Entre Irã e Israel: retirada do embargo pode consolidar Qatar como intermediador no Oriente Médio

© AFP 2023 / Bandar al-Jaloud Príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman (à direita), recebe o emir do Qatar, Tamim bin Hamad Al-Thani, em aeroporto da cidade de Al-Ula, Arábia Saudita, 5 de janeiro de 2021
Príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman (à direita), recebe o emir do Qatar, Tamim bin Hamad Al-Thani, em aeroporto da cidade de Al-Ula, Arábia Saudita, 5 de janeiro de 2021 - Sputnik Brasil
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Qatar sai praticamente ileso de embargo econômico de mais de três anos imposto pela Arábia Saudita e aliados. Fortalecido, o emirado pode emergir como intermediador-chave no Oriente Médio.

O ano de 2021 começou com uma decisão histórica: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos (EAU), Bahrein e Egito decidiram colocar fim ao embargo diplomático e econômico imposto contra o Qatar em 2017.

A decisão foi formalizada durante reunião extraordinária do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), grupo de países que reúne Arábia Saudita, Bahrein, EAU, Kuwait, Omã e Qatar.

Apesar de ser ter somente 1,9 milhão de habitantes, o Qatar se destaca internacionalmente pela sua produção de hidrocarbonetos e diplomacia heterodoxa.

"Apesar de ser um país relativamente pequeno, as relações internacionais do Qatar realmente assustam países como Arábia Saudita e EAU", disse o pesquisador do Instituto de Pesquisa sobre Oriente Médio e Ásia da Academia de Ciências da Rússia, Dmitry Grafov.

Monarquia absoluta comandada pela Casa de Thani, o Qatar possui a terceira maior reserva mundial de gás natural do mundo.

© AFP 2023 / Bandar al-Jaloud Líder qatarense, Tamim bin Hamad Al-Thani, assina documento que encerrou embargo imposto contra seu país, em Al-Ula, Arábia Saudita, 5 de janeiro de 2021
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Líder qatarense, Tamim bin Hamad Al-Thani, assina documento que encerrou embargo imposto contra seu país, em Al-Ula, Arábia Saudita, 5 de janeiro de 2021

O cientista político, professor de relações internacionais e colunista do Monitor do Oriente Médio, Bruno Beaklini, ainda lembrou da influência do país no setor de transportes e realização de grandes eventos.

"Não é um país isolado, sobre o qual as pessoas ignoram a existência: além de receber grandes eventos e de ser a sede da próxima da Copa do Mundo [...] o Qatar é um gigante mediático", disse Beaklini.

Em 2017, no entanto, Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos (EAU), o Bahrein e o Egito romperam relações diplomáticas com o Qatar, fechando suas fronteiras terrestres e espaço aéreo para o país.

A justificativa foi a de que o Qatar manteria laços demasiadamente estreitos com o Irã.

O emirado, de fato, mantém contatos diversificados com organizações e países rivais, o que nem sempre é visto com bons olhos pelos vizinhos.

Não é à toa que o Qatar é a sede das negociações de paz para o Afeganistão e fonte de financiamento de grupos que defendem a causa palestina. 

Além disso, o grupo de países liderado pela Arábia Saudita acusou o Qatar de usar a emissora Al-Jazeera como instrumento de propaganda internacional. 

"A política de comunicação do Qatar através da Al-Jazeera [...] consiste em uma forma de diplomacia pública, que é um fator estratégico na formação de opinião no mundo árabe", disse Beaklini.

De acordo com Beaklini, "a proposta de retirar o embargo veio a partir da decisão [...] monocrática de duas pessoas-chave: o governante de fato da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, e o governante de fato do EAU, Mohammed bin Zayed", disse.

"Por princípio, toda retirada de embargo e sabotagem com viés econômico é uma boa notícia para as relações internacionais", ponderou Beaklini.

© AFP 2023 / Fayez Nureldine Homem abraça parente que chegou à Arábia Saudita no primeiro voo comercial proveniente do Qatar desde 2017, em Riad, 11 de janeiro de 2021
Entre Irã e Israel: retirada do embargo pode consolidar Qatar como intermediador no Oriente Médio - Sputnik Brasil
Homem abraça parente que chegou à Arábia Saudita no primeiro voo comercial proveniente do Qatar desde 2017, em Riad, 11 de janeiro de 2021

Após três anos e meio de embargo, o Qatar não mudou a sua postura: manteve seus contatos com o Irã, a transmissão da Al-Jazeera em escala global e não sofreu danos econômicos significativos.

"Não houve uma mudança radical na economia do Qatar", disse Grafov. "Já no primeiro mês ficou claro que o embargo tinha sido um fiasco."

"O Qatar obteve apoio para transportar produtos de forma aérea a partir de países como Irã e Turquia, anulando os efeitos do bloqueio aéreo", explicou Grafov. "O embargo terrestre tampouco foi capaz de gerar uma crise de abastecimento."

Segundo ele, "as ferramentas usadas por Doha para contornar o embargo se mostraram eficientes e podem ser reaplicadas no futuro."

© AFP 2023 / Karim Jaafar Homem no aeroporto de Hamad, na capital do Qatar, Doha, 11 de janeiro de 2021
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Homem no aeroporto de Hamad, na capital do Qatar, Doha, 11 de janeiro de 2021

A decisão de retirar o embargo significaria "que esses países tentam sair de uma situação não muito confortável, que era a de manter um bloqueio ineficaz", acredita o pesquisador.

"Manter uma situação de conflito vazio com um país vizinho é realmente muito contraproducente", ponderou Grafov.

Irã

A reaproximação com o Qatar pode ser uma forma de atrair o país para a formação de uma aliança de países do golfo Pérsico para conter a influência iraniana.

"A decisão representa uma tentativa de forjar uma aliança contrária ao Irã, liderada pela Arábia Saudita, que de tabela promove a agenda dos EUA na região", acredita Beaklini.

O pesquisador lembra que, em seu discurso perante seus aliados no CCG, o monarca saudita teria culpado o Irã pela instabilidade na região.

"Existe uma necessidade urgente de unir nossos esforços para promover nossa região e confrontar os desafios que nos cercam, especialmente o representado pelos programas nucleares e de mísseis balísticos do Irã", disse bin Salman durante o encontro.

© AFP 2023 / Bandar al-Jaloud Príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, discursa durante reunião do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), em Al-Ula, Arábia Saudita, 5 de janeiro de 2021
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Príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, discursa durante reunião do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), em Al-Ula, Arábia Saudita, 5 de janeiro de 2021

Para Grafov, "o Qatar entendeu que um dos principais argumentos de seus inimigos é sua cooperação ou bom relacionamento com Irã".

Por isso, o país teria interesse em contrabalancear a influência de Teerã em sua imagem externa, nutrindo relações com outros países, como Israel.

Aproximação com Israel

O levantamento do embargo contra o Qatar pode significar uma tentativa de incluir Doha no grupo de países árabes que normalizaram relações com Israel.

Para Beaklini, a medida tem o objetivo de "atrair o Qatar e, indiretamente, o Kuwait, para o processo de normalização das relações com Israel".

No ano passado, Bahrein e EAU estabeleceram relações diplomáticas com Tel Aviv, abandonando posição histórica de não reconhecimento do Estado judeu, em solidariedade à causa Palestina.

© AP Photo / Alex BrandonLíderes do Bahrein, Israel, EUA e Emirados Árabes assinam acordo para normalização de laços diplomáticos na Casa Branca
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Líderes do Bahrein, Israel, EUA e Emirados Árabes assinam acordo para normalização de laços diplomáticos na Casa Branca

No entanto, Grafov lembra que "o Qatar já começa a aprimorar seu relacionamento com Israel como uma forma de aumentar sua influência nos círculos políticos dos EUA".

Para Beaklini, o eventual estabelecimento de relações diplomáticas entre Doha e Tel Aviv seria danoso para grupos na Palestina, uma vez que "o Qatar hoje é o país árabe mais rico que mantém apoia à causa palestina".

Por outro lado, Grafov acredita que a relação privilegiada que o Qatar tem com grupos palestinos como o Hamas pode, por incrível que pareça, interessar à Israel.

"O Qatar pode cooperar simultaneamente com Israel e com a Palestina, colocando-se como um intermediador entre o grupo Hamas e Tel Aviv", disse o pesquisador.

Atualmente, "o único canal que Israel tem com o Hamas é através do Egito", e "pode ser interessante estabelecer mais uma linha de contato através do Qatar".

A expectativa, portanto, é que o Qatar mantenha a sua prática de manter contatos diplomáticos diversos, servindo como um mediador regional relevante.

© JAAFAR ASHTIYEHPalestinos protestam contra países árabes que selaram acordos de normalização de relações diplomáticas com Israel, Nablus, Cisjordânia ocupada, 15 de setembro de 2020
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Palestinos protestam contra países árabes que selaram acordos de normalização de relações diplomáticas com Israel, Nablus, Cisjordânia ocupada, 15 de setembro de 2020

Apesar de poucos termos do tratado terem sido trazidos à público, não há indícios de que o Qatar tenha feito concessões relevantes aos países que impuseram o embargo.

"O Qatar se coloca no lugar de vencedor ao receber de forma afável o convite da Arábia Saudita para se reintegrar ao conselho regional", disse Grafov.

"A lição que o Qatar deixa é a que uma política externa correta é aquela que não se rende ou faz concessões mediante pressão", acredita o pesquisador.

"O Qatar provavelmente sai do embargo ainda mais independente", concluiu Grafov.

Em 5 de janeiro, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, anunciou a assinatura de acordo entre os países do golfo Pérsico para encerrar embargo econômico e diplomático imposto contra o Qatar em 2017.

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