EUA teriam 'declarado guerra' à Rússia na área de energia atômica pacífica?

© Guillaume Souvent/AFPUrânio
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Os EUA têm se fiado no enriquecimento de urânio russo para suas usinas nucleares desde a queda da URSS, mas agora pretendem recuperar o terreno perdido.

Washington desenvolveu uma estratégia em quatro áreas para empurrar a Rússia para fora do mercado internacional de energia nuclear e se tornar um líder neste campo.

"O declínio da base industrial de energia nuclear dos EUA nas últimas décadas [...] tem ameaçado os interesses nacionais e a segurança nacional", diz um documento elaborado pelo Departamento de Energia dos EUA.

O projeto observa que o governo tenciona acabar com sua dependência do enriquecimento de urânio no exterior e entrar em mercados dominados por empresas estatais russas.

"A Rússia está fortalecendo sua influência econômica e de política externa em todo o mundo, com encomendas estrangeiras de reatores no valor de US$ 133 bilhões [R$ 731 bilhões]. Moscou tem planos para financiar a construção de mais de 50 reatores em 19 países", enfatizam os autores do documento.

O mercado mundial de reatores nucleares para os próximos dez anos está estimado em US$ 500-740 bilhões (R$ 2,73-4,05 trilhões).

O relatório do Grupo de Trabalho sobre Combustível Nuclear dos EUA foi agora divulgado: "Restaurando a Vantagem Competitiva Nuclear da América".

O departamento se propõe a agir em quatro áreas.

A primeira inclui objetivos como "fortalecer a indústria de mineração [...], apoiar o processamento do urânio [...] remover vulnerabilidades estratégicas do ciclo completo do combustível nuclear". O orçamento para 2021 deve reservar US$ 150 milhões (R$ 818,6 milhões) para a compra de urânio extraído nos Estados Unidos e formar o estoque estatal de matérias-primas nucleares.

Problemas iniciais

Outro dos passos inclui "usar as inovações tecnológicas e investimentos americanos em tecnologias nucleares de próxima geração para fortalecer a liderança dos EUA".

Os EUA têm enfrentado problemas na indústria nuclear desde os anos 1980, levando a uma brecha tecnológica com a Rússia desde então, fortemente potenciada pela empresa Rosatom.

Historicamente, os EUA enriqueciam urânio utilizando tecnologia de difusão de gás, ineficiente e cara, enquanto a URSS enriquecia urânio utilizando centrífugas, que exigiam 50 vezes menos eletricidade.

Urânio nos EUA pós-Guerra Fria

Os norte-americanos mudaram para o urânio enriquecido russo, 12 vezes mais barato, imediatamente após o fim da Guerra Fria. Os fornecimentos, iniciados pela Tekhsnabexport soviética em 1987, estavam constantemente aumentando.

O excesso de urânio de baixo enriquecimento soviético terminou rapidamente, mas graças à redução do arsenal de armas nucleares a Rússia liberou 500 toneladas de urânio (de alto enriquecimento) extraído das armas nucleares desmontadas. Depois surgiu a ideia de "diluí-lo", transformando-o em combustível para as usinas nucleares dos EUA.

Em 1994, a Rússia e os Estados Unidos assinaram um contrato para converter meio milhar de toneladas de urânio militar em combustível para usinas de energia, tecnologia desenvolvida por especialistas do Complexo Eletroquímico do Ural).

Como é que a Rosatom da Rússia, também conhecida como Uranium One, acabou com o dobro das reservas de urânio dos EUA? A "H" vendeu-lhe 22% das nossas.

Em 2013 foi assinado um novo contrato, desta vez para enriquecimento de urânio norte-americano na Rússia, o que, no entanto, era proibido pelas leis dos EUA.

A solução de Washington foi organizar a compra pela Rosatom da empresa canadense Uranium One, que explorava minas na Austrália, Canadá, Cazaquistão, África do Sul e Tanzânia.

Como resultado, a Rosatom obteve não só um canal para o comércio com os Estados Unidos, contornando as restrições, mas também uma enorme base de matéria-prima.

EUA ficaram para trás

Como a Tekhsnabexport forneceu a grande maioria dos serviços de enriquecimento de urânio para os EUA durante várias décadas, os norte-americanos acabaram por perder competências na área.

A Corporação Westinghouse norte-americana foi forçada a encher as reservas de combustível para reatores com urânio europeu, comprado da empresa britânico-alemã-holandesa URENCO, ou com urânio russo fornecido pela Tekhsnabexport.

O país norte-americano terá que gastar muito tempo e dinheiro e resolver muitos tipos de problemas para conseguir um abastecimento completamente autônomo de combustível nuclear.

A mineração de urânio cria riscos para as comunidades rurais, e os especialistas nucleares têm sérias dúvidas sobre os benefícios para a segurança nacional do aumento da produção nacional de urânio. No entanto, o Departamento de Energia de Trump recomenda que se jogue dinheiro nas minas de urânio.

Um dos problemas é que a mineração de urânio é uma produção muito pouco amiga do ambiente, utilizando enormes volumes de produtos químicos venenosos. Como tal, a implementação dos planos do Departamento da Energia certamente enfrentará protestos da população e de movimentos ambientalistas.

Urânio para aliados dos EUA

Como tal, a principal direção da estratégia norte-americana é a quarta, que prevê a implementação de uma "abordagem nacional para a exportação de tecnologias de energia atômica pacífica".

Ou seja, Washington pretende promover seus reatores nucleares usando os mesmos métodos usados para exportação do gás natural liquefeito (GNL), que incluem pressões diplomáticas e sanções contra os países e empresas que optam por cooperar com a Rússia, entre os quais não estão a Polônia e Ucrânia.

Kiev e Varsóvia já assinaram contratos plurianuais para o GNL ultramarino e facilmente entregarão a Washington sua energia nuclear.

© AP Photo / Rick BowmerResíduo nuclear, composto de urânio levemente enriquecido e resíduos, estocado na cidade de Clive, em Utah, nos Estados Unidos
EUA teriam 'declarado guerra' à Rússia na área de energia atômica pacífica? - Sputnik Brasil
Resíduo nuclear, composto de urânio levemente enriquecido e resíduos, estocado na cidade de Clive, em Utah, nos Estados Unidos

Além disso, é provável que Washington consiga a encomenda para construir uma usina nuclear na Arábia Saudita usando pressão política. Riad está realizando um concurso, no qual a Rosatom está liderando após duas rodadas, o que pode explicar a preocupação dos norte-americanos em conter a Rússia na esfera nuclear.

Chances de virar o jogo

Os EUA parecem ter poucas hipóteses de implementar sua nova estratégia sem usar pressão política, já que a Rosatom é intocável pela concorrência em todos os parâmetros, sendo isso visto também na Ucrânia.

Segundo o site internacional de operações de exportação-importação Importgenius, no ano passado a Westinghouse vendeu combustível para usinas nucleares da Energoatom ucraniana ao preço de US$ 996 mil (R$ 5,49 milhões) por unidade. Ao mesmo tempo, a Rosatom forneceu combustível para a usina nuclear Khmelnitsky no valor de US$ 675 mil (R$ 3,71 milhões), quase um terço mais barato.

Entretanto, o urânio da Westinghouse é enriquecido a 3,48-3,82%, enquanto a TVEL fornece urânio enriquecido a 3,99-4,38%, o que significa que o combustível russo é ainda mais potente.

"Quanto às tecnologias nucleares russas, elas são as mais confiáveis e comprovadas", reconhece Tim Yeo, presidente do Comitê Exclusivo de Energia e Mudanças Climáticas da Câmara dos Comuns do Parlamento Britânico. "Além disso, os russos promovem a capacidade de localização da cadeia de suprimentos e também fornecem um programa completo de treinamento para funcionários e operadores locais. Os outros fornecedores não conseguem oferecer um pacote de serviços assim."

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