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Moratória do fogo na Amazônia não resolve maiores problemas da região, diz geógrafo

© AP Photo / Leo CorreaQueimada na Amazônia perto da BR-163 no Pará
Queimada na Amazônia perto da BR-163 no Pará - Sputnik Brasil
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O principal problema da Amazônia é a questão fundiária e decreto proibindo queimadas na região é um gesto impulsivo do governo, disse à Sputnik Brasil o diretor da ONG SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani.

Nesta quarta-feira (15), o governo federal anunciou edição de decreto para proibir o emprego de fogo na Amazônia e no Pantanal por um período de 120 dias. O objetivo da medida é conter as queimadas, que no ano passado atingiram recorde na Amazônia e causaram grande dor de cabeça internacional para a gestão do presidente Jair Bolsonaro. 

Em 2019, após alta nos focos de incêndio na região, o governo determinou uma moratória do fogo em agosto, fato que, aliado à pressão de atores externos e econômicos, fez as queimadas caírem. Neste ano, o decreto foi antecipado para evitar que os incêndios se alastrem descontroladamente.

No entanto, para Mantovani, "decretos não resolvem problemas como esse". O geógrafo afirma que a principal questão a ser resolvida na Amazônia é a ocupação fundiária, e a medida "mostra que o governo está atuando por impulso". 

"As queimadas na Amazônia são parte do maior problema ambiental brasileiro, que é o fundiário. Isso sim é o que o decreto deveria estar resolvendo, regularizando as áreas que são ocupadas por comunidades e reconhecidas, e não abrindo para a especulação como a gente vê, com a grilagem oficial", disse o especialista. 

Invasão de áreas de floresta

Em junho, a Global Forest Watch divulgou seu relatório anual, indicando que o Brasil foi responsável em 2019 por um terço do desmatamento em florestas primárias tropicais do mundo, que são aquelas afetadas o mínimo possível pela ação humana. O informe apontou ainda que, apesar do alto índice de incêndios registrados na Amazônia no primeiro semestre do ano passado, as queimadas não foram responsáveis pela maior parte do desmatamento de floresta primária, e sim atividades como grilagem, criação de pasto e abertura de terras para agricultura.

"O grande problema da Amazônia é essa ocupação, essa grilagem promovida com a questão do gado, invadindo e expandido para áreas da floresta", ponderou Mantovani. 

Ambientalistas costumam afirmar que os incêndios são um sintoma de desmatamento que ocorreu antes, com fins de exploração fundiária e econômica. 

'Campanha contra proteção da Amazônia'

Para Mantonavi, além do decreto não resolver o problema, o governo ainda atua contra a preservação da Amazônia. 

"Bolsonaro tem promovido uma verdadeira campanha contra a proteção da Amazônia. Colocando isso publicamente, dizendo que iria retirar os fiscais, e assim o fez. Dizendo que não teria mais controle, desconsiderando todo o trabalho que foi feito pelo Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], fazendo com que as terras indígenas ficassem totalmente a mercê de garimpeiros", criticou o geógrafo. 

Um Projeto de Lei (PL) do governo federal, que ainda não foi colocado em discussão no Congresso, prevê a exploração comercial de terras indígenas, o que regularizaria o garimpo nessas áreas. A medida é duramente criticada por ambientalistas e, segundo Mantovani, traria "ainda mais problemas" para a região. 

O Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), por sua vez, saudou o decreto do governo, ressaltando que as queimadas podem causar problemas respiratórios e agravar a situação gerada pela epidemia da COVID-19. 

'Esforços em questões estruturantes'

"Em 2020, o governo federal editou o decreto antes de a situação piorar, e esperamos que o resultado seja positivo. Isso é especialmente importante quando lembrado que mais fumaça no ar significa mais problemas respiratórios para a população nessas regiões, que podem se sobrepor à crise de saúde pública já existente devido à pandemia de COVID-19", disse a organização por meio de nota. 

Ao mesmo tempo, o Ipam alertou: "Para que decretos do tipo não sejam mais necessários e o fogo seja parte do passado, é necessário colocar esforços e recursos também em questões estruturantes". A instituição citou entre as soluções o uso de tecnologia nas práticas agropecuárias, aumento da fiscalização de estados e municípios e o fim do desmatamento. 

Nesta quinta-feira (16), um grupo de organizações da sociedade civil ingressou com pedido no Tribunal de Contas da União (TCU) para a continuidade e conclusão de auditoria nas políticas do governo Bolsonaro de combate ao desmatamento e às queimadas na Amazônia Legal.  

'É bom que chegue tanta pressão'

Para Mantonavi, ideias que vigoraram no passado, especificamente desde a ditadura militar, argumentando que era preciso ocupar a Amazônia para integrar e proteger o Brasil, são ultrapassadas, e o futuro ambiental depende de uma nova visão. 

"Não basta ficar olhando [para] o passado, [...] [pelo] retrovisor, mas pensar [em] políticas públicas que promovam a bioeconomia. A Amazônia é o maior ativo florestal e ambiental do mundo, que o Brasil tinha que estar agregando como valor às suas commodities. É um outro momento, que a nova política e a nova economia do planeta estão exigindo. E a gente não pode perder esse momento, é bom que chegue tanta pressão e quem sabe o governo acorde para essa realidade que se negou a ver, como negou a própria ciência e a cidadania", refletiu Mario Mantovani.
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