Polícia portuguesa prende autor de assassinato de brasileiro em Lisboa, mas Justiça liberta; entenda

© REUTERS / VIOLETA SANTOS MOURAPoliciais portugueses em ação
Policiais portugueses em ação  - Sputnik Brasil, 1920, 16.07.2021
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A Polícia Judiciária de Portugal prendeu um homem de 23 anos, acusado de matar o brasileiro Luiz Henrique Froede, de 22, com dois tiros, na madrugada de quinta-feira (7), em Lisboa. Apesar de a polícia identificá-lo como homicida, a Justiça o libertou. Especialistas explicam por que à Sputnik Brasil.

O crime aconteceu no bairro de Alfama, um dos mais tradicionais e turísticos de Lisboa. De acordo com a Polícia Judiciária (PJ), o autor e a vítima tinham um desentendimento já há algum tempo. No dia dos fatos, o criminoso encontrava-se em casa quando foi surpreendido pela presença de Froede. 

Segundo uma nota divulgada pela PJ, intitulada "Detenção de homicida", após uma intensa discussão, o autor, empunhando uma arma de fogo, desferiu dois disparos na direção da vítima que a atingiram na cabeça e na região torácica. Na sequência, o criminoso fugiu, abandonando a vítima no interior de sua casa. 

"Encetadas diligências urgentes de investigação, foi possível proceder à identificação cabal, localização e detenção do autor, ainda no próprio dia 7 de julho, bem como, realizar a apreensão da arma de fogo utilizada na prática dos factos ilícitos", lê-se na nota.

A imprensa portuguesa chegou a noticiar que o corpo de Froede havia sido abandonado na rua. No entanto, vizinhos registraram que outros brasileiros o socorreram. A versão da PJ confirma o socorro ao informar que a vítima foi conduzida ao Hospital São José, em Lisboa, onde permaneceu internada até o dia do seu falecimento, no último sábado (10). 

© Foto / Reprodução/FacebookO mineiro Luiz Henrique Froede, assassinado em Lisboa
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O mineiro Luiz Henrique Froede, assassinado em Lisboa

Jornais portugueses também chegaram a publicar que amigos de Froede teriam perseguido o autor do crime, que disparou outras três vezes para afastá-los. No entanto, a PJ não confirmou essas informações. Sputnik Brasil questionou a polícia a respeito da nacionalidade do criminoso, mas não houve resposta. 

"O arguido entretanto detido foi presente a primeiro interrogatório judicial, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de obrigação de apresentações bissemanais", lê-se em outro trecho da nota da PJ.

Mineiro de Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha, Froede morava em Portugal desde 2019. Nas redes sociais, amigos fizeram comentários com um misto de tristeza e saudade, mas também raiva e revolta com o crime e com versões publicadas na pela imprensa. Ana Luiza Nunes, que mora na cidade natal de Froede, foi uma das únicas a falar com Sputnik Brasil. 

"Luiz deixou um filho maravilhoso para trás, sua mini cópia, que se orgulha muito do pai. Eu fui uma das pessoas que conheceu o Luiz de verdade, eu sei o homem/pai/amigo que ele era. E ninguém, nenhuma dessas notícias falsas que estão sendo espalhadas por aí, vai entrar na nossa mente. A gente que conheceu e conviveu com ele sabe, e eu irei defendê-lo até o meu último dia de vida", disse Ana Luiza. 

Criminalista explica condições para prisão preventiva

Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil explicam por que o homem, identificado pela PJ como homicida, foi libertado pela Justiça de Portugal. De acordo com Ricardo Serrano Vieira, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Portugal, para que exista a prisão preventiva tem que estar prevista na moldura do Código Penal, para o crime, uma pena superior a cinco anos. 

© Foto / DivulgaçãoO criminalista Ricardo Serrano Vieira, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Portugal e associado da JALP
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O criminalista Ricardo Serrano Vieira, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Portugal e associado da JALP

Contudo, o criminalista explica que isso, por si só, não basta. Também é necessário que seja demonstrado um dos três perigos: de fuga, de continuação da atividade criminosa ou de perturbação do inquérito. Ele diz que o perigo de continuação da atividade criminosa é mais recorrente naqueles casos em que há uma atividade criminal constante, como tráfico de drogas, branqueamento de capitais (lavagem de dinheiro) ou burlas. 

"Nos chamados crimes de sangue, isso não é tão recorrente, porque o fato é muito objetivo, claro, foi aquele episódio. Embora, em teoria, a pessoa possa praticar outros atos daquele tipo, a verdade é que normalmente esse tipo de circunstância está circunscrito àquelas duas pessoas. Tem a ver com a natureza do crime que está a ser avaliado", justifica Vieira.

Falando sempre de forma genérica, pois não conhece detalhes do caso em análise, o especialista acrescenta que, na maioria dos tribunais, quando há um cidadão interrogado com um passaporte com bastantes entradas e saídas de Portugal ou com família em outro país, pode ser um fator determinante para a prisão preventiva devido ao perigo de fuga.

Quanto à perturbação do inquérito, ele exemplifica com situações em que o acusado persegue as testemunhas a fim de coagi-las a não depor. Já em relação à tipificação do crime, Vieira diz que o Código Penal Português estabelece que o homicídio simples tem uma pena de prisão de oito a 16 anos; o homicídio agravado, de 13 a 20; e o homicídio qualificado, de 16 a 25. 

"Uma hipótese é de que [o crime] foi apresentado como um homicídio simples, mas, por alguma razão, a PJ e o Ministério Público não conseguiram reunir provas sobre todos os fatos e a intenção daquela pessoa ter praticado aqueles fatos. Como tal, o tribunal entende que a medida de coação de apresentações poderá ser suficiente para eliminar os perigos", aventa.

Outra possibilidade, ele aponta, ainda que mais remota, é a de um homicídio por negligência (o equivalente no Brasil ao culposo, sem dolo), que tem uma pena de até cinco anos. Membro da Comissão de Penal e Processo Penal da Associação Internacional de Jovens Advogados de Língua Portuguesa, Vieira cita outras medidas restritivas possíveis para além da prisão preventiva, como a obrigação de permanência na habitação (prisão domiciliar) com tornozeleira eletrônica.

"Quando o juiz determina a medida de coação, ela tem a ver com um aspecto momentâneo. Pode ser mudada, para mais ou para menos, se o procurador não concordar, por exemplo. Imagine que ele pediu prisão preventiva, e o juiz achou que deveria ser só apresentações. O procurador pode recorrer da decisão. E se o Tribunal da Relação de Lisboa, de 2º grau, entender que aquela medida não é suficiente, pode revogar e entrar com uma mais gravosa, até a prisão preventiva", complementa.

'Pode ter havido presunção de flagrante delito', diz professora 

Em entrevista à Sputnik Brasil, Margarida Santos, professora da Escola de Direito da Universidade do Minho, ressalta que, nos termos do artigo 254 do Código de Processo Penal, o detido tem que ser apresentado a um juiz para o primeiro interrogatório judicial perante o juiz no prazo de 48 horas após a detenção. 

© Foto / Divulgação/UMinhoMargarida Santos, professora da Escola de Direito da Universidade do Minho
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Margarida Santos, professora da Escola de Direito da Universidade do Minho

Falando em caráter abstrato e hipotético por não conhecer detalhes do caso, a professora portuguesa, que também é membro emérito do Conselho de Criminologia e de Política Criminal da Casa Civil de Belo Horizonte, chama atenção para o fato de a PJ ter informado que a detenção ocorreu em virtude de existirem fortes indícios da prática de um crime de homicídio, com recurso a arma de fogo.

"A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só se aplicam em último recurso, se as outras medidas fossem insuficientes. O juiz entendeu que face a um desses perigos [fuga, continuação de atividade criminosa ou perturbação do inquérito] as apresentações periódicas seriam suficientes. Pode ter havido uma presunção de flagrante delito, porque ele se colocou em fuga, o que dá fortes indícios para medidas mais graves", aponta Margarida.

Doutora em Ciências Jurídicas, ela diz que, em casos similares ao do assassinato de Froede, o Código de Processo Penal prevê um prazo de oito meses para o inquérito, podendo ser prorrogado até o máximo de 18 meses, em caráter excepcional, dependendo da complexidade e do número de arguidos.  

Findo o inquérito, o Ministério Público decide se vai levar o caso a julgamento ou arquivá-lo. A seguir, pode vir a fase de instrução, se houver requerimento por alguma das partes envolvidas pelo acréscimo de provas, por exemplo. Caso não seja requerida a fase instrutória, procede-se direto ao julgamento.

"Se seguir o processo comum, em regra, teremos a fase de julgamento e recurso da decisão condenatória, se for o caso. No julgamento, se o juiz decidir aplicar a pena de prisão, ela só será executada com trânsito em julgado. Não vai ser cumprida de imediato, havendo um prazo de 30 dias para recorrer. Se houver recurso ao Tribunal de Relação de Lisboa, há efeito suspensivo. Ainda se pode recorrer ao Supremo, mas essa possibilidade está cada vez mais restrita", detalha.
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