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Proteger dados de cidadãos é defender Brasil do 'neocolonialismo', diz especialista

© Sputnik / Aleksei Malgavko / Acessar o banco de imagensEm uma parte do ambiente conhecido como deep web redes de comunicação anônima podem ser acessadas com facilidade e acabam sendo usadas para circular conteúdo ilegal
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Na quinta-feira (7), Câmara e Senado promoveram fórum para debater o impacto da revolução tecnológica no Brasil. A Sputnik Brasil ouviu o cientista político Sérgio Amadeu da Silveira, um dos principais especialistas em tecnologia no país.

O fórum "Modernizar" promovido pelo Congresso Nacional, discutiu temas como inteligência artificial, futuro da alimentação, cidades inteligentes, propriedade de dados, bioengenharia, empregos do futuro e internet das coisas.

Em fala divulgada pela própria assessoria, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou que é preciso "preparar o Brasil" para as transformações tecnológicas e que considera a proteção de dados a parte mais importante desse processo.

“Os dados podem distorcer uma eleição e acabam distorcendo a democracia. A palavra do Brasil é modernizar: modernizar o estado, as nossas relações, modernizar a Câmara”, disse Maia.

​O interesse financeiro

Para discutir o aspecto dessa discussão que diz respeito à proteção de dados, a Sputnik Brasil entrevistou o professor e cientista político Sérgio Amadeu da Silveira, um dos maiores especialistas em tecnologia no Brasil.

"Os dados representam o que nós somos. Os dados são hoje também um dos principais insumos da sociedade da informação. Até tem um jargão na Europa que diz que os dados são o novo petróleo no século XXI", aponta o professor Sérgio Amadeu em entrevista à Sputnik Brasil, acrescentando um alerta sobre o interesse "neocolonialista" sobre dados em países como o Brasil.

Sérgio Amadeu foi um dos principais debatedores no Brasil do chamado Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados, que para ele, apesar de tardios, representam um grande avanço da legislação brasileira na proteção aos dados de cidadãos brasileiros diante de gigantes da tecnologia.

© flickr.com / Stephen McCarthy / Web Summit via SportsfileEdward Snowden fala durante a abertura da Web Summit, em Lisboa, no dia 4 de novembro de 2019.
Proteger dados de cidadãos é defender Brasil do 'neocolonialismo', diz especialista - Sputnik Brasil
Edward Snowden fala durante a abertura da Web Summit, em Lisboa, no dia 4 de novembro de 2019.

Amadeu alerta para a necessidade de atenção com a coleta de dados realizada por empresas do mercado financeiro, do mercado de saúde e do mercado de seguros. Para ele, tais mecanismos fragilizam as pessoas e podem aprofundar desigualdades.

"A gente tem que se preocupar não só com as chamadas plataformas - Amazon, Google, Facebook - mas temos que nos preocupar também com essas empresas financeiras e de seguros que passam a rastrear toda a sociedade para fazer ranqueamentos e classificações", afirma.

Através da Lei Geral de Proteção de Dados será possível saber quais tipos de classificações foram criadas por essas essas empresas, mas a legislação só entrará em vigor em agosto de 2020.

Dados no governo Bolsonaro e "biopoder"

Além das empresas de tecnologia, os dados também são acumulados pelos governo de forma preocupante, segundo pesquisadores como Sérgio Amadeu.

Dois decretos do governo do presidente Jair Bolsonaro chamam a atenção do pesquisador na questão de acúmulo de dados sobre cidadãos. São eles os decretos 10.046/2019 e 10.047/2019 que criam o Cadastro Base do Cidadão e o Comitê Central de Governança de Dados, além de ampliarem a coleta de informações sobre os brasileiros.

"[Os decretos criam] um cadastro nacional de informações sociais, um observatório de previdência e de informações, que reúne praticamente 51 bases de dados absurdamente importantes sem o controle da sociedade", aponta o cientista, preocupado com as consequências da medida.

O discurso oficial do governo sobre os decretos foi de concentrar a base de dados dos cidadãos em um único lugar e facilitar o acesso a benefícios sociais. Para o professor, os decretos teriam como objetivo não facilitar o acesso às políticas públicas, mas sim reduzi-lo através do aumento da vigilância.

"Você tem uma série de ações agora nos dados do governo efetivamente para vigiar pessoas, para monitorar pessoas, para tentar excluir o máximo de pessoas de benefícios sociais", aponta.

Segundo ele, a medida é preocupante pois tem como objetivo a redução da base de atendimento do Estado e do uso político do cruzamento de dados que vão desde informações biológicas ao histórico financeiro e escolar.

"A cara do decreto é de um decreto de biopoder, de um poder sobre a vida das pessoas", diz.
© ©Agencia Pública / Antonio CruzO presidente da República Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro posam durante cerimônia oficial da Marinha, em Brasília.
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O presidente da República Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro posam durante cerimônia oficial da Marinha, em Brasília.

Amadeu também afirma que não há garantias sobre a segurança desses dados, que devem incluir também biometria, íris, retina, rosto, voz e maneira de andar dos cidadãos, conforme o texto do decreto 10.046/2019.

"Como [esses dados] vão ser manipulados? Vai ter garantia de não ser vazado?", indaga o professor, que aponta o risco de que tais informações sejam compartilhadas com empresas.

A situação fica ainda mais complexa quando os dados de coleta de DNA do pacote anticrime do Ministério da Justiça e Cidadania são levados em conta. O professor Sérgio Amadeu alerta que o cruzamento desses dados pode abrir caminho para ranqueamentos e até ideias ultrapassadas como "justificação biológica" para crimes, algo de inspiração lombrosiana.

"Isso não trata simplesmente de privacidade, trata-se de defesa da sociedade contra uma vocação gigantesca de grandes estruturas corporativas ou estatais que possam prejudicar as pessoas, que possam piorar a vida da sociedade", arremata.

Colonialismo de dados

Um dos pontos levantados por Sergio Amadeu é o fato de que universidades brasileiras estão compartilhando bases de dados com empresas estrangeiras, o que para ele é um movimento arriscado.

"Nós não estamos sendo capazes de manter os nossos dados no nosso país. Os franceses chamam esse processo de novo colonialismo. O que essas grandes corporações do mundo rico estão fazendo aqui não é extrair mais madeira, pau-brasil e pedras preciosas. Elas estão extraindo aquilo que tem o maior valor hoje, que são dados", alerta o professor.

Com as informações captadas, segundo explica Amadeu, diversas tecnologias são desenvolvidas em outros países, o caso da inteligência artificial.

"Esses dados estão fazendo diferença para eles lá, porque eles estão ajudando a treinar algoritmos de redes neurais, de aprendizado de máquinas, de aprendizado profundo", explica.

O professor revela também sua preocupação com o estado da ciência no Brasil, afirmando que vimemos um momento histórico crucial. Para ele, falta investimento na ciência de ponta enquanto sobra perseguição política em universidades por "gente que diz que a Terra é plana".

"Nós estamos vivendo um momento muito difícil, onde nós estamos nos tornando uma colônia agora e o colonialismo, esse neocolonialismo, é o colonialismo tecnológico que é feito pelos dados. Lamentável", conclui.

Os dados no fortalecimento da democracia

O professor Sérgio Amadeu explica que a gestão correta e transparente dos dados pode garantir mudanças positivas. Entre elas, o aumento da participação popular nas decisões do Estado e o aprimoramento de políticas públicas.

"A tecnologia hoje permite não só que as corporações mapeiem perfis para ganhar dinheiro, modulando comportamentos, ela permite também que você possa utilizá-las para poder melhorar serviços públicos e ter uma participação direta das pessoas nos debates e algumas vezes nas decisões do Estado", afirma.

Amadeu ressalta que, nesse processo, a gestão democrática e transparente dos dados é fundamental. Só assim, os cidadãos podem ter certeza de como suas informações são utilizadas assim como ter autonomia para guiar esse uso.

"Tudo isso tem que ser feito sabendo que todos os projetos que envolvem dados podem ser usados de modo ambivalente. Então sempre temos que ter essa preocupação, uma preocupação com a guarda desses dados", avalia.
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