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Brasil se tornará um 'inferno' se questão ambiental não for levada a sério, diz biólogo

© Foto / José Cruz/Agência BrasilO presidente eleito, Jair Bolsonaro, participa de almoço com artistas sertanejos, no Clube do Exército, em Brasília
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, participa de almoço com artistas sertanejos, no Clube do Exército, em Brasília - Sputnik Brasil
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Nesta quarta-feira (5) se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente. Criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972, a data busca fomentar a consciência ambiental. No Brasil, o setor é alvo constante de críticas, e na gestão de Jair Bolsonaro, repleto de polêmicas. A Sputnik Brasil ouviu impressões de 3 ambientalistas sobre o momento atual.

Desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), há uma preocupação latente de ambientalistas com a política anunciada pela gestão para o meio ambiente. A nomeação de Ricardo Salles como ministro do Meio Ambiente, que já chamou o aquecimento global de “questão secundária”, foi um primeiro sinal das intenções de um governo que critica órgãos de fiscalização ambientais, relativiza a necessidade de áreas de proteção, reservas indígenas e ambientais, além de aliar-se com ruralistas.

Os ambientalistas ouvidos pela Sputnik Brasil explicam que há muito ainda para ser feito para a preservação ambiental no Brasil, e que o tema é muito maior do que combater o desmatamento e salvar a Amazônia.

'Meio ambiente não é só floresta'

Assim diz o especialista em meio ambiente, Luiz Prado, ex-presidente da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente do Rio de Janeiro (FEEMA), em entrevista à Sputnik Brasil.

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"Normalmente, quando as pessoas falam em política ambiental brasileira elas ficam olhando para as florestas, o que é um erro que foi muito grave nestes passados 20 anos, talvez", observa Luiz Prado.

Apesar da redução do desmatamento no Brasil, que chegou a 80% entre 2005 e 2012, a ótica ampliada de Prado explica que, apesar dos avanços, a preservação ambiental não tem sido bem feita no Brasil desde antes de Bolsonaro.

"Nenhum dos rios brasileiros melhorou de qualidade, os sistemas de coleta e destinação final de lixo continuam uma anarquia total", denuncia o especialista, citando ainda o gerenciamento costeiro no país, área responsável pela criação e gestão de portos e áreas do litoral.

Luiz Prado, porém, não poupa críticas à atual gestão e critica uma declaração de Bolsonaro feita em maio, quando o presidente afirmou ter intenção de transformar a região de Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro, em uma “Cancún brasileira”, a começar pela revogação de um decreto que criou uma estação ecológica no local.

"Não simpatizo com o tipo de turismo que é feito em Cancún e acho que não caberia em Angra, seguramente não caberia em Angra. É uma configuração geográfica diferente", afirma o ambientalista, que acrescenta: "Talvez ele não conheça Cancún. Aquilo é uma porcaria. Transformou-se em grandes prédios que abrigam turistas americanos de classe média".

O pesquisador, que sugere a transformação de parques nacionais em áreas de visitação com equilíbrio ecológico, a exemplo de Estados Unidos e Alemanha, não vê a aventura em Angra dos Reis como uma possibilidade real.

"Não tem a menor chance de isso acontecer. Aquela região de Angra já tem duas usinas nucleares, um estaleiro e por aí afora. Cancún era totalmente virgem quando fizeram o planejamento. Não tinha nada", diz.

Estudos científicos provam importância da fiscalização ambiental

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Paulo Barreto, engenheiro florestal e pesquisador associado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), disse, em entrevista à Sputnik Brasil, que a floresta amazônica tem sofrido mais ataques nos últimos 7 anos.

"A preocupação tem crescido no caso da Amazônia já há alguns anos. Desde 2012, houve uma série de medidas de políticas públicas que enfraqueceram a proteção da floresta, uma tendência de crescimento do desmatamento”, afirma.

Apesar do histórico que remonta ao primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), Barreto acredita que o risco para a maior floresta do mundo cresceu na atual gestão.

"[O governo de Jair Bolsonaro] tem intensificado uma hostilidade do poder público quanto à área ambiental. O próprio presidente ataca o que chama de 'polícia federal ambiental', que é o Ibama. O presidente tem uma linguagem bastante hostil ao Ibama", disse o ambientalista.

O engenheiro florestal assegura que a fiscalização, atacada por Bolsonaro, é comprovadamente importante para a proteção do meio ambiente.

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"O que a gente pode falar vem dos estudos científicos que mostram que a fiscalização é importante para reduzir o desmatamento", explica o pesquisador, que observa que os anos em que o Brasil registrou diminuição do desmatamento vieram acompanhados de maior empenho na fiscalização.

Barreto acredita que a postura do atual governo incentiva o desmatamento e a certeza de impunidade por parte dos infratores da legislação ambiental, que ficariam “confiantes” diante do tom adotado pelo governo.

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"Uma observação muito importante sobre essas áreas que estão sendo recuperadas é que o Brasil, em alguns momentos, já está tendo problemas de seca", explica o pesquisador Paulo Barreto. Para ele, um possível afrouxamento do Código Florestal "vai prejudicar a própria Agricultura".

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No entanto, é esse o caminho escolhido pelo governo. A Medida Provisória (MP) 867, que em maio foi aprovada na Câmara dos Deputados, pode diminuir a necessidade de preservação ambiental por parte de proprietários rurais e anistiar os que não cumpriram as exigências do Código. A MP não foi colocada em pauta no Senado, porém Bolsonaro declarou que pretende enviar uma nova MP com as mudanças aprovadas à Câmara.

Barreto explica que a falta de preservação que poderia decorrer do novo Código deixa o Brasil mais vulnerável em setores estratégicos, como o abastecimento de água e também a geração de energia em usinas hidrelétricas.

As consequências do desmatamento na Amazônia podem levar problemas para outras regiões do Brasil. Os efeitos vão para além dos problemas ambientais, que acarretam consigo problemas econômicos.

"Parte da chuva que chega em outras regiões do Brasil tem uma origem na umidade que é reciclada dentro da Amazônia. [...] E, tendo menos umidade nas outras regiões do Brasil, vai ter consequência de redução na produção", alerta Barreto.

Sem tratar o meio ambiente, Brasil se tornará um ‘inferno’

Com mais de 30 anos de atuação, o biólogo e ambientalista Mário Moscatelli foi enfático em sua entrevista à Sputnik Brasil, dizendo-se “apavorado”, “assustado” e “preocupado” com os desdobramentos na política ambiental do governo Bolsonaro.

"A nível federal eu estou assustado. Estou assustado, preocupado, porque eu entendo que a nova administração é um contraponto ao que vinha ocorrendo no Brasil nos últimos anos, na última década", ressalta.

O ambientalista acredita que essa forma de governar pode minar, inclusive, medidas corretas, do ponto de vista da proteção ambiental, que foram implementadas em governos passados.

"Muita coisa que acontecia no governo petista eu era totalmente contra, mas tantas outras coisas boas podem ser aproveitadas", afirma.

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Para ele, a própria autoridade institucional na proteção do meio ambiente está em risco no atual governo.

"Eu vejo um progressivo enfraquecimento do Ministério do Meio Ambiente, onde você tem uma série de medidas que vêm sendo implementadas. E eu, particularmente, acompanhando esse assunto, vivendo esse assunto há um pouco mais de três décadas, a gente fica extremamente preocupado", diz o ambientalista, que continua: "Você tem desde a revisão das Unidades de Conservação, as propostas do fim das reservas legais, à questão da desmoralização – muitas vezes – do setor da fiscalização federal”.

O ambientalista também rebate as posições do atual ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, que para ele são “sempre extremamente agressivas em relação aos pontos de vista de pessoas que necessariamente não concordam com os pontos de vista do ministro”. Sobre isso, Moscatelli alerta que “sem diálogo nas questões ambientais a gente não vai chegar a lugar nenhum".

O ambientalista ressalta também o ceticismo no governo em relação ao aquecimento global, além de um endosso tácito ao aumento do desmatamento.

"Então, a cada vez que o governo federal dá uma sinalização dessa 'ah, vou alterar o Código Ambiental, vou afrouxar não sei o quê', a turma que já vive, muitas vezes, na clandestinidade, na delinquência ambiental, aí mesmo que cai dentro!", exclama, ressaltando que a responsabilidade do governo “não é para os próximos quatro anos, não é para os próximos oito anos, mas é para as futuras gerações".

Em tom elevado, o ambientalista soa os alarmes ao dizer o que pensa sobre a atual gestão.

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"Eu não estou falando de viés político-partidário, eu estou falando de questão ambiental, de questão científica, eu estou falando da boa utilização dos recursos naturais para a atual e para as futuras gerações”, diz Moscatelli, que acredita que o atual governo deixará um legado de “destruição” e “degradação”.

Segundo o ambientalista, a sociedade não está reagindo à altura do perigo que o ataque sobre o meio ambiente representa e alerta para o perigo de “transformar as áreas metropolitanas do Brasil em verdadeiros infernos".

"Aquilo que dá sustentação à existência das cidades são os ecossistemas que estão sendo dizimados nessas mesmas cidades. Aí, quando você olha para propostas de revisão de unidades de conservação, muitas das quais só existem no papel, você fica apavorado!", exclama.

Moscatelli conclui a entrevista fazendo um apelo através de um alerta sobre o atual estado das coisas:

"Se a atual administração federal levar em conta que tudo o que foi feito no passado é ruim, e não aproveitar nada [...] e fazer diametralmente o contrário do que foi feito no passado, a gente vai, literalmente, transformar esse paraíso, esse conjunto de biomas, de ecossistemas que existem no Brasil, em um verdadeiro inferno”

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