Em defesa de hacker do Luanda Leaks, jornalistas avaliam momento 'perigoso' no Brasil

© Sputnik / Caroline RibeiroRepresentantes de consórcios jornalísticos e de plataformas de apoio a whitlesblowers se reunem para coletiva de imprensa em apoio a Rui Pinto
Representantes de consórcios jornalísticos e de plataformas de apoio a whitlesblowers se reunem para coletiva de imprensa em apoio a Rui Pinto - Sputnik Brasil
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Em Lisboa para uma coletiva em defesa de Rui Pinto, hacker português responsável pelos vazamentos do Luanda Leaks e do Football Leaks, o diretor do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), Gerard Ryle, diz que são "tempos perigosos para o jornalismo".

Ryle acredita que denúncias como as da Vaza Jato, iniciadas pelo portal The Intercept com material vazado por um hacker para o jornalista Glenn Greenwald, refletem o papel do jornalismo.

"Nenhum jornalista deve rejeitar informação. Não importa de onde ela vem, nosso trabalho é acessá-la e checar se é de interesse público. As pessoas no poder começam a perceber o perigo sob o qual estão e acho que vamos ver mais ataques ao jornalismo, não apenas aos denunciantes, e estamos vendo o começo disso no Brasil", diz Ryle à Sputnik Brasil.

As questões envolvendo o papel dos whistleblowers - denunciantes responsáveis por vazamentos de dados de interesse público - e a liberdade de imprensa marcaram o tom da coletiva. Além do ICIJ, também houve a presença de representantes do European Investigative Collaborations (EIC), consórcio que divulgou os documentos do Football Leaks; da The Signals Network, rede sem fins lucrativos que protege denunciantes; da Plataforma de Proteção dos Denunciantes na África (PPLAAF), organização que recebeu o material do Luanda Leaks de Rui Pinto e repassou para os jornalistas do ICIJ; e da equipe de defesa do português.

© Sputnik / Caroline RibeiroDelphine Halgand-Mishra, diretora da The Signals Network, defende liberdade para Rui Pinto
Em defesa de hacker do Luanda Leaks, jornalistas avaliam momento 'perigoso' no Brasil - Sputnik Brasil
Delphine Halgand-Mishra, diretora da The Signals Network, defende liberdade para Rui Pinto

Para Edwy Plenel, cofundador do jornal francês Mediapart, que é membro do consórcio EIC, cabe aos cidadãos não aceitar "a criminalização do jornalismo". "Todo jornalismo trabalha com segredos. Quando publicamos, dizemos às pessoas que não era um segredo, é uma informação de interesse público e o segredo era um pretexto para o crime organizado e corrupção. Foi a mesma coisa com o Pentagon Papers, 50 anos atrás, a diferença é a revolução digital. Podemos obter mais e mais informação, essa é a razão pela qual os poderosos estão ansiosos", diz Plenel à Sputnik Brasil.

"Se aceitarmos a extradição de Julian Assange, que Rui pinto não é um whistleblower servindo ao interesse público, mas um hacker criminoso, se aceitarmos que o jornalista Gleen Greenwald estava envolvido num crime de invasão, vamos destruir direitos fundamentais, aceitaremos a criminalização do jornalismo. Liberdade de imprensa não é nosso privilégio, é o direito de todo cidadão", completa.

Prisão de Rui Pinto

Rui Pinto está em prisão preventiva, em Lisboa, desde março de 2019, depois de ser extraditado pelo governo da Hungria, onde morava, para Portugal. O português é acusado de 90 crimes, que envolvem tentativa de extorsão e sabotagem informática, relacionados ao Football Leaks, a primeira série denunciada com material vazado pelo hacker.

O Football Leaks é considerado o maior escândalo da história esportiva. Em 2015, Rui Pinto começou a vazar uma série de documentos que desmascararam corrupção dentro da FIFA, levaram vários dirigentes à prisão e fizeram o suíço Joseph Blatter deixar a presidência da organização. Os vazamentos também implicam outras supostas fraudes de nomes internacionais do futebol, como o jogador Cristiano Ronaldo.

Nesta sexta-feira (14), a UEFA divulgou que o Manchester City está banido da Liga dos Campeões por duas temporadas, e terá de pagar multa de 30 milhões de euros. Em nota, a entidade diz que a equipe "cometeu violações graves" do regulamento e do "fair play financeiro, superestimando sua receita de patrocínio em suas contas e nas informações enviadas à Uefa entre 2012 e 2016". Os documentos que basearam a decisão foram vazados por Rui Pinto.

De acordo com Delphine Halgand-Mishra, diretora da The Signals Network, pelo menos 35 milhões de euros foram já foram recuperados por autoridades europeias depois dos vazamentos "e enquanto isso Rui Pinto está preso", disse na coletiva.

Luanda Leaks

"Mais de 200 jornalistas de duas redes colaborativas diferentes têm trabalhado nos dados de Rui Pinto nos últimos quatro anos, produzindo reportagens de capa em dezenas de veículos de comunicação na Europa e pelo mundo. Esperamos que os fatos que ele ajudou a expor tenham o mesmo nível de investigação judicial em Portugal, semelhante à atenção que Rui Pinto recebeu por supostos crimes", afirmou o coordenador do EIC, Stefan Candea.

Rui Pinto só assumiu que também era o autor do vazamento do Luanda Leaks dias depois do início das publicações dos jornalistas do consórcio ICIJ, no mês passado. O hacker entregou o material para a Plataforma de Proteção de Denunciantes na África (PPLAAF) ainda no final de 2018, quando vivia na Hungria.

O consórcio trabalha na análise de 715 mil arquivos. São denúncias que indicam que Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África, filha do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, teria desviado milhões dos cofres públicos do país, facilitada pelo governo do pai. Somente enquanto ocupava o cargo de presidente da Sonangol, a petrolífera estatal de Angola, a empresária teria desviado 115 milhões de dólares.

Isabel já está sendo investigada em Angola. Em Portugal, esta semana, as contas bancárias pessoais da empresária foram congeladas.

© Sputnik / Caroline RibeiroWilliam Bourdon, advogado de defesa de Rui Pinto, autor dos vazamentos do Football Leaks e do Luanda Leaks
Em defesa de hacker do Luanda Leaks, jornalistas avaliam momento 'perigoso' no Brasil - Sputnik Brasil
William Bourdon, advogado de defesa de Rui Pinto, autor dos vazamentos do Football Leaks e do Luanda Leaks

A equipe de defesa de Rui Pinto diz que ele mantém o interesse em colaborar com a justiça, já que a maior parte do material obtido pelo hacker, apreendido pelas autoridades portuguesas, ainda está encriptada.

"É um privilégio para um advogado ter um cliente desinteressado, corajoso. É um filho de Portugal e o país deve estar orgulhoso deste filho", disse o advogado William Bourdon na coletiva.

"Não estamos preocupados se Rui Pinto é um hacker ou não, porque os whistleblowers têm sempre a necessidade, para poder revelar o que está escondido, de violar a lei, regras ou segredos. Não é um criminoso, é um denunciante que deve ser protegido, e é assim que ele é visto por grandes procuradores da Europa. O lugar de Rui Pinto e em liberdade" completou o advogado.

Na semana passada, a justiça portuguesa julgou "improcedente" um recurso apresentado pela defesa para a soltura de Rui Pinto e manteve a prisão preventiva até o julgamento, ainda sem data.

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