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Pacote de Moro é 'tímido' com corrupção e 'perigoso' na letalidade policial

© José Cruz/Agência BrasilSérgio Moro, juiz da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba
Sérgio Moro, juiz da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba - Sputnik Brasil
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O Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou nesta semana um pacote com uma série de medidas anticrime voltadas ao combate à violência e à corrupção que gerou polêmica na sociedade. A Sputnik Brasil ouviu dois especialistas que divergiram em suas opiniões sobre o assunto.

A Sputnik Brasil ouviu dois advogados que comentaram as medidas apresentadas pelo ministro Sérgio Moro nos pontos do combate à corrupção, criminalização do chamado caixa 2, prisão em segunda instância e letalidade policial.

Yuri Sahione, advogado e professor de direito, em entrevista à Sputnik Brasil, disse que acredita que o pacote de medidas de Moro é "tímido" quando o assunto é o combate à corrupção.

"Relativamente à corrupção o pacote é um tanto quanto tímido em um determinado aspecto, já que o combate à corrupção é um dos eixos do pacote. O que tem de concreto em termos de pacote? Que o crime de corrupção e aqueles a ele assemelhados, como peculato, vão ter como regime especial padrão o regime fechado".

Apesar da crítica, Sahione ressalta aspectos positivos do pacote de Moro no que tange o combate à corrupção.

"Tem um aspecto no combate à corrupção que é muito positivo no projeto, que é a introdução do que se chama no inglês de 'whistleblower' […] que é aquela pessoa, que não precisa ser um funcionário público, mas qualquer pessoa que procura a administração pública e relata um fato que ela tem conhecimento que esteja vinculado à prática de algum ato ilícito", explica Sahione. Ele ainda lembra que o projeto pretende remunerar em 5% o denunciante caso o dinheiro desviado seja recuperado, uma medida que já existe nos Estados Unidos, inspiração de Moro.

Para Marcus Vinícius Cordeiro, diretor de comunicação da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, as medidas só podem surtir efeito na corrupção com uma análise mais aprofundada.

"A corrupção eu acho que tem que ser bem analisada no nosso caso, porque ela perpassa todas as camadas, ela perpassa o âmbito político, todos os partidos e todos aqueles que tiveram contato com o poder econômico para o jogo político e tendo a contrapartida", aponta o advogado em entrevista à Sputnik Brasil.

"Só se mudarem a Constituição"

Lembrando que não há uma legislação específica para criminalização do caixa 2, o Yuri Sahione explica que os processos do tipo eram tipificados sob o crime de falsidade ideológica.

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"A criminalização do caixa 2, ela veio para resolver uma lacuna que existia na legislação eleitoral e eu não acho que tem nenhum grande avanço em relação a essa medida, mas tão somente uma correção necessária", explica.

Marcus Vinícus, da OAB-RJ, vai na mesma linha, mas aponta ainda que a medida abre a possibilidade de interpretação de que o chamado caixa 2 não era crime anteriormente.

"Não deixa de ser uma medida organizadora, tipificando melhor. O que dá a entender até que antes não era crime, que agora passa a ser e antes não era. Então você tem aí várias pessoas que certa, ou erradamente, acabaram pagando por esse crime que ainda não era tipificado […]".

O ministro Sérgio Moro também apresentou uma medida sobre a prisão em 2ª instância. Porém, Sahione lembra que essa é uma competência que cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF), que vem debatendo a questão nos últimos anos.

"[…] o Supremo já teve uma decisão de que há necessidade para o trânsito em julgado para a prisão. Depois, especialmente com o HC do ex-presidente Lula, ele afirmou que é possível a prisão em 2ª instância, mas nós temos no nosso código do processo penal um artigo que determina que a prisão só pode ser com o trânsito em julgado, então o Supremo vai dizer se esse artigo é constitucional ou não", ressalta o especialista.

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O advogado ainda acrescenta que devido à natureza do assunto, a decisão do STF poderia se sobrepôr às propostas de Sérgio Moro.

"Então esse é um aspecto que consolida a opinião do presidente, consolida a opinião do ministro Moro, mas pode acabar nem saindo do papel para o debate público se o Supremo Tribunal Federal entender que a Constituição determina que há de se aguardar o trânsito em julgado", explica Sahione.

Marcus Vinícius, da OAB-RJ, pensa de forma parecida, mas defende que o que deveria prevalecer é o texto constitucional.

"Mais do que estar no Supremo e constar no pacote de medidas repressivas do ministro, está na Constituição. Só se mudarem a Constituição teremos nós, advogados, juristas e defensores do Estado de direito democrático […] somente com esta providência é que poderia de fato prevalecer algo que já está prevalecendo sem que a Constituição seja observada", opina o advogado.

Licença para matar?

Já em relação ao ponto mais polêmico das medidas, em que se abrem possibilidades para o uso da força letal pelas polícias com maior amplitude em razão da legítima defesa, os dois advogados se dividem.

Para Yuri Sahione, a medida "avança com relação ao conceito de legítima defesa que existe hoje no direito brasileiro". Ele explica que o conceito de legítima defesa pode ser aplicado quando o indivíduo em questão estiver "na iminência de sofrer um mal injusto, uma agressão" e "usa então os meios proporcionais" para se defender. Essa ideia, segundo ele, quando aplicada à ação policial obriga o agente de segurança a agir apenas em caso de risco proporcional. Com a proposta de Sérgio Moro, no entanto, isso muda.

"Agora com essa proposta, o conceito de legítima defesa já não é aquele de que você tem que estar na iminência de sofrer uma agressão. O policial pode agir para prevenir a injusta agressão. Então ele coloca a legítima defesa em um passo anterior à agressão que o policial pode vir a sofrer", aponta Sahione.

"Isso significa, por exemplo, que se um policial identificar, por exemplo, como acontece no Rio de Janeiro, em uma patrulha policial eles observam um carro estranho, o policial olha para dentro do carro e percebe que há pessoas com armas de grosso calibre, com fuzil. Aquele exemplo que comumente chamam de 'bonde'. O policial não é obrigado a primeiro exigir a parada do veículo, ele pode simplesmente iniciar uma ação violenta. Não necessariamente o projeto vai iniciar um abate imediato".

O especialista sublinha que a letalidade não seria liberada, "mas certamente há uma grande flexibilização dessa hipótese de que a polícia vai poder, de forma antecipada, começar o confronto".

Por sua vez, Marcus Vinícius Cordeiro, da OAB do Rio de Janeiro, não vê a medida com bons olhos e acredita que ela pode aumentar a violência. Para ele, medidas repressivas contra o crime sem a presença de medidas sociais têm poucas chances de surtirem efeito.

"Nós temos que discutir medidas sociais para combater a violência. Medidas repressivas são fáceis, assim, razoavelmente mais fáceis de serem adotadas. As medidas sociais, diminuir a distância entre ricos e pobres, diminuir a injustiça da distribuição de renda no país, o poderio econômico excessivo daqueles que comandam. Então isso tudo tem que ser colocado também como sendo pontos de relevância para qualquer pacote que queira combater a criminalidade", explica o diretor da OAB-RJ.

Especificamente, ele acredita que a medida que amplia a ideia de legítima defesa policial pode agravar uma situação antidemocrática já existente.

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"Eu vejo com extrema preocupação, e falo em nome da Ordem também — a Ordem que patrocinou uma campanha nos últimos dois anos dos desaparecidos da democracia que são vítimas, certamente, de uma repressão e de uma atuação policial desenfreada e fora de parâmetros democráticos […], aponta o advogado.

"É muito perigoso, extremamente perigoso, antidemocrático, que se pense em uma solução em que já há o salvo-conduto para o policial não ter nenhum tipo de punição, não ter nenhum tipo de sequela se usar de força desmedida, arbitrariedade, uso indiscriminado do armamento que ele tem posse que tem uso. Todas essas questões que nós não precisamos nem esperar para ver. Nós temos aí as estatísticas, temos aí a realidade", conclui Marcus Vinícius.

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