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Analista: 'soldado' Bolsonaro usa táticas de guerra e vislumbra estado de sítio

© Folhapress / Zanone FraissatO presidente Jair Bolsonaro é acompanhado pelo general Ramos, durante a solenidade comemorativa do Dia do Exército na sede do Comando Militar do Sudeste, na zona sul de São Paulo, em 18 de abril de 2019.
O presidente Jair Bolsonaro é acompanhado pelo general Ramos, durante a solenidade comemorativa do Dia do Exército na sede do Comando Militar do Sudeste, na zona sul de São Paulo, em 18 de abril de 2019. - Sputnik Brasil
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Um dia após Jair Bolsonaro participar de um novo ato em que manifestantes pediam intervenção militar, especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil avaliaram a postura do presidente e as consequências da intensificação da crise política para o país.

Contrariando recomendações das principais autoridades sanitárias do mundo para evitar aglomerações durante a pandemia da COVID-19, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro voltaram a se reunir ontem (3), em frente ao Palácio do Planalto, para atacar instituições e adversários do chefe de Estado e pedir, mais uma vez, uma intervenção militar no Brasil. 

​Como já havia acontecido em ocasiões anteriores, Bolsonaro resolveu se juntar à multidão, acusando outros poderes de se intrometer em assuntos do executivo, em meio a investigações sobre uma possível interferência política sua na Polícia Federal, conforme acusações feitas pelo ex-ministro Sergio Moro, um dos principais alvos dos manifestantes, juntamente com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

"Peço a Deus que não tenhamos problemas nessa semana. Porque chegamos no limite, não tem mais conversa. Daqui para frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição", disse o presidente na ocasião, em referência a uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender a nomeação do delegado Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, para o comando da PF. 

​Acusado de se comportar de maneira irresponsável e perigosa por vários críticos, o chefe de Estado brasileiro vem acumulando um número cada vez maior de adversários nos últimos meses, perdendo importantes aliados e endurecendo o tom do discurso, comportamento que muitos analistas atribuem a uma tentativa de manter viva a estratégia de polarização e embate que o levou a vencer a eleição em 2018, negligenciando pautas mais urgentes, como o combate ao surto do novo coronavírus, para se concentrar na disputa eleitoral de 2022, a despeito dos inúmeros pedidos de impeachment apresentados contra ele.

"Eu acredito que o presidente Bolsonaro está agindo conforme um soldado age, na tentativa de tornar real a fantasia dele. Toda fantasia tem um tanto de real e todo real tem um tanto de fantasia. Nesse sentido, a fantasia do Bolsonaro encontra eco na realidade e produz efeitos na realidade", afirma em entrevista à Sputnik a cientista política Clarisse Gurgel, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). 

​Na visão da especialista, o presidente tem procurado fazer uso de todos os recursos que possui, tal como um soldado em situação de dificuldades, para defender seus interesses. E entre esses recursos estariam uma "dramatização constante" e uma tentativa de compor uma "junta militar" própria, como evidenciado em suas recentes participações em atos pró-golpe em Brasília.

O que o presidente possivelmente vislumbraria, segundo a acadêmica, seria uma situação de calamidade tão extrema que pudesse levar a um estado de defesa e, em seguida, a um estado de sítio, no qual ele poderia "violar ainda mais as liberdades individuais e as liberdades democráticas".

"Na minha avaliação, essas movimentações recentes do presidente Bolsonaro são táticas comuns de guerra, que implicam em repetição e acúmulo de força. Ele tenta aumentar o número da claque dele, aumentar o palanque dele, ele tenta aumentar a junta militar, ainda que as Forças Armadas não tenham deixado claro que posição têm nessa disputa", opina.

Para Gurgel, recentemente, tem se acirrado um confronto em que os adversários do chefe de Estado se apresentam mais claramente, encaminhando um enfrentamento mais direto entre as forças envolvidas. Entretanto, por mais esforços que possam ser investidos, ela acredita que Bolsonaro conseguirá, no máximo, manter o apoio que já tem, em torno dos 30%, "quando as pesquisas já indicam um desgaste na forma como conduz o seu governo e também um desgaste em relação às bandeiras que tem levantado e as posturas que tem assumido".

"Acho que é o que cabe a um presidente da República que é um soldado. Um soldado que quer viver uma fantasia de guerra e sabe os efeitos causais que a fantasia possui. É a forma como, portanto, uma pessoa como essa poderia atuar em uma situação de encruzilhada, em uma situação de aperto, de uma pressão maior, de uma ofensiva maior. O presidente parece estar em um cerco."

De acordo com o também cientista político Carlos Eduardo Martins, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Brasil vive, atualmente, um dos períodos mais graves de sua história republicana, no qual "o presidente participa de manifestações que atentam contra a Constituição e a democracia, ameaça outros poderes, conspira contra a saúde da população, faz uso da Polícia Federal para fins pessoais, assiste lives que defendem abertamente a guerra civil e o terrorismo para enfrentar os processos políticos democráticos, comete crimes de responsabilidade e comuns, e diz ter apoio das Forças Armadas".

Segundo o professor, embora o ministro da Defesa tenha se manifestado na tarde desta segunda-feira (4), dizendo que as Forças Armadas estariam ao lado da lei, as declarações de Fernando Azevedo e Silva foram "ambíguas, preocupantes e muito abstratas".

"Afirmam que as Forças Armadas consideram a independência e a harmonia entre os poderes imprescindíveis. Todavia, é preciso ficar claro que Jair Bolsonaro não é um poder da República, mas apenas um presidente em exercício, e que a Constituição prevê mecanismo de afastamento e deposição em caso de crimes no exercício do mandato, e que este controle é exercido pelo poderes judiciário e legislativo."

Para Martins, é importante deixar claro que "Jair Bolsonaro não pode estar acima de tudo e nem acima de todos e as Forças Armadas brasileiras, únicas que, na América do Sul, não responderam pelos crimes de Estado cometidos nos anos de chumbo, devem dar mostras mais nítidas do seu compromisso com a democracia no século XXI".

"Elas não podem estar com um indivíduo ou um grupo, mas têm que estar com a Constituição brasileira, os mecanismos de controle democráticos e a interdependência entre os poderes, nos termos da lei."

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