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Conservadores dos EUA podem abolir completamente a pena de morte no país?

© AFP 2023 / Caroline GroussainSala de execução da "casa da morte" em Ohio
Sala de execução da casa da morte em Ohio - Sputnik Brasil, 1920, 10.11.2021
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A Sputnik Brasil conversou com Luiz Antonio Bogo Chies, professor e doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para compreender a pena de morte nos EUA e no mundo em pleno século XXI.
O relatório da Anistia Internacional assinala a queda global da aplicação da pena capital em 2020, contudo, há quatro Estados que, sozinhos, são responsáveis por mais de 80% dessas condenações do mundo.
Durante 2020, o Irã, Egito, Iraque e Arábia Saudita foram responsáveis por 88% do total de 483 execuções contabilizadas nos 18 países do mundo que aplicaram a pena capital.
Neste cenário, os conservadores norte-americanos querem abolir essa sentença nos EUA, o que representa uma mudança na posição histórica do Partido Republicano, que costuma ser conservador e tradicionalmente a favor da pena de morte.
Para o professor Luiz Antonio Bogo Chies, a pena de morte era coerente no chamado "antigo regime", ou seja, nas sociedades mobilizadas pelo princípio dinástico, pelas monarquias pré-Revolução Francesa antes da independência americana. Contudo, em uma sociedade moderna a pena de morte "perde completamente suas condições de postular uma legitimidade no sentido sociológico do termo" e, consequentemente, é um "atraso, um sinal de não civilização".

EUA não combinam com lista de países que aplicam a pena de morte

Os EUA, sendo um país "desenvolvido", não combinam com a lista de países que aplicam a pena de morte, que conta com a China, o Irã, o Egito, o Iraque e a Arábia Saudita.
De acordo com Luiz Antonio Bogo Chies, alguns desses países da lista são países que, apesar de estarem inseridos em uma sociedade moderna, ainda possuem uma "marca muito religiosa dentro de suas constituições normativas", o que ajudaria a compreender a pena de morte.
Contudo, o professor ressalta que na China e nos EUA a pena de morte é um "ato de reforço do poder soberano", reagindo e reafirmando o seu poder sobre o indivíduo.
"Então, com certeza, em países nos quais uma autoridade, um autoritarismo, é mais intenso, há uma centralização do poder em uma figura de dominação [...] nós teremos vislumbro para entender a permanência da pena de morte [...]", explicou.

População dos EUA favorável à pena de morte

Pesquisas recentes mostram que a população norte-americana mostra grande apoio à pena capital.
"Nós podemos pensar que a sociedade americana, principalmente na divisão dos estados sulistas, que são mais conservadores [...] tem um traço muito racializado [...] uma sociedade significativamente escravocrata", ressalta Luiz Antonio Bogo Chies.
Com isso, o professor ressalta que o racismo e o poder escravocrata permanecem incorporados em grande parte da população e são evidenciados a partir da sensibilidade demonstrada nas pesquisas a favor da pena capital.
De acordo com o professor, a pena de morte é tão desadequada ao Estado civilizado e democrático que representa um atraso, e para ser executada nos EUA é preciso ter todo um procedimento para criar uma moral, demonstrando que todas as garantias foram efetivadas para não se tornar inaceitável.

Pandemia, redução da pena de morte e debate na sociedade

Questionado sobre a possibilidade de a aplicação da pena de morte estar ligada à redução de crimes devido à pandemia, o professor afirmou que ainda é cedo para fazer este tipo de análises.
De acordo com o professor, para os países latino-americanos a pandemia pode, a médio prazo, ter repercussões degradantes das sociabilidades, "dada a precarização a nível da miserabilidade" em que parte das populações latino-americanas foi lançada, "no caso brasileiro por uma enorme falta de capacidade, ou até má vontade de gestão pública por parte do governo federal".
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Tratando-se de um assunto pouco debatido, o professor afirma que grande parte dos debates sobre o assunto é feita de maneira passionalizada, e com isso não se consegue fazer uma reflexividade necessária para se posicionar de maneira "socialmente saudável", não conseguindo avançar de maneira mais qualitativa.
"Nós sabemos que se temos uma sensibilidade, uma percepção muito passionalizada desses assuntos, muitas vezes os próprios políticos, enquanto candidatos, também prestam um grande desserviço ao amadurecimento dessas discussões, porque eles buscam se capitalizar em termos de votos a partir do incentivo de uma discussão passional", explicou.

EUA podem abolir completamente a pena de morte?

Sobre a possibilidade de os EUA abolirem completamente a pena de morte, Luiz Antonio Bogo Chies diz acreditar que levará muito tempo para que isso ocorra, pois há movimentos que remetem as pessoas a essas "dimensões passionais", através dos sentimentos de medo, de ameaça, de instabilidade, que é "terra fértil para os chamados processos descivilizatórios".
Contudo, o professor acredita que um democrata como Joe Biden tenha capacidade de pautar o assunto em sua totalidade.
"Os EUA são um caso diferenciado dada a significativa autonomia que os estados têm em uma série de campos da legislação que, por exemplo, no Brasil nós não teríamos, como o próprio fato de os estados poderem ter essas dimensões dos sistemas de penalidades diferentes", ressaltou.
O professor também explica que algumas modificações nas questões punitivas estão demarcadas, não necessariamente por uma mudança de concepção civilizacional mais densa, mas sim pela compreensão dos custos que a manutenção destas modalidades de sancionamento representam para os cofres públicos.
"Um destes casos foi a questão da privatização penitenciária. Os EUA foram um grande promotor, em diferentes estados, de um avanço da chamada privatização de prisões em algumas modalidades [...]", explicou.
U.S. President Joe Biden reacts as he delivers remarks after late-night passage of a $1 trillion infrastructure bill to repair the nation's airports, roads and bridges, at the White House in Washington, D.C., U.S. November 6, 2021. - Sputnik Brasil, 1920, 07.11.2021
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Segundo o professor, os EUA não estão "reformulando" por uma questão de estarem repensando a sua estrutura social, mas por uma questão econômica.
"Muitas vezes se vê, como recentemente, o quanto a figura do custo econômico talvez esteja balizando mais a mudança de opinião do legislador do que propriamente uma reforma ou uma ruptura no modelo primitivo, que é segregador, seletivo, de eliminação da vida humana", declarou.
Para o professor, a pena de morte é algo que deve ser muito pensado e refletido nesta "ilusão civilizacional" que não corresponde à realidade.
"Na realidade brasileira, [o tema] também deve ser pensado não só porque nós somos, com significativa frequência, estimulados a apoiar o retorno da pena de morte na nossa legislação, principalmente pela quantidade de mortes que já acontecem no nosso sistema prisional [...]", enfatizou.
Para concluir, o professor citou que o Superior Tribunal Federal declarou que o sistema prisional do Brasil vive em um estado de coisa inconstitucional.
"Cada vez que uma pessoa é colocada na prisão no Brasil, o Estado está admitindo que esta pessoa esteja sendo exposta ao risco de morrer [...] No Brasil as prisões matam, e essas mortes parecem pouco importar [...]", concluiu.
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