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O que Bolsonaro e Ernesto Araújo farão com o BRICS?

© ReproduçãoO presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) posa ao lado de seu futuro ministro das Relações Exteriores, o embaixador Ernesto Araújo.
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) posa ao lado de seu futuro ministro das Relações Exteriores, o embaixador Ernesto Araújo. - Sputnik Brasil
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A postura diplomática do Brasil está mais à direita sob o governo de Jair Bolsonaro e com a batuta do chanceler Ernesto Araújo. Com a saída da UNASUL e a entrada em grupos como o Prosul, cabe perguntar: e o BRICS? Para responder a questão, a Sputnik Brasil ouviu Paulo Velasco, cientista político e pesquisador de Relações Internacionais.

Para o pesquisador apesar dos mais de três meses de governo Bolsonaro, ainda é cedo para ter certeza sobre os rumos em relação aos BRICS. Com a cúpula do grupo marcada para acontecer no Brasil este ano e com o exercício brasileiro da presidência rotativa do bloco, essa postura deve ficar mais evidente. No entanto, Velasco acredita que a postura do atual governo não coincide com a promoção do bloco.

"Olhando para alguns elementos do governo, sobretudo, por exemplo, nosso chanceler Ernesto Araújo, parece haver sim uma resistência ao que o BRICS significa. O BRICS significaria aí certamente uma iniciativa dos governos do PT e apontaria para aquilo que alguns chamam de alinhamento com o sul global", diz o pesquisador em entrevista à Sputnik Brasil.

Velasco acredita que, para o atual o governo, o BRICS possa significar também um alinhamento com "marxismo cultural" e com o "globalismo", termos que vem sendo usado por aliados e membros da atual administração federal.

"São conceitos muito vagos e etéreos, mas que são usados por vezes inclusive pelo nosso ministro de [Relações] Exteriores, tentando sinalizar que o Brasil buscaria agora uma orientação mais ocidentalizada, próximo de parceiros mais tradicionais do Norte, a saber, notadamente os Estados Unidos e países europeus", afirma.

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Mesmo diante dessa abordagem apresentada na postura da chancelaria, Velasco aponta que interesses econômicos e comerciais de grupos domésticos podem influenciar a postura internacional brasileira. É o caso da China, maior parceira comercial do Brasil e que não poderia ser ignorada nessa dimensão.

"Gostemos ou não, ele [o grupo do BRICS] serve de vitrine para o Brasil, e talvez seja hoje a única vitrine de que o Brasil dispõe para se projetar um pouco mais na cena internacional", explica Velasco.

A possibilidade perigosa, acredita o pesquisador, é a de que o Brasil passe a emular a postura dos Estados Unidos com a China. Para ele, essa seria uma receita certa para perdas comerciais e econômicas do Brasil.

"Guinada à direita" pode quebrar tradição diplomática brasileira

O Brasil mantém uma tradição internacional de não interferência e de neutralidade em assuntos políticos. Para Velasco, essa forma de tocar as Relações Internacionais está em risco no governo de Jair Bolsonaro.

"Para além da dimensão econômico-comercial, econômico-financeira, uma guinada à direita significaria um abandono da nossa tradição universalista. Ou seja, um Brasil que busca se inserir na cena internacional optando por um leque amplo de parceiros, uma lógica de diversificação de parcerias", aponta Velasco.

Essa postura universalista seria importante pois garantir ao país mais parceiros nos vários campos da agenda internacional, tanto na economia quanto na diplomacia. Uma mudança de postura nesse sentido pode colocar em risco essas possíveis parcerias e também a própria tradição diplomática brasileira.

"Uma guinada à direita pode até ser feita mas ela tem que respeitar as tradições diplomáticas do Brasil, uma das mais importantes tradições em universalismo. E o BRICS é naturalmente uma prova desse universalismo, porque reúne países de todos os continentes, com exceção de países da Oceania", reitera o especialista.

Uma das demonstrações mais evidentes da mudança de postura internacional brasileira foi a saída da UNASUL, criada durante os governos do PT e associada à esquerda. Além de deixar o grupo, o Brasil se alinhou a governos de direita na região na criação de um grupo similar, Prosul.

"É uma demonstração sim, exatamente, dessa visão mais estreita, mais tacanha de política internacional, que tende a enxergar ideologia em tudo e consequentemente acaba levando a uma renúncia de oportunidades", opina o pesquisador.

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A UNASUL, acredita o pesquisador, foi um importante grupo de articulação para os interesses dos países locais. Ele remete ao fato de que apesar do alinhamento de esquerda ou progressista que marcou a UNASUL, países com governos de direita, como a Colômbia, se fizeram membros ativos do grupo.

Velasco explica, porém, que a saída da UNASUL não afetaria diretamente as relações com o BRICS, pois o órgão nunca foi utilizado como ponte de diálogo entre ambos. Porém, já serviu para cúpulas com países árabes e africanos.

"O Prosul, que vem para substituir a UNASUL, supostamente sem essa pecha ideológica, ainda não é nada. O Prosul é uma promessa, é uma ideia muito vaga", enfatiza o pesquisador Paulo Velasco, que explica que o grupo ainda não conta com a "institucionalidade" e com a "base normativa" que tinha a UNASUL.

Velasco também alerta que o Prosul é uma demonstração de postura que difere da tradição universalista brasileira e que apresenta, sob o pretexto de combater a ideologia, um viés ideológico "muito mais à direita".

BRICS e a Nova Rota da Seda

A postura diplomática brasileira em relação aos países do BRICS pode selar a a participação brasileira no projeto mais ambicioso da China, a Nova Rota da Seda. Na semana passada o fórum de debate do projeto econômico atraiu 120 países, mostrando a capacidade de articulação e influência chinesa. Velasco alerta que a postura assumida pelo Brasil será fundamental para as parcerias no âmbito desse projeto.

"Seria uma atitude absolutamente suicida renunciarmos a uma proximidade com China ou a recepção de investimentos e financiamento chineses em nome de uma ideologia estúpida de luta contra o que se chama de marxismo cultural, repito, que ninguém sabe exatamente o que é isso", alerta.

O especialista lembra que o governo de Bolsonaro, diante da realidade econômica, recuou de uma postura crítica inicial em relação à China. Esse recuo ficou evidente em falas do ministro da Economia, Paulo Guedes, e também no início do ano com o encontro de Bolsonaro em Brasília com um diplomata chinês.

"Certamente é um bom exemplo para vermos como a realidade acaba de alguma maneira desidratando, desinflando aqueles arroubos mais histriônicos, ideológicos do início do governo que apontavam para um distanciamento em relação à China. […] A realidade fez o Brasil perceber que não é por aí e que não podemos, em nome de uma ideologia tacanha, abrir mão das relações com a China", afirma.

Segundo o Itamaraty, o saldo comercial do Brasil com o BRICS foi positivo em US$ 30,7 bilhões em 2018, somando 52% de todo o superávit comercial brasileiro no ano. No anterior a cifra foi de US$ 23 bilhões.

Brasil precisa retomar fôlego na relação com a Rússia

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Paulo Velasco também lamenta que a Rússia não esteja elencada entre as prioridades da política externa brasileira. Ele recorda que o Brasil já manteve relações comerciais de grande fluxo financeiro com Moscou na última década e acredita que a manutenção de boas relações entre os países seja importante.

A Rússia segue sendo grande compradora da carne brasileira, o que chegou a motivar uma viagem do então presidente Michel Temer à Moscou após o escândalo de corrupção da JBS.

O pesquisador acredita que a postura díspar de ambos os países em relação à Venezuela não venha a ser um problema na relação entre os dois, mas que não acredita que o Brasil fará esforços de aproximação com o Kremlin.

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