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35 anos atrás, derrota das 'Diretas Já' abria caminho para abertura democrática

CC BY 2.0 / Célio Azevedo / Senado FederalManifestações populares em frente ao Congresso Nacional durante a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985.
Manifestações populares em frente ao Congresso Nacional durante a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985. - Sputnik Brasil
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Há 35 anos, o Congresso Nacional rejeitou a emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições presidenciais diretas. A negativa frustrou a agitação popular que tomou as ruas do país aos milhões nas manifestações pelas "Diretas Já". Para lembrar o episódio, a Sputnik Brasil ouviu um historiador e um deputado participante da sessão.

Naquele 25 de abril de 1984, com uma Ditadura Militar decadente, a votação deu maioria pelas diretas, porém, não a quantidade de votos necessários para aprovar uma emenda constitucional. Foram 298 votos a favor do projeto do deputado Dante de Oliveira, 65 contra e 113 ausentes. Eram necessários 320 votos para garantir que a emenda fosse à frente.

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A Sputnik Brasil conversou sobre o episódio com um dos deputados federais da época, o engenheiro Haroldo Lima, que votou a favor da emenda derrotada.

Lima é também ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e é vinculado ao PCdoB. No entanto, à época da votação, era membro do PMDB pelo estado da Bahia. Em seu relato à Sputnik Brasil, o ex-deputado recorda o clima e o contexto da votação Dante de Oliveira.

"Foi um passo significativo de democratização da vida brasileira. Quando houve a anistia — não geral, não ampla e não irrestrita, mas foi a possível — que ocorreu no ano de 1979, nós já estávamos com a Ditadura mais ou menos de crista baixa. Ela só permitiu a anistia em um ato já defensivo, um ato já de fraqueza", relembra Haroldo Lima, que acrescenta que a Ditadura vivia uma fase de decadência.

É o que também afirma, em entrevista à Sputnik Brasil, Guilherme Carvalhido, historiador da Universidade Veiga de Almeida.

"[A votação] foi muito importante porque trouxe à tona para a população e posteriormente — a população está vinculada aos seus parlamentares — para eles tomarem uma decisão mais à frente pelo processo da redemocratização. Foi muito importante, fundamental para que reiniciássemos essa discussão política", acrescenta.

Carvalhido explica que o olhar popular em relação ao regime militar tornou-se cada vez mais negativo conforme os resultados econômicos prometidos não eram alcançados.

"Você tinha ali um governo muito enfraquecido, sobretudo devido a uma crise econômica sem precedentes. Uma crise gigantesca, a gente estava em um professo inflacionário muito grande, havia um decréscimo econômico muito forte, mostrando que aquele movimento não estava a contento", aponta o historiador.

"E a população já sentia isso, principalmente a partir da segunda crise do petróleo, de 1979, ao qual o Brasil era muito dependente. Isso foi uma crise mundial […]. E o governo militar da época não conseguiu não conseguiu concretizar aquilo que conseguira no final dos anos 1960 e início dos 1970, que foi um crescimento extraordinário, que chegou à casa de 13%", acrescenta.

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Com esse momento coincidiram a anistia concedida pelo governo a perseguidos políticos e abriu-se espaço para uma movimentação mais intensa da crítica ao regime militar. Logo após, em 1982, houve eleições para governadores, aumentando o movimento pela redemocratização.

O ex-deputado Haroldo Lima explica que após a anistia um grupo grande de pessoas que participava da luta política contra o regime militar pôde chegar ao Congresso. Lima foi também um preso político e integrou, ao lado de Dante e Oliveira, esse grupo renovador.

A proposta de emenda à Constituição de Dante de Oliveira para permitir a eleição direta para presidente foi apresentado logo no início da legislatura, em 1983, relata Lima. Porém, o projeto ficou parado até que o presidente da Câmara, Ulisses Guimarães, decidiu colocá-la em discussão em sintonia com as ruas.

"Foi uma coisa impressionante. De norte a sul do Brasil, enormes os comícios, as passeatas, as manifestações, as assembleias, as proclamações, que eram feitas todas defendendo a agenda Dante de Oliveira", aponta o ex-deputado, que continua: "Ficamos entusiasmados, o entusiasmo era geral. foi um momento assim de renascença da luta popular no Brasil. Ajudou muito no processo popular na América Latina, porque o Brasil tem um peso muito significativo, na América do Sul, sobretudo".

Em 1984, com o crescimento das mobilizações, duas grandes manifestações marcaram as diretas já. A primeira, no Rio de Janeiro, reuniu 1 milhão de pessoas na Candelária. E a segunda, a nove dias da votação, colocou 1,7 milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

"A movimentação terminou incorporando amplos setores. Vieram os advogados, vieram os juristas, vieram personalidades de importância, escritores, políticos… e vieram também artistas […]. Teve uma artista, que é a Fafá de Belém, que se transformou na musa das Diretas Já", lembra Haroldo Lima.

Apesar da derrota, abriram-se os caminhos para a democracia

Mesmo com o clima de agitação que levou milhões às ruas das principais capitais brasileiras pedindo pela abertura democrática, a proposta de Dante de Oliveira foi derrotada no Congresso.

"Foi uma coisa chocante, porque nós tivemos uma grande maioria, mas não chegamos aos 320 que era necessário para votar e ganhar uma emenda constitucional", recorda o ex-deputado Haroldo Lima.

Haroldo Lima explica que a derrota veio em decorrência da continuidade da força da Ditadura ainda dentro do Congresso. À época, o governo militar pressionou os deputados para esvaziar a sessão, garantindo as 113 ausências.

Porém, nota que a maioria obtida contou com muitos votos de partidos ligados aos generais, que foram, aos poucos, se convencendo pelo apoio à proposta de eleições diretas.

"Se nós tivéssemos feito a votação da campanha Dante de Oliveira no início da campanha a nossa derrota era flagrante, era enorme! O que aconteceu foi que nós fomos mudando o voto do pessoal da Ditadura. Não mudamos o suficiente, mas a vitória foi significativa para nós", lembra eufórico o ex-deputado.

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A partir daí, abriu-se definitivamente o processo de redemocratização do país. Para o historiador, Guilherme Carvalhido, a redemocratização foi garantida através na eleição indireta no ano seguinte, que pela primeira vez, desde 1964, colocou frente a frente duas figuras civis para assumir a presidência: Tancredo Neves, na oposição, e Paulo Maluf, apoiado pelos militares.

Com a morte de Tancredo, coube a Sarney dar prosseguimento ao processo de abertura democrática com a Constituição de 1988, consagrada na eleição direta de 1989.

"Resultado: Nós ganhamos o próprio presidente do partido do governo, que era o José Sarney. O Sarney passou para o lado de cá e disse que ia votar na oposição. E isso que terminou por aí selando o voto na vitória do Tancredo, derrotando o regime militar", conclui Haroldo Lima, que acrescenta: "Perdemos a batalha, mas ganhamos a guerra".

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