, em 6 de outubro de 2021
O secretário de Estado Antony Blinken (à esquerda) se encontra com o ministro das Relações Exteriores italiano Luigi Di Maio (à direita) em reunião da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, em 6 de outubro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 27.01.2022
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A Sputnik Brasil conversou com especialistas em política internacional para explicar as principais dúvidas que rondam o convite para o país aderir ao bloco comandado por nações desenvolvidas, como EUA, Alemanha e França.
O governo Bolsonaro comemorou como um triunfo da política externa o convite da OCDE para o Brasil ingressar no bloco. Se na teoria parece um bom negócio entrar para o "clube dos ricos" - como é conhecida a organização -, na prática a adesão pode criar amarras econômicas em um país ainda emergente como o Brasil.
Especialistas consultados pela Sputnik Brasil detalham as eventuais vantagens de fazer parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, mas alertam para os riscos de cumprir exigências dos países-membros.
O Brasil sonhou com o acesso à OCDE pela primeira vez durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), mas os petistas Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) reformularam estratégias de política externa e o tema foi para o final da fila.
Foi o ex-presidente Michel Temer (2016-2018) quem reativou as intenções de negociar a entrada ao bloco. Em abril de 2017, Brasília formalizou o pedido de adesão ao órgão. Jair Bolsonaro, por sua vez, deu prosseguimento à iniciativa e acelerou a adequação do país às normas impostas pela OCDE.
Até o momento, o Brasil aderiu a 103 dos 251 instrumentos normativos da organização, sendo 37 apenas na gestão Bolsonaro.

"Mais de um terço dos requisitos legais foram atendidos por esse governo. Isso é expressivo", celebrou o ministro da Economia, Paulo Guedes, em coletiva, na última terça-feira (25), ao lado do chanceler Carlos Alberto França e de Ciro Nogueira, que comanda a Casa Civil, após o anúncio da OCDE.

© REUTERS / Adriano MachadoO chanceler brasileiro Carlos França, o chefe da Casa Civil Ciro Nogueira e o ministro da Economia Paulo Guedes celebram o convite da OCDE para o Brasil ingressar no bloco. Eles falaram com a imprensa após o anúncio, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 25 de janeiro de 2022
O chanceler brasileiro Carlos França, o chefe da Casa Civil Ciro Nogueira e o ministro da Economia Paulo Guedes celebram o convite da OCDE para o Brasil ingressar no bloco. Eles falaram com a imprensa após o anúncio, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 25 de janeiro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 27.01.2022
O chanceler brasileiro Carlos França, o chefe da Casa Civil Ciro Nogueira e o ministro da Economia Paulo Guedes celebram o convite da OCDE para o Brasil ingressar no bloco. Eles falaram com a imprensa após o anúncio, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 25 de janeiro de 2022
Porém, para de fato ingressar na organização, o país ainda precisa se ajustar às demais condições. Por isso, ainda há um longo processo de negociação pela frente, que pode durar de dois a cinco anos, segundo analistas.
O professor Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, especialista em relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), questiona os méritos do governo Bolsonaro na sinalização da OCDE ao Brasil.
Em sua opinião, o bloco protelou o pedido do Brasil justamente por divergências com o atual presidente, estendendo o tapete ao Brasil para negociações apenas em um ano eleitoral.

"Me parece que a OCDE esperou estrategicamente o começo do último ano do governo Bolsonaro para que essas conversas avancem. Não tenho dúvidas de que, nos bastidores, eles esperam que Bolsonaro não conquiste um segundo mandato", avaliou Vieira.

Segundo o especialista, abrir negociações com Bolsonaro com chances de um segundo mandato seria "legitimar ações do atual governo, principalmente na questão ambiental", uma pauta cara à OCDE.
Atualmente, a organização internacional possui 38 países-membros. Fundada em 1961, como desdobramento da Organização para Cooperação Econômica Europeia, que existia desde 1948, a OCDE tem o objetivo de permitir que as nações estabeleçam e coordenem políticas econômicas entre si.
O órgão recebeu o apelido de "clube dos ricos" por reunir as maiores economias mundiais, como EUA, França, Alemanha, Reino Unido, Japão e Canadá.
Além do Brasil, outros cinco países foram convidados a ascender à organização agora: Argentina, Peru, Romênia, Bulgária e Croácia.
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Robson Valdez, pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (UnB), diz que vê "com muita cautela" o convite. Para ele, o ingresso no bloco pode reduzir a margem de ação do Brasil no cenário internacional.
O especialista explica que a adesão contribuiria para a entrada de investimento estrangeiro no país. Porém, ele diz que, mesmo não sendo membro, o Brasil sempre conseguiu ser "polo atrator de investimentos pelo vasto mercado doméstico".
"Tenho como paralelo a reforma trabalhista. Quando foi colocada em discussão, se dizia que traria um ambiente de confiança de novos negócios e empregos, e temos visto o que tem acontecido empiricamente", afirmou Valdez.
A taxa de desemprego no país, que era de 11,8% em outubro de 2016, sempre se manteve na casa dos dois dígitos desde então, batendo 12,1%, em outubro de 2021, na última divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A reforma trabalhista foi sancionada em 13 de julho de 2017.

"A China não é membro da OCDE e é um dos países que mais recebem investimentos estrangeiros no mundo", lembrou.

O pesquisador afirma que "há uma tentativa da OCDE de enquadrar os países-membros" com relação às políticas econômicas. Ele aponta que as nações desenvolvidas estipulam taxas de juros para bancos de fomento - como o BNDES no Brasil -, limitando incentivos às exportações dos produtos nacionais.

"Em que pese a necessidade de se adotar políticas de combate à corrupção, de proteção ao meio ambiente, de estímulo a novos negócios e de facilitação de abertura de novas empresas no país, isto pode ser feito sem a adesão à OCDE, que imporia ao Brasil uma série de restrições", avaliou Valdez.

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Impacto sobre BRICS e outros blocos

Se tiver sua adesão aprovada, o Brasil se tornará o único país a estar presente em três blocos: o G20 (grupo que reúne as principais economias globais), o BRICS (bloco entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a própria OCDE.
Embora o BRICS tenha pautas distintas da OCDE, os especialistas minimizam possíveis interferências nas relações simplesmente pelo ingresso brasileiro ao órgão ocidental.
Valdez, da UnB, não enxerga problemas também para a continuidade das negociações do acordo do Mercosul com a União Europeia.

"Não implicaria em dificuldades de outros acordos como o Mercosul-UE. No caso do BRICS, teoricamente, também não haveria problema", disse o pesquisador. "Não dificultaria, mas causaria estranheza ao que diz respeito ao BRICS, que tem uma agenda internacional que, muitas vezes, se choca com interesses dos EUA e do Ocidente como um todo", completou.

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Já Vieira, da FAAP, avalia que a China poderia, eventualmente, no longo prazo, "punir" o Brasil pela aproximação. Porém, ele destaca que o país asiático põe o pragmatismo acima de tudo.
O especialista acredita que o Brasil pode vir a perder força informal dentro do BRICS, mas menos pela adesão à OCDE e mais devido a embates diplomáticos protagonizados recentemente pelo Itamaraty e pelo presidente Jair Bolsonaro.
Contudo, ele considera que o país poderá entrar em "mais saias justas" na politica internacional.
"Na OCDE, o Brasil terá muito mais dificuldades em se alinhar com a Rússia em uma questão como a que ocorre na Ucrânia", apontou.
Por outro lado, a professora Isabela Gama, especialista em teoria das relações internacionais e em segurança, além de pesquisadora pós-doutoranda da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), avalia que uma "liberalização radical" da economia poderá provocar conflitos dentro do BRICS, principalmente com a China.
Ela prevê que, com a adesão à OCDE, o Brasil deverá priorizar negociações com o "bloco rico", em detrimento dos países emergentes.

"Dentro de alguns anos, caso sejamos aceitos pela OCDE, acredito que teremos impactos, e não creio que serão positivos dentro do Mercosul ou do BRICS", projetou.

Gama questiona ainda se os benefícios de aderir à OCDE vão compensar as medidas econômicas exigidas pelo bloco, em um país "empobrecido e desigual" como o Brasil.
Ela sugere que dar mais atenção às relações com economias do "Sul global", como Rússia e China, entre outros emergentes, aumentaria o potencial do Brasil de construir suas próprias normas, "em vez de simplesmente aderir à OCDE e se subordinar ao Norte Ocidental e a países ricos".
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Peso nas eleições

Para Vinícius Vieira, da FAAP, o convite da OCDE pode ajudar Bolsonaro a recuperar apoio das "elites econômicas" para um maior suporte em um eventual segundo turno contra o ex-presidente Lula.

"Entrar no mercado pode ajudar a animar e a dar sinal de credibilidade. Mas o mercado é muito imediatista, e os indicadores são muito negativos sob Bolsonaro, com inflação alta, dívida pública caindo, mas às custas da inflação, e aumento dos gastos públicos", disse.

Porém, o especialista não vê o anúncio gerando efeitos positivos no grande público por não impactar "diretamente o bolso da população".

"O grande público não sabe ao certo o que é a OCDE. No dia a dia, quem não tem o que comer não vai acreditar no que o presidente disse em uma live ou na propaganda", afirmou.

Já Valdez, da UnB, avalia que "a classe política e as elites econômicas têm um fetiche pelo Ocidente, em fazer parte do 'clube dos ricos'".
Assim, ele entende que o presidente pode ampliar seu arco de apoio entre empresários e o grupo político liberal, que vê a negociação com a OCDE com bons olhos.

"Acredito que ele usará o convite como um fator positivo no sentido de que o país estaria 'caminhando para um futuro brilhante em que a economia vai prosperar'", disse o especialista.

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Bolsonaro x Lula na OCDE

Como a adesão brasileira só ocorrerá em no mínimo dois anos, o candidato eleito em 2022 poderá ser o primeiro presidente com o país na OCDE.
Neste momento, Lula lidera todas as pesquisas de intenções de voto e desponta como favorito para assumir o Palácio do Planalto a partir do ano que vem. Bolsonaro, segundo colocado com boa margem para os demais concorrentes, tentará reverter o quadro nos próximos meses, com a máquina do governo em mãos.

"Em um eventual segundo mandato, Bolsonaro procuraria se aproximar da OCDE por uma questão de sobrevivência. O mundo rico ainda tem grandes fundos de investimentos, necessários para alavancar nossa economia", avaliou o professor Vinícius Vieira.

Quanto a Lula, devido a seus acenos ao centro, o especialista em relações internacionais acredita que o petista alteraria algumas estratégias de política externa.
Ele prevê uma política menos Sul-Sul (entre emergentes) e mais clássica, com o Brasil buscando reforçar laços com o Norte sem deixar de se relacionar com polos de poder do Sul.
"Não que o Lula tenha brigado com o Norte global, mas claramente ele privilegiou o Sul nos seus mandatos. Agora, por puro pragmatismo, não será assim. Ele sabe que precisa reconquistar o papel do país no mundo", explicou.
© Folhapress / Bruno SantosO ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 22 de dezembro de 2021
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 22 de dezembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 27.01.2022
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 22 de dezembro de 2021
Já Isabela Gama aponta que a principal diferença entre eventuais governos seria a "subordinação total" de Bolsonaro à OCDE e a "cautela" de Lula.
Para ela, o atual presidente vê a adesão como extremamente positiva ao Brasil, enquanto Lula buscaria posicionamentos mais equilibrados.
Robson Valdez, pesquisador da UnB, concorda quanto à postura de "submissão" de Bolsonaro em um segundo mandato. Para ele, aderir à OCDE "é se submeter aos pré-requisitos" do bloco.
Com Lula, o especialista avalia que o governo esticaria a corda para postergar o processo de adesão.

"Existe uma máxima na diplomacia de que é preciso protelar o que for protelável. Não acredito que a adesão seria prioritária na eventualidade de um governo do PT", afirmou Valdez.

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