Brasileiros em Portugal sugerem mudanças no Estatuto do Estudante Internacional: o que será votado?

© Sputnik / Caroline RibeiroEstudantes participam do protesto condenando a xenofobia contra alunos brasileiros da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Estudantes participam do protesto condenando a xenofobia contra alunos brasileiros da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - Sputnik Brasil, 1920, 08.04.2021
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O Parlamento de Portugal vota, nesta quinta-feira (8), um projeto de lei que propõe mudanças no Estatuto do Estudante Internacional reivindicadas principalmente por universitários brasileiros. As alterações dizem respeito aos valores das mensalidades e a serviços de ação social das universidades. 

No projeto de lei nº 610/XIV/2.a, proposto pelos deputados do Bloco de Esquerda, as propinas (mensalidades) pagas pelos estudantes internacionais nas instituições de ensino superior públicas devem ser fixadas pelo governo, através de decreto-lei, levando em consideração os valores aplicados aos estudantes portugueses e não podendo ser superiores ao valor da propina máxima histórica praticada sobre os nacionais. 

O texto em vigor do Estatuto do Estudante Internacional estabelece que as mensalidades são fixadas pelo seu órgão legal e estatutariamente competente, têm em consideração o custo real da formação e os valores fixados em outras instituições de ensino superior nacionais e estrangeiras, não podendo ser inferiores à propina máxima fixada pela lei para o ciclo de estudos em causa. 

Isso faz com que em universidades, como a de Coimbra, o valor anual a ser pago por estudantes internacionais (à exceção os da União Europeia) chegue, em alguns cursos, a € 7 mil (R$ 46.620), cinco vezes mais do que os portugueses pagam.  

© AP Photo / Paulo DuarteProfessores caminham pelo campus da Universidade de Coimbra.
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Professores caminham pelo campus da Universidade de Coimbra.

De acordo com a fundamentação do projeto de lei do BE, a visão de que os estrangeiros fossem encarados como uma nova fonte de financiamento para as universidades permitiu e legitimou que eles fossem tratados como uma espécie de mercadoria. 

"Seja na Universidade de Coimbra, seja em outras instituições, existe um tratamento que roça uma natureza discriminatória e mercantil. É esse o principal aspecto que tem enquadrado a atuação das instituições de ensino superior no caso dos estudantes internacionais", afirma o deputado Luís Monteiro, do Bloco de Esquerda, à Sputnik Brasil.

Ele é um dos parlamentares que assinam o projeto de lei e responsável por sua defesa na Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto. Monteiro explica que se o projeto for aprovado na generalidade, nesta quinta, desce à comissão para ser discutido na especialidade. 

"Após esse processo, volta ao plenário para se proceder à votação final global. Caso seja aprovado, dias após essa votação, é analisado pelo presidente da República e publicado em Diário da República", detalha.

O projeto propõe que as mudanças entrem em vigor já no ano letivo 2021/2022. Outra alteração importante é a de que os estudantes estrangeiros passem a ser beneficiados diretamente pelos mecanismos de ação social, particularmente, acesso a serviços de saúde, alimentação e alojamento, apoio a atividades culturais e desportivas e outros apoios educativos.

Coletivo Estudantes Internacionais surge em meio à pandemia

Essas também são reivindicações recorrentes do Coletivo Estudantes Internacionais, liderado por dez brasileiros das universidades de Aveiro, do Porto, do Algarve, do Minho, de Évora e do Instituto Politécnico de Coimbra, representando todas as regiões de Portugal nos três ciclos de ensino superior (graduação, mestrado e doutorado). 

A mineira Isadora Loredo, aluna da licenciatura em Engenharia Informática na Universidade de Aveiro, conta à Sputnik Brasil que o coletivo surgiu do inconformismo de um grupo de estudantes na instituição que se viu negligenciado nos alojamentos universitários no auge da primeira onda da pandemia de COVID-19. Segundo ela, a negligência estava relacionada ao fato de os estudantes ali alojados naquele momento serem, majoritariamente, estrangeiros. 

"A universidade não só não nos forneceu materiais de desinfecção e máscaras nos alojamentos, como começou a mandar e-mails de ameaça de despejo para os alunos que estavam inadimplentes com as mensalidades, além de negar acesso aos apoios sociais, como vale alimentação, àqueles que passavam por grandes dificuldades financeiras", exemplifica Isadora. 
© Foto / DivulgaçãoA mineira Isadora Loredo, integrante do Coletivo Estudantes Internacionais
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A mineira Isadora Loredo, integrante do Coletivo Estudantes Internacionais

O coletivo criou uma conta no Instagram de forma a dar visibilidade às dificuldades que os estudantes estrangeiros estavam passando, o que os conectou com outros imigrantes em várias universidades públicas de Portugal que enfrentavam os mesmos problemas. Mas eles não ficaram restritos aos jovens e às redes sociais

Bem articulada, Isadora explica que o coletivo tem trabalhado para dar visibilidade a suas pautas por meio do diálogo com atores políticos dos diversos espectros, entre eles, do Bloco de Esquerda (BE), Partido Socialista (PS), Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza (PAN), assim como parlamentares não inscritos (sem partido), com o objetivo de sensibilizar esses grupos e buscar soluções.

"Nosso coletivo participou ativamente de discussões com atores políticos, o que culminou neste projeto de lei que vem ampliando o debate sobre a mercantilização das universidades públicas portuguesas e sobre o tratamento dado aos estudantes internacionais, principalmente brasileiros, nesta lógica mercadológica", pontua.

Ela participou de uma audiência na Comissão Parlamentar de Educação, Ciência, Juventude e Desporto, na terça-feira (6), para expor pautas do coletivo como: exclusão dos estudantes internacionais como beneficiários diretos dos serviços de ação social; mensalidades mais caras para estrangeiros, com aumento dos valores durante a pandemia; e burocracias para acesso ao Número de Identificação Fiscal (NIF, correspondente ao CPF brasileiro), que dificultam a abertura de contas bancárias pelos imigrantes.

"Achamos que a audição foi muito boa, pois conseguimos levar muitos relatos no pouco tempo que tínhamos. Da parte dos deputados que fizeram intervenção (BE, PS e PSD), acreditamos que o projeto de lei possa ser aprovado na sua generalidade", relata à Sputnik Brasil.

Questionado pela Sputnik Brasil sobre a imensa burocracia, que, além de dificultar que estudantes internacionais tirem o NIF, também limita as possibilidades de trabalho, uma vez que, até pouco tempo, empresas requeriam a autorização prévia do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o deputado Luís Monteiro diz que a desburocratização é uma das propostas.

"O nosso projeto aponta um caminho para isso. É necessária uma maior articulação entre o SEF, as IES e as Finanças", reconhece o parlamentar.
© Foto / ReproduçãoO deputado Luís Monteiro, do Bloco de Esquerda
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O deputado Luís Monteiro, do Bloco de Esquerda

Proposta de combate à xenofobia nas universidades ainda é tímida 

O projeto, contudo, é tímido no que diz respeito ao combate à xenofobia e ao preconceito linguístico nas salas de aula, outra bandeira do Coletivo Estudantes Internacionais. Como Sputnik Brasil já mostrou, universitários brasileiros são vítimas de discriminação, como no caso em que um professor da Faculdade de Economia do Porto foi suspenso por dizer que "mulheres brasileiras são uma mercadoria".

Nesse aspecto, o texto proposto pelo Bloco de Esquerda estabelece que as universidades, com a colaboração das entidades relevantes, devem tomar iniciativas destinadas a promover a integração acadêmica e social dos estudantes admitidos, organizando as ações que se revelem adequadas, "nomeadamente nos domínios da língua e da cultura". Segundo o projeto, tais iniciativas devem constar do Plano de Atividades das Instituições de Ensino Superior. Mas não há previsão de punições para o descumprimento.

Outro Projeto de Lei, de nº 736/XIV/2.a, proposto pela deputada não inscrita Cristina Rodrigues para alterar o Estatuto do Estudante Internacional, também foi incluído na pauta da Assembleia da República desta quinta (8). O texto refere que, no primeiro semestre do ano letivo 2019/2020, os universitários estrangeiros representavam 15% do total, somando mais de 58 mil alunos, dos quais 21 mil eram provenientes do Brasil.

A parlamentar ressalta no documento que, com a crise econômica provocada pela COVID-19, para muitos estudantes, oriundos por exemplo dos países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), está se tornando insustentável manter os custos de vida em Portugal.

Isadora diz que, devido ao aumento das mensalidades mesmo durante a pandemia, muitos estudantes estrangeiros tiveram que abandonar seus cursos. Questionada se já foi vítima de xenofobia na universidade, ela diz que não de forma evidente, mas com uma ressalva.

"Já tive apoio de ação social negado, nem sequer me deixaram aplicar para o apoio, por ser estrangeira. Um apoio social que na época eu não sabia que tinha direito, mas hoje, conhecendo o Estatuto, sei que tenho. Morava na residência universitária na época do primeiro lockdown, e fomos extremamente negligenciados, diferentemente do que acontecia nos restantes dos prédios da universidade", compara.

Nesta semana, o Coletivo Estudantes Internacionais, o Núcleo de Estudantes Brasileiros da Associação Acadêmica da Universidade do Algarve e o Núcleo de Estudantes Internacionais da Universidade do Porto criaram uma petição pública on-line com reivindicações pelos direitos dos universitários estrangeiros em Portugal.

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