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Brasil sonha com 5G em meio a preocupações com soberania e serviços problemáticos

© AP Photo / Ng Han GuanExibição promovendo a tecnologia 5G da Huawei em Shenzhen, na província chinesa de Guangdong (Cantão), em 19 de agosto de 2019
Exibição promovendo a tecnologia 5G da Huawei em Shenzhen, na província chinesa de Guangdong (Cantão), em 19 de agosto de 2019 - Sputnik Brasil
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Em preparação para a adoção do 5G, o Brasil precisa lidar com alguns obstáculos a fim de garantir uma implementação plena dessa nova tecnologia. A Sputnik traz aqui algumas das principais discussões em torno desse tema.

Nesta semana, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) do Brasil publicou uma portaria estabelecendo as diretrizes para o leilão das licenças do chamado 5G, tecnologia de quinta geração de telefonia móvel. A expectativa do governo é a de que os certames licitatórios das faixas de radiofrequências de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz aconteçam no segundo semestre deste ano.

Já disponível, em parte, em alguns países, o 5G deve chegar ao Brasil apenas em 2021, segundo as previsões mais otimistas. Sua diferença mais imediata será percebida na velocidade das tarefas realizadas na Internet, cerca de 20 vezes mais rápida do que o 4G. Mas vai muito mais além.

"Para assimilar isso, é preciso voltar no tempo e lembrar como o 2G, 3G e o 4G representaram enquanto avanços tecnológicos de grande impacto, principalmente relacionados aos smartphones. A segunda geração de celulares trouxe como grande diferencial o uso de SMS e envio de e-mails sem precisar usar um computador. Com o 3G, foi possível pela primeira vez enviar fotos e vídeos para outros aparelhos — saindo da era do texto como única forma de se comunicar entre celulares. Em seguida, o 4G (que chegou por volta de 2010 e se mantém até hoje) possibilitou um ganho substancial em velocidade, permitindo baixar conteúdo, realizar transmissões online e fazer grande parte das tarefas com as quais estamos acostumados — como ouvir música, assistir séries etc", afirma, em nota enviada à Sputnik, Ricardo Bonora, head de Telecom e Mídia da Indra no Brasil, uma das principais companhias globais de consultoria e tecnologia. 

​Bonora destaca que, graças às suas características técnicas, o 5G será aplicável nos campos mais distintos, indo além das funções de chamada, navegação na web ou realidade virtual. Ele trará ao mercado a possibilidade de criar novos produtos e segmentos de negócios, fomentará uma sociedade cada vez mais conectada e terá grande impacto tecnológico, econômico e social.

"Analisando essa inovação sob um espectro de longo prazo, será possível formar uma sociedade cada vez mais empática e criativa, na qual a tecnologia será mais um importante instrumento para a democratização do acesso à educação e saúde de qualidade. Com conexões mais rápidas, confiáveis e seguras, o 5G dará mais agilidade à prestação de serviços e poderá contornar dificuldades relacionadas a processos burocráticos ou morosos, que muitas vezes encarecem e podem diminuir a qualidade do serviço final oferecido."

Tecnologia x Soberania

Enquanto o 5G não chega por aqui, se acumulam discussões e questionamentos sobre a implantação dessa nova tecnologia no país. Entre os assuntos de maior repercussão, estão os que dizem respeito a questões de soberania, disputas entre modelos norte-americanos e chineses e à própria preparação do Brasil para entrar nessa nova era digital.

Aliado praticamente automático dos Estados Unidos desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil, assim como outros países próximos aos EUA, se vê sob forte pressão dos norte-americanos para restringir ou barrar a participação da China, por meio da empresa Huawei, líder no mercado, na implementação dessa nova tecnologia. 

​Os Estados Unidos argumentam que a companhia chinesa, que se encontra no foco de uma longa guerra comercial entre Washington e Pequim, traria riscos para a segurança de outros países, uma vez que a mesma poderia ser utilizada para fins de espionagem pelo governo chinês. No entanto, após realizarem investigações próprias, com base, inclusive, em supostas evidências fornecidas pelos americanos, Estados da União Europeia e também o Reino Unido descartaram ou minimizaram esses riscos, optando por não excluir a Huawei de seus programas tecnológicos.

No Brasil, recentemente, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do Brasil, Marcos Pontes, reagiu às pressões norte-americanas em torno do 5G afirmando que não vetaria qualquer empresa de entrar na disputa pelo estabelecimento dessa nova tecnologia no país. Apesar dessa postura do ministro, enquanto boa parte do mundo já se manifestou sobre a Huawei, Brasília segue adiando o anúncio de uma resposta final sobre o tema. Para alguns especialistas, por receio de desagradar Washington. 

​Para o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, independentemente da origem da empresa escolhida para a implementação do 5G no Brasil, há sempre um risco em relação à soberania nacional quando tratamos de um leilão envolvendo parceiros internacionais que terão acesso a informações sensíveis. 

Em entrevista à Sputnik Brasil, o parlamentar argumenta que o país tem pela frente um "caminho inevitável dessa evolução", descrita por ele como uma exposição na qual o Brasil estará submetido "à absorção de informações que acabarão se concretizando para terceiros". 

"Para tanto, precisamos realmente organizar um processo que venha atender às necessidades que um leilão desse acaba gerando para o país, mas também colocando, de uma forma muito clara, que as informações, as questões inerentes à ameaça da soberania têm que ser preservadas", diz ele.

Trad acredita que, considerando as disputas entre EUA e China no mercado do 5G, o Brasil não deve tomar partido nessa briga de potências, mas, sim, se preocupar com o que será melhor para os interesses nacionais. Segundo ele, qualquer que seja a decisão, é preciso se fundamentar no trabalho de "técnicos capacitados, independentes, que possam ser escalados para ficar à frente de todo esse processo" da montagem desse edital, com acompanhamento do Senado Federal.

"O senador Vanderlan (PP-GO) [presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática] também tem essa preocupação. Já entrou em contato comigo, nós já combinamos de atuar em conjunto justamente para garantir o melhor para o nosso país."

Brasil tem estrutura para implementação plena do 5G?

Com enorme potencial de mercado para essa nova tecnologia, o Brasil ainda apresenta alguns problemas relativos a inclusão digital e à qualidade dos seus serviços de telecomunicações. O consenso que se tem é que o país possui uma Internet muito cara, lenta, instável e limitada, se comparada à de outros países com características semelhantes. Frequentemente, prestadoras desse tipo de serviço figuram no ranking das empresas com maiores índices de reclamações por parte dos consumidores.

"O problema é que a implantação do 5G poderia, caso o governo delimitasse dessa forma, garantir uma qualidade maior de conexão e também uma redução de custo. O que nós temos no Brasil é que o custo da Internet ainda é muito superior se comparado a outros lugares. Essa é a questão. Agora, se não houver, vamos dizer assim, o uso adequado da melhor tecnologia, e se, também, não colocarmos o interesse público como algo que deve dirigir a implementação dessa tecnologia, nós, talvez, não tenhamos a qualidade nem o preço adequados", avalia, também em declarações à Sputnik Brasil, o pesquisador na área de Tecnologia da Informação e das Comunicações Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC. 

Segundo Amadeu, os problemas de preço e de qualidade da Internet brasileira se devem ao "modo como foi feito o processo de privatização das telecomunicações no Brasil", sem o controle adequado, as metas adequadas de implementação da banda larga e sem considerar esse um serviço público essencial, o que não permitiu exigências como as impostas à telefonia, por exemplo.

"No centro de São Paulo, quando a prefeitura foi fazer um projeto-piloto para as praças digitais, ela precisava pegar de uma fibra ótica a conexão da Internet, subir em um poste, a partir de um access point, um roteador, e abrir um sinal na praça. Aí, o que acabou acontecendo? Essa fibra ótica não existia, o que existia era par de cobre. Do lado da Biblioteca Mário de Andrade, depois de anos de privatização, não se tinha fibra ótica. Eu não estou falando do sertão de um estado longínquo, estou falando do centro da capital paulista. Por outro lado, você tinha algumas áreas sobrando fibras óticas. Em outras áreas, tinha uma carência total de instalações de Internet veloz, de banda larga. Foi falta de planejamento e de controle. Por não ser considerado um serviço público essencial o acesso à Internet, e a banda larga, que é a infraestrutura do acesso à Internet, o que acabou acontecendo é que nós tivemos uma implementação ao bel-prazer do mercado. E o mercado vai pôr banda larga onde ele achar que tem renda para poder implementar lá." 

​Reconhecendo a importância desses obstáculos, o senador Nelsinho Trad admite que há, de fato, muitos locais do nosso país onde os serviços de Internet deixam a desejar. De acordo com ele, é preciso avançar nessa questão sem se esquecer que o Brasil é um Estado de dimensões continentais e que, por isso, precisa de uma "tratativa toda especial" nesse sentido. 

"Eu estou muito otimista com essa evolução, sabendo e tendo a ciência da importância que vai ser essa questão de evolução para o nosso país." 

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