Assembleia virtual da ONU: como reuniões on-line impactam a diplomacia?

© AP Photo / Mary AltafferDiscurso do presidente chinês, Xi Jinping, para Assembleia Geral da ONU, exibido em tela de smartphone na sede da organização, Nova York, EUA, 22 de setembro de 2020
Discurso do presidente chinês, Xi Jinping, para Assembleia Geral da ONU, exibido em tela de smartphone na sede da organização, Nova York, EUA, 22 de setembro de 2020 - Sputnik Brasil
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Os debates da 75ª Assembleia Geral da ONU serão realizados de forma totalmente on-line, em função da pandemia de COVID-19. Mas será que o formato on-line dificulta a interação entre os líderes mundiais? Como as reuniões virtuais vão impactar a diplomacia no século XXI?

Nesta terça-feira (22), o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, inaugurou os debates da 75ª Assembleia Geral da ONU, cumprindo o rito tradicional, segundo o qual o Brasil é o primeiro país a discursar.

Mas o formato não teve nada de tradicional: o discurso do presidente foi gravado previamente e projetado em um telão, em um auditório da Assembleia Geral parcialmente vazio.

Neste ano, a ONU optou por realizar a Assembleia Geral em formato totalmente on-line, em função da pandemia do novo coronavírus.

Mas será que o formato on-line dificulta a interação entre os líderes mundiais? Como as reuniões virtuais vão impactar a diplomacia no século XXI?

A Sputnik Brasil conversou com Roman Reinhardt, professor associado da cátedra de diplomacia do Instituto de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO, na sigla em russo), para descobrir como as novas tecnologias vão impactar a diplomacia. 

"O processo de inserção de tecnologias na diplomacia começou já há algum tempo, mas a pandemia veio para acelerar o processo e romper com as resistências à inovação", disse Reinhardt à Sputnik Brasil.

Diplomacia do Zoom

Segundo o professor, o processo foi apelidado de "zoomplomacy", ou diplomacia do Zoom, em referência à plataforma de reuniões on-line que se popularizou durante a quarentena.

"A Assembleia Geral da ONU deste ano pode ser definida como 'zoomplomacy'", fenômeno que "sem dúvida influencia o processo de negociação, em particular o cerimonial diplomático", apontou o professor.

"Em uma Assembleia Geral presencial, na qual um chefe de Estado se dirige a Nova York, é necessário preparar esse acontecimento com uma antecedência enorme, cumprir uma série de protocolos e enviar delegação precursora", explicou Reinhardt.

"Isso demanda muitos recursos e o trabalho de um departamento de cerimonial", ponderou. "Agora essa estrutura praticamente ruiu."

© AP Photo / Mary AltafferDiscurso do presidente dos EUA, Donald Trump, para Assembleia Geral da ONU, é transmitido em tela, na sede da organização, em Nova York, 22 de setembro de 2020
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Discurso do presidente dos EUA, Donald Trump, para Assembleia Geral da ONU, é transmitido em tela, na sede da organização, em Nova York, 22 de setembro de 2020

Para Reinhardt, "esse processo não é necessariamente ruim", uma vez que nos "permite focar no conteúdo" dos discursos e das negociações, em detrimento das formalidades.

"Além disso, com certeza nos permite uma economia substancial de recursos", notou Reinhardt.

No entanto, o especialista lembra que o modelo adotado pela Assembleia Geral desse ano não é "um formato totalmente on-line", mas "híbrido".

"Enquanto os chefes de Estado estão gravando seus discursos no sofá de suas casas, ainda há intensa participação de seus ministérios no processo [...] e os diplomatas residentes em Nova York ainda comparecem [à sede da ONU] para assistir ao discurso na plateia", disse.

O sistema híbrido pode gerar perdas econômicas para os países que sediam grandes encontros internacionais, como a Assembleia Geral da ONU.

© Sputnik / Briandt Smith Discurso do presidente russo, Vladimir Putin, na 75ª Assembleia Geral da ONU é transmitido em residência, 22 de setembro de 2020
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Discurso do presidente russo, Vladimir Putin, na 75ª Assembleia Geral da ONU é transmitido em residência, 22 de setembro de 2020

Nova York recebia anualmente pelo menos 10 mil visitantes para o evento, que contribuíam para a economia local ao reservar quartos de hotéis, usar serviços de transporte e alimentação da cidade.

Por outro lado, os EUA, às vezes, utilizavam sua capacidade de país-sede da ONU para exercer pressão política contra países considerados rivais, ao negar visto para representantes participarem das reuniões.

Em janeiro deste ano, por exemplo, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, disse ter tido visto negado pelos EUA, o que o impediu de comparecer à reunião do Conselho de Segurança da ONU convocada para debater o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani.

© REUTERS / United NationsDiscurso do presidente do Irã, Hassan Rouhani, durante a 75ª Assembleia Geral da ONU, Nova York, EUA, 22 de setembro de 2020
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Discurso do presidente do Irã, Hassan Rouhani, durante a 75ª Assembleia Geral da ONU, Nova York, EUA, 22 de setembro de 2020

Segundo o acordo de sede firmado entre os EUA e a ONU em 1947, os EUA devem conceder vistos para que diplomatas estrangeiros participem das reuniões da organização. No entanto, Washington diz ter a prerrogativa de negá-los por razões de segurança.

Com o formato on-line, essa prerrogativa do país-sede cai em desuso, tornando mais amplo o acesso à participação. Os países-sede, por sua vez, podem economizar os recursos alocados na segurança do evento.

"Mas, assim que a situação epidemiológica permitir [...] acredito que a diplomacia vai voltar ao sistema off-line", acredita Reinhardt.

Negociações e videoconferência

Apesar de nenhum líder ter comparecido presencialmente a Nova York nesta terça-feira (22), os discursos transmitidos não deixaram de explicitar rivalidades e gerar polêmicas.

"O fato de [a diplomacia] ir para o formato on-line não deve trazer prejuízos aos processos de negociações em si", disse Reinhardt à Sputnik Brasil.

"Encontros como os da Organização Mundial da Saúde [OMS], ou de órgãos da União Europeia, realizados nos momentos mais críticos da quarentena [...], provaram que é possível trabalhar dessa maneira", acrescentou.

Para ele, existem desafios, uma vez que "boa parte do processo de tomada de decisão era feito por conversas informais".

© AP Photo / Mary AltafferDelegados chegam à sede da ONU para atender à 75ª Assembleia Geral da organização, em Nova York (EUA), 22 de setembro de 2020
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Delegados chegam à sede da ONU para atender à 75ª Assembleia Geral da organização, em Nova York (EUA), 22 de setembro de 2020

"Claro que levar todos esses elementos para o on-line é difícil, mas não impossível", acredita Reinhardt.

Além disso, um negociador astuto costuma ficar atento a elementos subjetivos no seu oponente, como seus gestos e linguagem corporal.

"Mas isso pode ser tranquilamente comunicado através das câmeras. O único problema pode ser a qualidade da conexão, que demandará serviços técnicos mais competentes", notou.

Embaixada on-line?

A adoção de novas tecnologias pela diplomacia levou alguns a questionar a necessidade de ministérios das relações exteriores manterem embaixadas físicas em países terceiros.

"Mesmo antes da pandemia, houve casos de países que abriram embaixadas virtuais para economizar recursos", lembrou Reinhardt. "Mas são casos extravagantes."

Os EUA, por exemplo, mantêm consulado virtual em San Marino e embaixada para a República Islâmica do Irã, com quem não mantêm relações diplomáticas.

© AP Photo / Mary AltafferJornalista filma a entrada da sede da ONU, em Nova York, EUA, 21 de setembro de 2020
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Jornalista filma a entrada da sede da ONU, em Nova York, EUA, 21 de setembro de 2020

"Com a pandemia, esse processo ganhou novos catalisadores", reconheceu Reinhardt. "Mas não acredito que nós vamos assistir a uma transferência massiva [de embaixadas] para o regime on-line."

"O prognóstico que faço para o curto e médio prazo é de que [as embaixadas] realizem uma redução de cerca de 10% a 20% de seu pessoal", previu o especialista.

"Mas como o mundo da diplomacia é por si só bastante conservador, esse processo deve acontecer devagar", concluiu Reinhardt.

© AFP 2023 / Timothy A. ClaryCartaz com informações sobre a COVID-19 ao lado de estátua em homenagem a Nelson Mandela, na sede da ONU, em Nova York, EUA, 22 de setembro de 2020
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Cartaz com informações sobre a COVID-19 ao lado de estátua em homenagem a Nelson Mandela, na sede da ONU, em Nova York, EUA, 22 de setembro de 2020

Os debates da Assembleia Geral da ONU tiveram início nesta terça-feira (22), e contou com discursos dos presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, dos EUA, Donald Trump, da China, Xi Jinping, entre outros.

Nesta quarta-feira (23), os debates continuam, com destaque para as intervenções dos líderes de Arábia Saudita, Venezuela e Afeganistão.

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