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Matrículas de estrangeiros em universidades portuguesas caem, mas de brasileiros crescem

© AP Photo / Paulo DuarteProfessores na Universidade de Coimbra, Portugal, antes da chegada do ex-presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, 30 de março de 2011
Professores na Universidade de Coimbra, Portugal, antes da chegada do ex-presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, 30 de março de 2011 - Sputnik Brasil
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O número de matrículas de estudantes estrangeiros em universidades públicas portuguesas teve queda de 2,7% neste ano letivo. A redução é bem menor do que os 20% de alunos internacionais a menos estimados pelo setor em função das restrições de circulação por conta da pandemia de COVID-19.

O levantamento foi publicado neste domingo pelo jornal português Público. O número de inscritos no Estatuto do Estudante Internacional em 22 instituições de ensino superior teve redução de apenas 380 alunos num universo de 14 mil. Mesmo com a queda, o número de pedidos de vistos de novos estudantes brasileiros para Portugal durante a pandemia aumentou 18% em relação ao ano letivo anterior, segundo dados preliminares do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. 

Com as medidas sanitárias de distanciamento social, o governo diminuiu em 2218 o número de camas por quartos em residências estudantis. No entanto, a redução foi compensada por cerca de 2400 camas em parcerias estabelecidas com diferentes entidades, como pousadas da juventude, alojamentos locais e hotéis. Por meio do Plano Nacional de Alojamento no Ensino Superior, estão sendo disponibilizadas mais de 18 mil camas em todo o país para estudantes universitários, representando um aumento de 16% em comparação ao ano letivo anterior. 

"Queremos aumentar em 80% a oferta anual de alojamento para estudantes a preços acessíveis e regulados", afirmou Manuel Heitor, ministro de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, durante coletiva de imprensa no fim de 2020.

Um dos novos empreendimentos é o Livensa Living Lisboa - Cidade Universitária, com inauguração neste mês. Com 524 quartos e 595 camas, ele tem 63% das vagas reservadas por portugueses, seguidos pelos brasileiros, com 12%, e franceses (8%). A residência estudantil de cinco estrelas terá academia, sala de ioga, parede de escalada, terraço panorâmico e piscina na cobertura, entre outros luxos. Durante a pandemia, foram impostas restrições ao número de pessoas que utilizam áreas comuns, além de outras medidas de higiene e prevenção.

Matriculada em um Mestrado em Direito no ICSTE, a advogada brasileira Marina Papi chegou a Lisboa na última semana de 2020 e está morando no alojamento da universidade. Em entrevista à Sputnik Brasil, ela conta que o quarto triplo que alugou foi transformado em duplo, com a inutilização da cama do meio, para aumentar o espaçamento entre ela e sua colega turca, com quem divide o ambiente.

"Não colocaram nem lençol, porque ninguém pode ocupar. Aqui está muito tranquilo. Tem limpeza semanal nos quartos, e todos os dias nas áreas comuns. Fora isso, temos que andar de máscara, e todo mundo respeita. Tiramos apenas para comer. O refeitório dificilmente fica cheio, e ninguém senta colado. Tem álcool nas áreas comuns para a gente higienizar as mãos", resume Marina.
© Foto / DivulgaçãoMarina Papi no quarto triplo transformado em duplo no alojamento estudantil do ISCTE, em Lisboa
Matrículas de estrangeiros em universidades portuguesas caem, mas de brasileiros crescem - Sputnik Brasil
Marina Papi no quarto triplo transformado em duplo no alojamento estudantil do ISCTE, em Lisboa

Questionada se não chegou a pensar em desistir de começar o curso em um país diferente durante a pandemia, a capixaba mostra uma foto de uma praia lotada em Guarapari, no Espírito Santo, onde morava antes de se mudar para Lisboa.

"Para ser bem sincera, não pensei em desistir nem um segundo. Eu me sinto mais segura aqui do que lá", ela compara.

Número de brasileiros  também aumenta na educação básica

A quantidade de brasileiros não é grande apenas no ensino superior. Segundo os dados mais recentes da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), o número de alunos brasileiros nos ensinos básico e secundário cresceu 44% em um ano, de 18.909 no ano letivo de 2017/2018 para 27.200 em 2018/2019. De acordo com as estatísticas, já representavam 38% dos estrangeiros em escolas portuguesas, percentual bem próximo dos 40% de universitários do Brasil entre estudantes internacionais.  

Mesmo com a pandemia, a tendência é a de que o número de estudantes brasileiros na educação básica acompanhe o crescimento na concessão de 34 mil novos títulos de residência entre janeiro e setembro de 2020. Em Portugal, há um consenso maior do que no Brasil sobre a manutenção das aulas, mesmo presenciais, que retornaram nesta segunda-feira (4) após duas semanas de recesso para as festas de fim de ano. 

O carioca Ricardo Macedo mora em Braga e tem duas filhas matriculadas no ensino português. Valentina, de 5 anos, está na pré-escola, e Maria Eduarda, de 15, cursa o 10º ano (equivalente ao 1º ano do ensino médio) em uma escola secundária pública. Macedo diz que três estudantes chegaram a testar positivo para COVID-19 na sala da sua filha mais velha, mas as aulas não foram suspensas.

"Há seis turmas no ano dela e, numa delas, um aluno deu positivo, todo mundo teve que fazer o teste, e as aulas foram suspensas. Na turma da Maria Eduarda, três alunos deram positivo, inclusive um que sentava ao lado dela, mas não suspenderam a aula nunca. O mais incrível é que a gente perguntou por que dois pesos e duas medidas para a mesma série, mas ninguém soube responder", relata Macedo à Sputnik Brasil.

Questionado se não ficou preocupado de enviá-la ao colégio mesmo assim, o advogado carioca é enfático.

"Nem um pouco. Não houve casos graves em Braga com crianças, em compensação triplicou a quantidade de tentativa de suicídios, síndrome do pânico, ansiedade e estresse nas crianças", argumenta.

Para além da pandemia, Macedo vê muitos benefícios na educação pública portuguesa, comparada ao ensino privado brasileiro, especialmente a qualidade e o preço. No Rio, ele pagava mais de R$ 1.000 de mensalidade em uma escola particular para Maria Eduarda. Em Braga, paga €80 (R$ 512) de mensalidade na creche da filha mais nova e arca apenas com as despesas de alimentação na escola da mais velha, cujo preço da refeição varia de acordo com o escalão econômico dos pais, como ele explica.

"Sem dúvida nenhuma, o ensino público português é muito melhor que o brasileiro. A questão da qualidade e do valor pesam muito. No início, minha filha tinha isenção da alimentação e, depois, passou a pagar 30 cêntimos [centavos por refeição]. A Valentina ainda está na creche. Desde o início, ficou nas Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), com participação do governo, que ajuda na mensalidade. Todo ano temos que apresentar nossos impostos de renda do Brasil e daqui, nossas condições, o quanto a gente recebe, para verem o valor da mensalidade", detalha.

O advogado ainda elogia a diversidade de nacionalidades e etnias na escola, bem como a figura do diretor de turma, um professor que fica responsável por resolver problemas, fazer reuniões, atender os pais e administrar notas, faltas e comportamento dos alunos. Ele destaca ainda o ensino de idiomas: inglês a partir do 1º ano, com uma segunda língua (francês ou espanhol) a partir do 7º. 

Maria Eduarda, que é representante de turma, concorda com os pontos destacados pelo pai e enaltece o fato de poder se dedicar mais à área de Humanas durante o ensino secundário, com a qual tem mais afinidades.

"Você pode ver o que quer para o seu futuro, mas acabar mudando de área. Sou péssima em matemática e também queria seguir em Humanas. Isso me ajudou bastante. Além disso, estudava em escola particular no Brasil, sempre com pessoas da mesma classe social que a minha. Aqui, consegui estar mais perto de pessoas de classes sociais diferentes, de vários lugares do mundo. Acho isso muito interessante", compara Maria Eduarda.

Mas também há pontos negativos. A estudante conta que a transição e a adaptação foram difíceis, relatando episódios de discriminação por ser brasileira na primeira escola onde estudou em Braga.

"Muita gente respeita, mas também há quem desrespeite os brasileiros e que não trate direito. Tive professores difíceis no início, que não aceitavam bem os brasileiros na turma. É muito importante a escolha da escola. Chegamos aqui na correria, não conhecia ninguém e fui parar numa escola que não era tão boa", recorda.

Necessidade de adaptação ao português europeu na escrita

A fisioterapeuta Karen Salazar voltou a Lisboa nesta segunda do Rio de Janeiro, onde foi passar as festas de fim de ano com a família. Levou os filhos Marcelo, de 12 anos, e Isabela, de 9, que voltam às aulas nesta semana em uma escola pública do Barreiro, na Margem Sul do Rio Tejo. Ele está no 7º ano, ela no 4º. Como os três tiveram COVID-19 em março de 2020, a família decidiu que eles continuassem a frequentar as aulas depois do período de isolamento, mesmo com novos casos surgindo no colégio. 

No Rio, a mensalidade da escola do menino custava R$ 3.400, mas ele tinha bolsa de 50% por ser bom aluno. Em Portugal, ambos continuaram a se destacar academicamente, mesmo com as adaptações ao português europeu, já que Marcelo foi alfabetizado no Brasil.

"A primeira diferença é que em Portugal o ensino público é equiparável ao ensino particular do Brasil. Acho muito bom e organizado. Os professores não faltam com a frequência da escola pública brasileira. Marcelinho escrevia com gerúndios, como falado no Brasil. A professora sempre chamava a atenção até ele se acostumar. Eu olhava as redações até ele se adaptar. A Bela, apesar de ter sido alfabetizada em Portugal, como falamos português do Brasil em casa, no 1º e no 2º anos, a professora sempre envolvia de caneta vermelha para ela 'consertar'. Hoje a Isabela consegue fazer uma redação com o português de Portugal", explica Karen.

Ela considera isso um ponto positivo para o futuro dos filhos no mercado de trabalho. A carioca acrescenta que a filha estuda das 9h00 às 15h30 e tem atividades extracurriculares como música, dança e xadrez, em dias diferentes, após as aulas, até as 17h30. Segundo ela, é um fator positivo para os pais que não podem buscar as crianças na escola no meio da tarde. Karen elogia ainda a maior independência conferida aos estudantes desde pequenos.

"No Brasil, tem uma mania de proteger demais. A Isabela, desde o 1º ano tinha que lembrar dos recados da professora e me avisar. Só quando era algo importante, como um documento, a professora enviava um e-mail. As coisas do cotidiano, as crianças lembravam de falar aos pais. Acho muito bacana. Vejo isso na criação além da escola.  É uma coisa mais cultural. Em Portugal, aprendi a ser mais leve e deixá-los fazer as coisas mais por eles", compara.
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