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'Eles impõem parceria na força', diz analista sobre negociação da reforma da Previdência

© AP Photo / Eraldo PeresHamilton Mourão e Jair Bolsonaro.
Hamilton Mourão e Jair Bolsonaro. - Sputnik Brasil
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Em 20 de fevereiro aconteceu em Brasília o 3º Fórum de governadores reunindo os chefes dos executivos dos estados com as lideranças do Planalto e do Congresso Nacional para discutir a Reforma da Previdência. Para a cientista política Clarisse Gurgel, ouvida pela Sputnik Brasil, a negociação é ‘política pura' e contradiz discurso do governo federal.

A negociação com o governadores contou com a presença do presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Ministro da Economia, Paulo Guedes. A reunião é parte de um esforço para garantir votos para a Reforma da Previdência apresentada no mesmo dia na Câmara e no Senado. Apesar disso, o Fórum de Governadores será mantido e as reuniões devem ser realizadas a cada dois meses.

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Clarisse Gurgel, cientista política e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) explica, em entrevista à Sputnik Brasil, que os termos dessa negociação expõem um 'mercado político' em movimento com o objetivo de agradar setores sociais comprometidos com a reforma. Segundo ela, boa parte dessa negociação é protocolar e deve servir para buscar vantagens.

"Os governadores na sua maioria, no Brasil, representam setores conservadores […]. Esses governadores não são contra a reforma da previdência em seu conteúdo, mas eles precisam firmar uma posição de vacilação, ou seja, de indecisão em relação a uma posição que já está tomada, que é favorável a retirada do direito dos trabalhadores para tornar o trabalhador mais barato", pondera a pesquisadora.

Para utilizar o poder de barganha os governadores podem encaminhar a reforma em seus estados e convencer parlamentares locais pelo voto em favor da medida no Congresso. Isso, segundo a pesquisadora, trata de "expandir o mercado político" e usar o apoio político como moeda de troca.

Política tradicional e catastrofismo falso

Em um evento do banco BTG Pactual na terça-feira (26), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou que irá contornar um erro da gestão anterior e passará a cobrar apoio político como contrapartida à ajuda oferecida aos estados. Para a pesquisadora Clarisse Gurgel, essa postura aponta uma relação de ‘chantagem' política em relação aos estados, algo já presente na negociação atual.

Segundo ela, o discurso de alarme em torno da reforma da Previdência é também parte dessa postura do governo federal.

"O chefe da Casa Civil, o Onyx Lorenzoni, ele faz uma fala que é muito sintomática. Ele vai dizer: a questão da Previdência já não é mais uma questão ideológica nem partidária. E aí se imprime um caráter de urgência, de catastrofismo e de inevitabilidade, na necessidade de reforma da previdência, ao mesmo tempo que diz que é uma escolha. Não é uma questão ideológica, não é uma questão mais partidária, é uma escolha. 'Mas, se nós não escolhermos isso o Brasil está fadado ao insucesso'", explica.

Clarrise Gurgel entende que esse discurso sobre a reforma da Previdência é falacioso, pois a seguridade social está assegurada na Constituição federal e dos estados.

"O que está em questão aí, antes de tudo, é o que eles estão chamando de sucesso, o que eles entendem por sucesso no Brasil. Porque se vocês forem atentar, se nós todos formos atentar, a Previdência ela está no rol de seguridade social, prevista nas constituições — constituição federal e constituições estaduais", questiona Gurgel.

Ela remonta ao uso da Desvinculação da Receita da União (DRU), criada em 1994 e prorrogada em 2016, para o uso de recursos da seguridade social em outras áreas do orçamento. Segundo ela, é aí que se origina a ideia de crise previdenciária, quando na verdade haveria recursos para saná-la.

"Por desvincular essa receita é que você tem uma retirada de recursos que são obrigatórios para a seguridade social e que sai da previdência para isso. Então não é que falta dinheiro para a seguridade social, o que não pode ser feito é desvincular a receita da União da seguridade social e é o que o governo está fazendo", aponta.

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Clarisse também cobra que haja uma auditoria nos estados em relação às crises financeiras citando que recursos públicos destinados aos megaeventos como as Olimpíadas de 2016 e a Copa do Mundo de 2014 ainda não foram explicados. E ao mesmo tempo, os estados sustentam não ter recursos para saldar compromissos sociais.

"Mas uma auditoria pública necessária a ser feita ainda não foi feita para se explica para onde foi esse dinheiro e porque que um rol que diz respeito a direitos sociais como o da seguridade social, que está previsto na constituição estadual não tem sua verba garantida quando deveria ter verba garantida", explicita a pesquisadora.

"Então existe uma fantasia de crise fiscal que serve ao projeto de tornar os trabalhadores mais baratos para garantir taxas de lucro que estão sob ameaça por conta da desigualdade crescente no país e no mundo", arremata.

"Não é só um Estado policial, mas é um Estado fortemente político"

O uso de peças publicitárias e a postura de uso de força política para a aprovação da reforma da Previdência é uma forma de chantagem política, segundo Clarisse Gurgel.

"O governo federal, ele não só faz uma chantagem com espectadores que assistem as suas campanhas publicitárias — que se não tiver reforma da previdência o Brasil caminha para o insucesso — mas também faz uma chantagem com os governo, que se não aderirem a um projeto de flexibilização do estado e retirada de direitos vai ter seus recursos cortados também e vai ter uma espécie de austeridade por parte do governo federal, uma ausência de parceria", explica.

Gurgel entende que essa relação "nada mais é do que política, política pura, porque a política é força. E eles impõem uma parceria na força". E segundo a pesquisadora, é provável que esse tipo de relação deva continuar ao longo do governo Bolsonaro, com ‘chantagens' políticas, mesmo que ‘protocolares' tendo em vista o apoio dos governo à linha política do governo federal. Durante as eleições de 2018, 14 dos governadores eleitos apoiaram Bolsonaro.

"O que a gente tem é um agravamento da condição de mercado político. Uma coisa que vai na contramão do que o governo dizia né, que ia ser um governo técnico, sem partidos, sem politização, o que a gente tem é um aumento da politização do Estado no sentido que ele condiciona os governos dos estados a uma adesão inquestionável à sua política para então conseguir o apoio que o governo federal, qualquer governo federal, pode dar às suas entidades federativas, aos seus entes federativos", pontua.

Clarisse Gurgel ainda aponta que o uso da ameaça durante a barganha política é uma característica do atual governo.

"A gente pode dizer que a gente testemunha, a despeito de não parecer isso, a gente testemunha o Estado ainda mais político. Não é só um Estado policial, mas é um Estado fortemente político que usa de poder de ameaça, de poder de barganha, de seu poder de chantagem para conquistar suas parcerias pelo Brasil afora", conclui.

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