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Movimento antivacina brasileiro ganha traços geopolíticos com COVID-19, diz especialista

© REUTERS / Amanda PerobelliManifestante participa de ato contra a aplicação mandatória de vacina contra a COVID-19 em São Paulo, 1º de novembro de 2020
Manifestante participa de ato contra a aplicação mandatória de vacina contra a COVID-19 em São Paulo, 1º de novembro de 2020 - Sputnik Brasil
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Manifestação contra vacina de COVID-19 que tomou a Avenida Paulista nesta semana mostra que a pandemia transformou a vacina em assunto geopolítico.

Nesta semana, a Avenida Paulista foi palco de manifestação contrária à aplicação obrigatória da vacina contra a COVID-19 e, mais especificamente, contra a aquisição do imunizante chinês CoronaVac.

Com mais de 160 mil mortos pela COVID-19, muitos esperavam que os brasileiros estariam aguardando ansiosamente uma vacina contra a doença.

Mas debates sobre liberdade individual e ceticismo em relação à eficácia de vacinas fizeram com que uma batalha por um imunizante fosse travada não só dentro dos laboratórios, mas também nas ruas do país.

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia incluído a "hesitação em se vacinar" entre as dez maiores ameaças globais à saúde.

© REUTERS / Amanda PerobelliManifestantes em ato contra a vacina CoronaVac e contra o governador de SP, João Doria, São Paulo, 1º de novembro de 2020
Movimento antivacina brasileiro ganha traços geopolíticos com COVID-19, diz especialista - Sputnik Brasil
Manifestantes em ato contra a vacina CoronaVac e contra o governador de SP, João Doria, São Paulo, 1º de novembro de 2020

O ceticismo em relação às vacinas é apontado como um dos principais motivos para o aumento de casos de sarampo na Europa e na África.

Com a propagação mundial da COVID-19, os debates em torno das vacinas tornaram-se não só mais urgentes, mas mais politizados.  

Movimento antivacina

O movimento antivacina no Brasil não é novo, mas, com a COVID-19 estamos acompanhando as "controvérsias sobre negação das vacinas [...] em tempo real".

Para começo de conversa, não podemos falar de um só movimento, mas de pelo menos três vertentes de pensamento que levam à negação da aplicação de vacinas no Brasil.

"Há os discursos conspiracionistas, que se embasam em hipóteses sobre presumidos complôs da indústria farmacêutica, governos e outros poderosos, por supostas intenções de controle populacional", disse o pós-graduando em Educação em Ciências pela Universidade Estadual de Londrina que estuda o fenômeno das teorias da conspiração, Leonardo Wilezelek Soares de Melo, à Sputnik Brasil.

Além deles, "há também movimentos reconhecidos como 'naturebas', que são relutantes às vacinas devido a causas [...] ligadas ao consumo de produtos de origem majoritariamente natural e não industrializada".

© Folhapress / Marlene BergamoBolsonaristas protestam contra a vacina e pedem impeachment do governador João Doria, na avenida Paulista, em São Paulo, 1º de outubro de 2020
Movimento antivacina brasileiro ganha traços geopolíticos com COVID-19, diz especialista - Sputnik Brasil
Bolsonaristas protestam contra a vacina e pedem impeachment do governador João Doria, na avenida Paulista, em São Paulo, 1º de outubro de 2020

Por fim, alguns movimentos religiosos "consideram as vacinas agentes contaminantes do corpo" e por vezes "se embasam na Bíblia para corroborar suas teses de negação".

Pesquisa publicada em 10 de outubro pela revista Lancet aponta que grupos religiosos minoritários tendem a ter maior desconfiança em relação a vacinas.

No Brasil, grupos religiosos se destacaram durante mobilização antivacina contra o HPV, uma doença sexualmente transmissível que pode causar câncer de colo de útero.

A COVID-19

O movimento antivacina não é novo, mas, no caso da COVID-19, as demandas tradicionais do movimento se confundem com interesses geopolíticos.

"Governantes e agentes públicos estão se posicionando abertamente contrários às vacinas por motivações geopolíticas, e no Brasil isso está bastante explícito", notou Melo.

Nesse contexto, apoiadores de políticos que são contra a vacina "têm desconfiado da imprescindibilidade" dos imunizantes e "procurado argumentações diversas para negá-las".

Pesquisa "Atitude global perante a COVID-19", publicada pelo Instituto Ipsos em setembro de 2020, mostrou que 88% dos brasileiros estariam dispostos a tomar uma vacina contra a COVID-19.

© REUTERS / Pilar OlivaresHomem reza no cemitério de Nova Iguaçu no Dia de Finados, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, 2 de novembro de 2020
Movimento antivacina brasileiro ganha traços geopolíticos com COVID-19, diz especialista - Sputnik Brasil
Homem reza no cemitério de Nova Iguaçu no Dia de Finados, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, 2 de novembro de 2020

Dentre aqueles que se recusariam a tomar o imunizante, 63% citaram a preocupação com efeitos colaterais.

Outros 21% duvidam que a vacina seria eficaz, enquanto 10% acreditam que podem pegar a doença ao receber o imunizante. Ao todo, 7% declararam não acreditar em vacinas de forma geral.

A pesquisa corrobora que a maioria dos brasileiros ainda mantém uma boa atitude em relação a vacinas, o que permite o país manter uma boa cobertura vacinal.

"As vacinas realmente funcionam e são um fator de sucesso no controle e erradicação de doenças e na manutenção da saúde coletiva", disse Melo. " Além disso, elas são seguras."

No entanto, dados do Ministério da Saúde acusam uma queda entre 2011 e 2018 na administração de vacinas para crianças de até dois anos de idade, como a poliomielite.

Negócio da China

Durante os protestos de rua contrários à vacina contra a COVID-19, manifestantes expressam sua oposição ao fato de um dos possíveis imunizantes a serem aplicados ser de origem chinesa.

O fato de o vírus ter surgido na China é terreno fértil para que teorias conspiratórias sejam elaboradas em torno de uma vacina produzida por esse país.

"É possível apontar uma correlação entre os grupos que desconfiam das vacinas produzidas em parceria com a China e a emergência de certos discursos de subvalorização ou até mesmo negação da pandemia", notou o pesquisador.

"As hipóteses conspiratórias funcionam 'muito bem' nesses casos, pois elas auxiliam a criar uma resistência difícil de ser rompida", disse Melo.

© REUTERS / Amanda PerobelliMulher segura cartaz durante manifestação contra a vacina CoronaVac e contra o governador de SP, João Doria, São Paulo, 1º de novembro de 2020
Movimento antivacina brasileiro ganha traços geopolíticos com COVID-19, diz especialista - Sputnik Brasil
Mulher segura cartaz durante manifestação contra a vacina CoronaVac e contra o governador de SP, João Doria, São Paulo, 1º de novembro de 2020

Para ele, "será muito difícil romper essa barreira da desconfiança" em relação a vacinas chinesas, "pois o conspiracionismo mexe com sentimentos e emoções pessoais ligados à busca por dar sentido a eventos impactantes ou a angústias pessoais".

Aplicação obrigatória

Vacinas são instrumentos de imunização que dependem de um esforço coletivo para funcionar. Caso uma parcela da população não se vacine, o novo coronavírus poderia continuar circulando e ameaçando a saúde e a economia da população como um todo.

"Atrelada às vacinas existe uma discussão bioética imprescindível para a condução de políticas públicas que não infrinjam liberdades individuais e sociais nesse pacto coletivo", disse Melo.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, vem se posicionando contra a aplicação obrigatória de um possível imunizante para a COVID-19.

© AFP 2023 / Sergio LimaPresidente do Brasil, Jair Bolsonaro se reúne com apoiadores em Brasília, 23 de agosto de 2020
Movimento antivacina brasileiro ganha traços geopolíticos com COVID-19, diz especialista - Sputnik Brasil
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro se reúne com apoiadores em Brasília, 23 de agosto de 2020

Em meados de outubro, ele garantiu a apoiadores, durante transmissão ao vivo, que "meu ministro da Saúde já disse que não será obrigatória essa vacina e ponto final".

No entanto, a lei 13.979/20, criada pelo próprio governo federal neste ano, autoriza os estados e municípios a aplicar vacinas de forma compulsória.

Essa não será uma tarefa fácil, como mostrou a reação negativa de manifestantes à declaração do governador de São Paulo, João Doria, que defende a aplicação compulsória do imunizante.

​"Quando somos levados a debater a importância coletiva de um aparato tão consensual quanto as vacinas, estamos na verdade discutindo sobre nossa própria vida em sociedade", disse Melo.

"É uma discussão que já nasce política, no sentido em que precisamos conduzi-la coletivamente", concluiu o pesquisador.

A pandemia de COVID-19 já deixou mais de um milhão de mortos e quase 49 milhões de infectados mundialmente, de acordo com a Universidade Johns Hopkins (EUA). O Brasil é o segundo país mais atingido em número de mortes, com 161.109 vítimas fatais e 5.590.025 diagnósticos da doença.

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