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Analista: Bolsonaro usa apoio econômico como barganha para flexibilizar isolamento

© Folhapress / Ellan Lustosa/Código 19Movimentação no hospital de campanha do Maracanã do governo do estado na zona norte do Rio de Janeiro.
Movimentação no hospital de campanha do Maracanã do governo do estado na zona norte do Rio de Janeiro.  - Sputnik Brasil
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O presidente Bolsonaro perdeu a prerrogativa de definir estratégias de resposta à COVID-19 e se utiliza de medidas previstas de apoio econômico como barganha para conquistar apoio ao isolamento vertical, diz cientista política em entrevista à Sputnik Brasil.

A demora do presidente Jair Bolsonaro em sancionar, vetar parcialmente ou totalmente ou devolver ao Congresso Nacional o projeto de lei que destina um socorro de R$ 60 bilhões a estados e municípios e prevê a suspensão e renegociação de dívidas destes entes com a União dificulta ainda mais os planos de combate à pandemia da COVID-19, principalmente em cidades com menor arrecadação, afirmam especialistas.

No último 6 de maio, o parlamento brasileiro aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 39/2020, que institui o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, prevendo um alívio de até R$ 125 bilhões, entre repasses e suspensão temporária de pagamento de dívidas (condicionada a medidas de controle de gastos e desistência de ações judiciais dos estados e municípios contra a União por causa da pandemia). No entanto, apesar da situação emergencial, esse auxílio, considerado essencial pelas administrações municipais e estaduais para a luta contra o surto da COVID-19, ainda não chegou. 

​Segundo o professor e economista Walter Penninck Caetano, diretor da Consultoria em Administração Municipal (Conam), sem transferências voluntárias por parte dos governos federal e estadual, pessoas físicas ou jurídicas, as prefeituras não sobreviverão financeiramente e socialmente à pandemia.

"Isoladamente, os municípios não possuem condições para enfrentar essa situação internacional pela qual estamos passando", diz o analista em nota enviada à Sputnik Brasil.

Caetano argumenta que, hoje, os municípios já são obrigados a destinar um mínimo de 15% da receita corrente líquida em saúde pública e que a maioria já despende com a pasta, normalmente, mais de 25%. E, ainda assim, o consenso é de que os serviços prestados à população nessa área são precários. E "para o enfrentamento da COVID-19, tudo se torna ainda mais difícil".

O repasse aos estados e municípios, o adiamento do pagamento de dívidas e outras medidas tomadas para diminuir o impacto econômico da pandemia deverão afetar significativamente as contas públicas, uma vez que serão financiados em boa parte com endividamento, que deverá subir do patamar de 76% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 para mais de 90% em 2020, segundo dados do secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues Júnior, citados pela Agência Brasil. 

​De acordo com o último balanço do Ministério da Saúde, o Brasil soma atualmente 271.628 casos confirmados de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus, com pelo menos 17.971 óbitos. Estudos sugerem que o país deve atingir o pico do surto ainda nesta semana, com boa parte dos hospitais do país já saturados e administrações necessitando de mais recursos para fortalecer seus sistemas de saúde. 

Para a cientista política Ariane Roder, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o governo deve usar o prazo máximo previsto para sancionar a PLP nº 39/2020, pois "há muitas questões em jogo".

Primeiramente, a especialista cita o pedido do ministro da economia, Paulo Guedes, para que não haja proteção a nenhum setor do funcionalismo em relação ao congelamento de salário, explicando que, "obviamente que essa ação afeta interesse inclusive de setores" da base de apoio ao governo, como militares e policiais, por exemplo.

"Há a expectativa de que ocorram alguns reajustes salariais até dia 27 de maio, prazo limite", afirma a acadêmica em entrevista à Sputnik Brasil.

Outra questão a se destacar, segundo Roder, é que o projeto e os pontos de veto possíveis "podem funcionar como moeda de barganha nas negociações com os governadores, considerando o desejo do presidente de pressionar por maior flexibilização do isolamento social", assunto que tem dominado os debates em torno do surto do novo coronavírus no país, com o presidente se queixando frequentemente sobre as implicações econômicas das restrições adotadas nos estados.

"Está prevista para essa semana uma reunião com os governadores, onde certamente essas questões estarão na mesa de negociação."

Ainda sobre o mesmo assunto, a cientista política avalia que esses embates não trazem nenhum tipo de benefício para o Brasil no atual momento, contribuindo apenas para dificultar "a governabilidade e, consequentemente, a construção de medidas coordenadas e efetivas para combater a pandemia e seus efeitos econômicos e sociais". 

​"O presidente perdeu a prerrogativa em definir as estratégias de como as cidades e estados devem responder à pandemia. Isso o colocou em rota de atrito com os entes federados. Assim, ele tem se utilizado dessas medidas previstas de apoio econômico como moeda de barganha para que conquiste apoio para sua proposta de isolamento vertical. Esses discursos dissonantes entre governo federal, governadores e prefeitos têm efeito nefasto para o efetivo combate à pandemia, pois a sociedade fica sem a adequada referência, é jogada em um embate dicotômico e politizado, diminuindo a compreensão do risco representado pelo vírus para a coletividade e diminuindo a adesão às medidas de isolamento social e demais estratégias correlatas."

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