'Carta da soberania' na manga: como Reino Unido vai jogá-la no mundo 'pós-Brexit'?

© REUTERS / Stefan WermuthBandeira do Reino Unido perto do parlamento britânico, em Londres, em abril de 2017
Bandeira do Reino Unido perto do parlamento britânico, em Londres, em abril de 2017 - Sputnik Brasil
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O acordo comercial do Brexit deve ser votado na Câmara dos Comuns em 30 de dezembro. Acadêmicos britânicos explicaram, em entrevista à Sputnik, quais os objetivos que o Reino Unido vai perseguir depois de fechar a porta para UE.

A partir de 1º de janeiro de 2021, Reino Unido estará livre da União Europeia, o que traz a questão: qual papel o Reino Unido vai jogar na arena mundial?

Reino Unido continuará fiel às velhas alianças

O país continuará mantendo os seus objetivos fundamentais de política externa, mas terá maior autonomia nacional e flexibilidade na tomada de decisões, diz o especialista em Relações Internacionais e professor de Política Internacional da Universidade de Londres, Inderjeet Parmar.

"Europa e as potências europeias, incluindo a UE, continuarão sendo fundamentais para a política externa e de defesa do Reino Unido", contou o professor. "A OTAN continua sendo fundamental para a estratégia de segurança dos EUA e do Reino Unido e inclui todos os principais países-membros da União Europeia. A UE é uma poderosa 'potência' econômica e comercial com uma agenda de política externa para um maior papel global, então o Reino Unido não se afastará dela em princípio, por compartilhar um conjunto de valores civilizacionais europeus nos assuntos mundiais."

Comentando as "relações especiais" do Reino Unido com os Estados Unidos, o professor não descarta que Londres possa "se afastar um pouco" dos EUA, "especialmente se os EUA forem unilaterais e coercivos demais". Ainda assim, Washington e Londres devem se manter vinculados aos principais objetivos de política externa, acordos nucleares, a OTAN, e, além do mais, compartilhando a mentalidade globalista, ressaltou o professor.

"A intenção claramente declarada do governo [britânico] é criar um Reino Unido global", revelou o professor de Política Internacional da Universidade de Warwick (Reino Unido), Wyn Grant. "Pode ser que, na subconsciente do governo está o modelo dos anos 1950, com o Reino Unido no centro de três círculos sobrepostos: as relações com a Europa, com os Estados Unidos, e com a Comunidade, ou, mais especificamente, com os países da Anglosfera", continuou.

Os especialistas também esperam que o Reino Unido continue jogando um papel importante no Oriente Médio, mais especificamente no golfo Pérsico, tentando, além do mais, expandir a influência à América Latina.

Virada britânica para Indo-Pacífico

Ao mesmo tempo, Londres procura reforçar os laços com as economias do Indo-Pacífico. Neste ano, o governo britânico sinalizou a intenção de entrar no Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP, na sigla em inglês). Atualmente, o acordo de livre comércio inclui Canadá e dez outros países da região: Austrália, Brunei, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietnã.

© REUTERS / HENRY NICHOLLSApoiadoras do Brexit passeiam com placas em Londres, Reino Unido, em 9 de dezembro de 2020
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Apoiadoras do Brexit passeiam com placas em Londres, Reino Unido, em 9 de dezembro de 2020

Espera-se que o acordo garanta maiores oportunidades comerciais e de investimento, o que ajudaria a economia britânica a superar o desafio sem precedentes da pandemia da COVID-19. É previsto que o Reino Unido se junte ao acordo no início de 2021.

Adicionalmente, há uma aspiração de aprofundar as relações com os países da região do Indo-Pacífico, nota Grant, destacando a Índia e o Japão, em particular, com os quais o país marcou acordos.

Entretanto, a China "continua sendo a economia-chave para o comércio, investimentos e finanças da Europa, Reino Unido e os EUA", ressaltou Parmar.

"Assim, isso significará que o Reino Unido provavelmente vai querer ganhar vantagem após o Brexit e se preocupar menos com as inquietações dos EUA com a China", considerou o professor, se referindo à guerra comercial entre a China e os Estados Unidos irrompida sob administração Trump. "Isto enfraquecerá as relações com cada um procurando vantagem econômica tática dentro das ansiedades de segurança mais amplas. Porém, a China, os EUA e o Reino Unido são interdependentes demais para seguir caminhos separados, incluindo em questões globais como as alterações climáticas e a pandemia", apontou o especialista.

Reino Unido e a ordem liberal internacional

"Até certo ponto, o Reino Unido tem tentado superar suas habilidades", comentou o especialista sobre a saída do país da União Europeia. "O Reino Unido poderia ser capaz de atuar independentemente da UE em certos assuntos, mas terá que respeitar as prioridades da União. Além de tudo, a maioria dos países-membros da UE também está na OTAN."

© AP Photo / Tim IrelandManifestantes seguram cartazes e bandeiras na manifestação contra a "Traição ao Brexit", em frente às Casas do Parlamento em Londres.
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Manifestantes seguram cartazes e bandeiras na manifestação contra a "Traição ao Brexit", em frente às Casas do Parlamento em Londres.

No entanto, o Reino Unido "possui oportunidade de ter uma política externa menos dependente na ordem liberal internacional que está perdendo posições desde 1970, pelo menos", afirma Parmar.

O principal é que foram os próprios EUA e Reino Unido em grande parte que estabeleceram os pilares da ordem liberal internacional após a Segunda Guerra Mundial, explica o analista. Esta ordem comprovou ser eficiente e agora "é mais ampla, e cobre elites do sul global cujas economias são mais integradas, mas que deixam a desejar na influência institucional nas organizações internacionais dominadas pelas potências ocidentais", acrescentou ele.

Mas, embora "América primeiro" de Trump e o Brexit de alguma forma entrem em contradição com a ordem liberal internacional, os mesmos "nem realmente desafiam os fundamentos do poder mundial que integrou a maioria dos países e elites do mundo", concluiu.

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