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Revés eleitoral do governo Fernández expõe 'trumpismo e bolsonarismo' na Argentina?

© AFP 2023 / Esteban CollazoPresidente da Argentina Alberto Fernández e a vice, Cristina Kirchner
Presidente da Argentina Alberto Fernández e a vice, Cristina Kirchner - Sputnik Brasil, 1920, 17.09.2021
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A Sputnik Brasil conversou com a professora titular de política internacional e política internacional latino-americana na Universidade Nacional de Rosário Anabella Busso para saber quais as perspectivas que o país vive após o revés eleitoral do governo do presidente Alberto Fernández.
No domingo (12), nas primárias para eleger candidatos para as legislaturas de meio de mandato, a coalizão governista Frente de Todos obteve menos de 31% dos votos em todo o país, enquanto a coalizão de centro-direita Juntos, do ex-presidente Mauricio Macri, obteve 40% dos votos em nível nacional, levando cinco pontos de vantagem sobre o partido no poder na província da capital Buenos Aires. Apesar da esperada cocentração de votos à direita na coalizão macrista, uma das grandes surpresas foi a quantidade de votos do libertário Javier Milei, economista e pré-candidato a deputado nacional na capital federal pelo partido Avanza Libertad.
O revés faz com que o atual governo tema perder sua maioria no Senado, impossibilitando sua consolidação na Câmara dos Deputados. No dia 14 de novembro ocorrerão eleições para uma renovação parcial do Congresso.
Anabella Busso, professora titular de política internacional e política internacional latino-americana na Universidade Nacional de Rosário e pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, afirmou à Sputnik que os resultados das primárias fazem com que haja diversos fatos importantes a serem analisados.
Os resultados mostram uma sociedade dividida, um fenômeno que na Argentina é conhecido como "La Grieta" e que já existe há muito tempo no país, o que de certa maneira também reflete uma tradição histórica, mostrando que há pelo menos dois modelos de país na Argentina.
"Cada parte da sociedade apoia um modelo. Isso voltou a se repetir nessas eleições primárias. Porém, essas eleições também mostram que o país ficou economicamente muito deteriorado após o governo de Mauricio Macri, não conseguiu melhorar suas condições, já que o governo de Alberto Fernández, que tem políticas distintas economicamente das de Macri, assumiu, governou três meses e, pouco depois, chegou a pandemia da COVID-19", explicou.
Com isso, o país, que já estava em uma situação ruim para enfrentar a pandemia, decidiu priorizar a saúde, não sendo possível realizar uma série de melhorias econômicas que a sociedade argentina precisa.
"Essa situação pode ser evidenciada em espaços políticos distintos. Alguns votaram nas primárias pela mudança, enquanto que outros – em partidos de esquerda tradicionais. Uma porcentagem significativa da população não votou", afirmou a especialista.

Libertários ganham força neste cenário?

O movimento de direita ultraliberal parece estar ganhando força neste cenário, e se define como "libertário".
O movimento de extrema direita, também chamado de "direita da direita" ou "direita alternativa", que está representado na Argentina pelo Partido Libertário, é um fenômeno que cresceu no último ano e que encontrou uma quantidade de votos na cidade de Buenos Aires, observou Anabella Busso.
De acordo com a especialista, o fenômeno não está presente em todo o país, mas está concentrado principalmente na capital argentina.
"Este fenômeno tem características similares aos processos de direita alternativa e direita da direita que estão presentes em outros países", explicou.
"Os libertários invocam uma liberdade absoluta dos indivíduos, chegando a praticamente uma situação um tanto anárquica", declarou Anabella Busso, observando que isso estaria captando parte dos votos da juventude, que foi afetada pela pandemia.
"Os jovens, que em muitos casos deixaram de sair, perdem a confiança na política e não querem ter nenhum tipo de controle", observou.

Reação da oposição liderada pelos partidários de Cristina Kirchner

Falando sobre a reação da oposição, liderada pelos apoiadores de Cristina Kirchner, a especialista apontou que, em linhas gerais, os partidários estão reagindo com preocupação com relação a este fenômeno.
Segundo Anabella Busso, o que mais os deixa inquietos é a rejeição que estas correntes libertárias têm em relação ao papel do Estado, a descrença política, as posições negacionistas frente à pandemia, a rejeição a qualquer tipo de política social.
"Eu diria que o que mais preocupa a ala partidária de Cristina Kirchner, que tem uma ambição de compromissos sociais, com a saúde pública, economia e educação pública, é que [este ideal libertário] se consolide nos setores mais jovens do país, o sentimento de forte descrença na política como instrumento que permite resolver os problemas sociais na Argentina, como em qualquer outra parte do mundo", explicou.

Por que os jovens se identificam com os libertários?

Os libertários procuram mostrar um perfil mais moderno e, segundo a especialista, na Argentina eles têm um perfil muito agressivo, transgressor, crítico da classe política, além de um discurso anti-Estado.
Anabella Busso também faz questão de ressaltar que há mais de um ano, em uma campanha eleitoral, os libertários anunciaram atividades que propuseram atos extremamente agressivos, afirmando que o Banco Central da Argentina deveria ser atacado e demolido.
Contudo, Anabella Busso declara que, devido às limitações impostas pelas normas estabelecidas pelo Estado, muitos setores jovens se identificam com o movimento.
"O que chama a atenção é que em um dos setores que mais acompanham o movimento libertário é o dos jovens que desacreditam da política", afirmou.

Ascensão dos libertários pode afetar a Argentina?

Os libertários, liderados por Javier Milei, um economista, defenderiam um suposto desaparecimento do papel do Estado e, de acordo com Anabella Busso, os libertários recorrem a instrumentos como as redes sociais, a exacerbação do discurso, utilização de memes como mecanismo de difusão de suas ideias.
"Obviamente é preocupante, no meu ponto de vista, porque a Argentina passa por uma situação muito crítica e é impossível sair dessa situação sem um papel importante do Estado", destacou.
Segundo Anabella Busso, neste caso o governo teria que lidar com a crise econômica, crise pandêmica, todos os problemas do governo anterior, e sem o Estado é uma situação praticamente impossível.

Semelhanças com trumpismo nos EUA e bolsonarismo no Brasil

Comentando sobre as semelhanças com seus congêneres, como trumpismo nos EUA, bolsonarismo no Brasil ou o Vox na Espanha, a especialista afirma que as distintas manifestações da direita na Argentina vão além dos libertários, que são uma expressão extrema.
"No caso de os evangélicos não serem tão importantes, como foi o caso do Brasil ou nos EUA, há de levar em conta também que [na Argentina] outros partidos políticos que constroem alianças com essas expressões libertárias, que são partidos religiosos que possuem uma postura contra o aborto, por exemplo, e também aparecem outros partidos que não criticam suficientemente o que foi a ditadura militar na Argentina", ressaltou.
"Podemos dizer que aqui estas alianças com militares ou religiosos não são vinculadas [...] Mas há o discurso religioso, conservador, que é expressado através de outros partidos de extrema direita. Neste contexto, podemos dizer que surgem algumas semelhanças com o trumpismo e com o bolsonarismo", destacou.

Influência do governo Bolsonaro na Argentina

As relações entre Brasil e Argentina, com suas importantes representações democráticas na América Latina, têm sido muito afetadas pela postura do governo Bolsonaro contrária ao governo de Alberto Fernández.
Para Anabella Busso, a Argentina e seu governo obviamente se preocupam com a existência destas direitas alternativas, que não se aplicam apenas a nível nacional, mas também nas políticas externas.
"Bolsonaro e seus filhos estão emitindo discursos, tweets, imagens no Instagram, de maneira permanente contra o governo argentino, e isso realmente é muito preocupante", enfatizou.
Segundo ela, para a Argentina o Brasil não é apenas o principal país da América do Sul, mas seu aliado comercial mais importante.
"[A relação] é muito valiosa para a Argentina, e está absolutamente paralisada. Sendo assim, eu insisto, esta é uma situação muito preocupante", concluiu.
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