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Bolsonaro e o 'efeito Lula': reforço do antagonismo ideológico determina corrida rumo a 2022

© Folhapress / Pedro LadeiraPresidente Jair Bolsonaro anda de cavalo durante manifestação em apoio ao governo em Brasília
Presidente Jair Bolsonaro anda de cavalo durante manifestação em apoio ao governo em Brasília - Sputnik Brasil, 1920, 12.03.2021
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A inesperada volta de Lula ao páreo eleitoral em 2022 realinhou as peças do cenário político brasileiro e começa a condicionar a estratégia do presidente Jair Bolsonaro. Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil avaliaram os desdobramentos desse embate.

Após ter suas condenações anuladas pelo STF, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um pronunciamento que deu o tom das discussões políticas no país na última quarta-feira (10), defendendo a vacinação da população e criticando duramente Bolsonaro por sua atuação no combate à pandemia.

No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro, que repetidas vezes desestimulou o uso de máscaras e as medidas de distanciamento, apareceu, pela primeira vez em muito tempo, usando máscara em uma reunião oficial, falou da importância da vacina e exaltou as ações do governo na luta contra a COVID-19. O gesto foi visto como uma reação ao discurso do petista.

​Mas para além dos gestos simbólicos, o surgimento de Lula como coprotagonista na disputa política brasileira coloca em questão o impacto que esse realinhamento de forças pode causar nas próprias políticas do presidente.

Haverá um novo equilíbrio entre as pautas ideológica e econômica nas ações de Bolsonaro a partir de agora? Para o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Guilherme Casarões, esta distinção não existe. Em entrevista à Sputnik Brasil, ele afirmou que Bolsonaro deve reforçar o antagonismo em relação ao ex-presidente, mantendo a pauta ideológica que lhe é característica.

"Eu pessoalmente não sei se tem como ser mais ideológico que o Bolsonaro já é, porque mesmo as pautas econômicas e sanitárias estão inscritas em uma guerra cultural, uma pauta essencialmente de extrema-direita que o Bolsonaro construiu desde a campanha de 2018. O que talvez mude é que o Bolsonaro vai começar a atacar o PT de maneira mais direta", afirmou.

O especialista observou que a noção de "inimigos internos do governo" ficou mais difusa ao longo dos últimos dois anos, lembrando os diferentes alvos contra quem Bolsonaro destinou seus ataques: imprensa, o governador João Doria, a China, a OMS (Organização Mundial da Saúde). "E o PT acabou sendo mais um entre diversos inimigos possíveis", disse Casarões, acrescentando que a incapacidade do PT de realizar uma oposição firme em relação ao presidente ajudou a tirar o partido da mira do atual governo.

"A gente sabe que o Bolsonaro é um político que se nutre desses antagonismos. Ele precisa criar crises permanentes dentro do governo para poder se legitimar, ele precisa de algum inimigo, de vários inimigos, até como uma estratégia de vitimização. Então o Lula é uma figura boa para isso. Agora, ao contrário do que o Lula já foi recentemente, preso ou mais silencioso, Lula vai se colocar também como um opositor implacável ao Bolsonaro", destacou o cientista político.

O professor da FGV acredita que o ex-presidente Lula, por ser mais hábil politicamente, conseguirá criar uma narrativa de uma posição mais moderada, enquanto Jair Bolsonaro "é um sujeito muito ideológico e marcadamente confrontacionista".

© AP Photo / Andre PennerEx-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Bolsonaro e o 'efeito Lula': reforço do antagonismo ideológico determina corrida rumo a 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 12.03.2021
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC

Outro aspecto que chamou a atenção no discurso de Lula foi aceno às Forças Armadas e à polícia, grupos que sempre se colocaram como aliados de Bolsonaro. A aprovação da PEC emergencial na última quinta-feira (11), determinando o congelamento de salários para servidores públicos, aumentou a pressão sobre o presidente.

Os esforços do presidente de retirar apenas a promoção e a progressão na carreira dos funcionários de segurança pública não foram suficientes para a categoria.

Uma carreata de protesto contra Jair Bolsonaro foi convocada para a próxima semana por policiais rodoviários, delegados e agentes da Polícia Federal, que afirmaram que se sentem traídos pelo presidente.

O cientista político da UFRJ, Carlos Eduardo Martins, declarou à Sputnik Brasil que "Bolsonaro está cada vez mais preso à agenda ultraneoliberal de Paulo Guedes e do grande capital". De acordo com ele, a agenda econômica do governo está gerando uma espécie de "recessão permanente engessada pela PEC 95 e agora pela PEC 186".

​"Bolsonaro perde cada vez mais a capacidade de mobilizar sua base social de servidores públicos vinculados ao aparato repressivo de Estado, que terão seus salários congelados por 15 anos", afirmou Carlos Martins.

De acordo com ele, a "volta de Lula ao cenário político brasileiro mudou a gramática e a linguagem política do país".

Mais pragmatismo, menos ideologia

Ao comentar a disputa da narrativa ideológica no Brasil, o cientista político Guilherme Casarões, por sua vez, afirmou que a maioria das pessoas não faz um cálculo ideológico na hora de dar um voto, mas faz um cálculo pragmático.

"Nesse caso o pragmatismo tem menos a ver com direita e esquerda, e mais a ver com o fato de que o Lula foi realmente um presidente sob o qual a vida das pessoas melhorou, enquanto o Bolsonaro é um presidente sob o qual a vida das pessoas está piorando", destacou Casarões.

De acordo com o especialista, é impossível "dissociar o contexto da obra do presidente".

"Nenhum presidente vai conseguir vender a ideia de que ele foi bom, mas o momento era ruim. E o Bolsonaro está diante desse dilema. Dificilmente ele vai conseguir fazer um governo bom até 2022, o que nesse caso dá uma vantagem para o Lula ainda maior, porque foi um presidente que saiu com 80% de aprovação popular", completou.

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