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Dark web, armas e jovens frustrados: o que o Brasil pode fazer com o pós-Suzano?

© REUTERS / Amanda PerobelliMulher coloca vela em frente a Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, Grande São Paulo, palco do atentado que deixou 10 pessoas mortas
Mulher coloca vela em frente a Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, Grande São Paulo, palco do atentado que deixou 10 pessoas mortas - Sputnik Brasil
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O massacre ocorrido em uma escola em Suzano na semana passada deixou muitas perguntas e angústias que precisam ser resolvidas pela sociedade brasileira. A Sputnik Explica o que pode ser feito para que episódios como esses não virem recorrentes no país.

Era quarta-feira, dia 13 de março de 2019, 9h30 (horário de Brasília), e os 600 alunos da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, desceram para o intervalo quando ouviram barulhos que pensavam inicialmente ser "bombinhas de festa junina". Se enganaram.

Os barulhos eram tiros disparados de um revólver com numeração raspada da marca brasileira Taurus, calibre 38. Os autores dos disparos, os ex-alunos da escola Guilherme Tauci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, disparavam a esmo contra seus alvos como se estivessem em um jogo de videogame.

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A cena de terror deixou dez pessoas mortas, incluindo dois funcionários, os dois assassinos e seis alunos do colégio. Outros 11 foram feridos pelos ataques. Mas o que fica de lição após esse ataque? O que esse tipo de ação fala sobre a sociedade brasileira? Onde estamos errando?

A Sputnik Brasil entrevistou especialistas de diversas áreas para saber o que fazer no pós-Suzano para que massacres desse tipo sejam evitados.

Armas nas mãos de professores e funcionários evitariam as mortes?

O luto e a dor das famílias que perderam os seus filhos não impediram que políticos de diversos espectros ideológicos usassem o acontecimento politicamente para fazer campanha pela flexibilização ou não do porte de armas no Brasil.

O senador Major Olímpio (PSL-SP) afirmou que o massacre teria sido evitado caso os funcionários da escola estivessem armados.

"Se tivesse um cidadão com arma regular dentro da escola, professor, servente, um policial militar aposentado, ele poderia ter minimizado o tamanho da tragédia. Vamos, sem hipocrisia, chorar os mortos e discutir a legislação, e onde estamos sendo omissos ", disse.

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Horas depois Olímpio foi rebatido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que afirmou que a ideia aventada por alguns defensores da ideia do porte de armas, levaria a uma "barbárie".

"O que eu espero é que alguns não defendam que, se os professores estivessem armados, teriam resolvido o problema. Pelo amor de Deus. Espero que as pessoas pensem um pouquinho primeiro nas vítimas dessa tragédia e depois compreendam que o monopólio da segurança pública é do Estado. Não é responsabilidade do cidadão", disse Maia aos repórteres sem citar o Major Olímpio.

Um levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz, a partir do ataque em Suzano, mostrou que desde 2002, ao menos oito escolas brasileiras sofreram com episódios em que alunos ou ex-alunos armados abriram fogo contra estudantes e funcionários. Os atentados deixaram um total de 28 mortos e 41 feridos no período.

"Se fizermos uma média, os massacres acontecem a cada dois ou três anos", comentou Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto à Sputnik Brasil.

Em metade desses casos, os jovens atiradores utilizaram armas que estavam armazenadas em suas casas, segundo o levantamento. Dos oito casos registrados desde 2002, seis utilizaram a pistola calibre 38 da Taurus.

"Agora imagina se nós, de fato, flexibilizarmos como muitos querem, outros tipos de armamento. Ou mesmo a flexibilização do acesso ao revólver Taurus 38. O estrago que isso teria sido causado, os danos e de vítimas poderiam ser muito maiores", explicou Ivan Marques.

No entanto, o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, pondera dizendo que não é apenas do acesso às armas a culpa da tragédia ocorrida na Escola Estadual Raul Brasil e que "muito fatores que levam a situações como a de Suzano".

"Acho que não há uma correlação direta entre mais armas em circulação e mais massacres em escolas. Mas, sem dúvida nenhuma, há uma correlação entre mais armas em circulação e mais armas disponíveis para resolução de conflitos de forma violenta e armada", completou.

O que são os ‘chans' e como eles ajudaram na tragédia de Suzano?

Os dois autores do atentado em Suzano estão sendo investigados por uma possível ligação com um grupo virtual no qual mensagens de ódio são espalhadas e crimes violentos são prometidos constantemente.

Os chamados "chans", fóruns virtuais muitas vezes situados na dark web entraram na mira da Polícia Federal e do Ministério Público após os assassinatos.

Segundo Arthur Igreja, professor da FGV e especialista em tecnologia e inovação, esses fóruns virtuais, não são sempre espaços de propagação de ódio, mas em muitos casos são criados com esse fim.

"A dark web é totalmente voltada ao anonimato, foi criada originalmente para ser um canal de delação, um canal confiável para pessoas que são perseguidas, jornalistas, então háquem usa esse tipo de artifício usa para o bem", disse em entrevista à Sputnik Brasil.

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Um desses fóruns comemorou o massacre de Suzano minutos após o ataque ser noticiado, segundo uma matéria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo.

"Homens de bem honrados", escreveu um usuário do fórum Dogolachan, abaixo da foto dos responsáveis pelo ataque mortos. "Temos os nossos primeiros atiradores sanctos formados no Dogola", completou outro, segundo o jornal.

Esse tipo de fórum fica em uma parte da internet em que é difícil rastrear os usuários, só acessível com um navegador que mascara seus dados, o Tor.

"O problema que o anonimato gera é que quando acontece uma tragédia, nós não conseguimos identificar os usuários, ou seja, no fórum se fala em muitos usuários falando sobre técnicas de massacre, uma série de ameaças, só que nós não conseguimos de forma confiável atribuir identidade", explicou Igreja.

Para o psicanalista Sérgio Luís Braghini, coordenador do curso de pós-graduação em Psicossociologia da Juventude da Fundação Escola Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o problema é que esses jovens acabam absorvendo os discursos de ódio propagado nesses fóruns.

"O adolescente acaba reproduzindo, nas entrelinhas, algo que ocorre no discurso social. Quando a propagação desses discursos se torna algo além de um ato isolado, quando começa a ocorrer em certo número, não é mais um fenômeno individual, tem alguma coisa que está ocorrendo no social que de alguma maneira transmite isso", comentou em entrevista à Sputnik Brasil.

Entre 2017 e o ano passado, houve aumento de 29% no número de ações na Justiça acompanhadas pelo Ministério Público Federal (MPF) relacionadas a crimes de ódio na internet — os registros passaram de 342 em 2017 para 442 no ano passado.

E agora, o que fazer no pós-Suzano?

Além das investigações policiais sobre as motivações que levaram esses jovens a atacar a Escola Estadual Raul Brasil, é necessário que se pense em como prevenir para que casos semelhantes não se tornem frequentes.

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Para Ivan Marques, a resposta que tem que ser dada para que isso não ocorra passa pelo fato de ser necessário que olhemos menos para os nós mesmos e mais para os outros.

"É um trabalho da sociedade brasileira parar de buscar o individualismo e passar a ter coesão enquanto tecido social. A sociedade brasileira capaz de enxergar os seus membros, seus cidadãos para que elas não recorram a esse tipo de sociabilidade via dark web para que problemas psicológicos, frustrações, sentimento de não pertencimento e busca por vingança acabe permeando as motivações de muitos desses jovens que cometem esse tipo de atrocidade", concluiu.

Já Sérgio Luís Braghini defende que seja construída algum tipo de memória desse caso na Escola Estadual Raul Brasil, para que seja lembrado e nunca mais repetido.

"A memória é fundamental para que a gente possa esquecer. A gente só pode lembrar de algo que esqueceu. Se eu apago, não tenho sequer a possibilidade de esquecer. (…) Não é a memória que nos é traumática, é o não poder esquecer que nos é traumático", concluiu.

Resta saber como a sociedade brasileira vai reagir ao pós-Suzano para que as lembranças das imagens traumáticas desse 13 de março de 2019 não virem feridas abertas que se espalhem por outros lugares do país.    

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