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Eleições do WhatsApp: como redes sociais deram as cartas na política do Brasil em 2018?

© Allan White/ Fotos PúblicasWhatsApp
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As eleições ainda não acabaram, mas já é possível dizer que o que marcou de manheira histórica a campanha eleitoral até aqui foi a ampla utilização das redes sociais como método de campanha e disseminação de notícias, falsas ou não. A Sputnik Brasil analisa a influência que os grupos de WhatsApp exerceram no processo eleitoral de 2018.

O Brasil conheceu no último domingo os candidatos que irão disputar o segundo turno da Presidência e do governo dos Estados, além dos novos deputados, senadores e governadores dos próximos quatro anos. Se ainda é uma incógnita se a mudança de quadros na política brasileira representará uma real mudança no cenário atual, ainda é cedo dizer. Há, no entanto, uma certeza que torna esta disputa eleitoral histórica e paradigmática: as redes sociais, sobretudo os grupos de WhatsApp, mudaram a forma tradicional de fazer politica e ditaram muitos dos resultados verificados no primeiro turno. A Sputnik Brasil conversou com especialistas sobre o tema e traz uma análise sobre os impactos das novas tecnologias na política brasileira. 

Televisão X Redes sociais

Já faz alguns anos que o as redes sociais são uma importante plataforma no cenário político no Brasil e no mundo, servindo para diversas campanhas de conscientização, plataformas de candidatos, movimentos sociais, mobilização de protestos, além, é claro, de dar voz a qualquer manifestação espontânea de qualquer usuário e gerar inúmeros debates políticos. As eleições de 2018 no Brasil, no entanto, mostraram uma articulação inédita, capaz de virar o jogo da tradicional maneira de fazer campanha eleitoral. 

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Em entrevista à Sputnik Brasil, Maurício Moura, pesquisador da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, e fundador da Ideia Big Data, que realiza pesquisas de opinião via celular, observou que o uso do WhatsApp já havia tido um peso muito grande nas eleições do México e Colômbia, por exemplo, e no Brasil não foi diferente. 

"Foi uma plataforma essencial. Desde a eleição presidencial até outras eleições, passando por governo de Estado, Senado e Congresso, onde muitos eleitos praticamente balizaram a sua campanha pelo WhatsApp e nas redes sociais pela disseminação de conteúdo. Assim como aconteceu no México e na Colômbia, o WhatsApp foi o protagonista desta eleição", destacou. 

Já Victor Piaia, doutorando em Sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (IESP_RJ), destacou o fato de que já havia a expectativa de um impacto das redes sociais nestas eleições, mas não se esperava que este anulasse tão significativamente o peso da campanha televisiva. 

"Toda a literatura estava esperando algum impacto das redes sociais, mas a impressão que dava é que a TV ainda iria exercer um impacto muito forte. E o dado consolidado é: o Alckmin não alavancou e o Bolsonaro se manteve. Eu fui acompanhando a política no WhatsApp e alguns grupos em que estou, como andava a circulação de conteúdo. De um modo geral, a impressão que eu tenho é que eu não sei se eles serviram para aumentar o número de votos do Bolsonaro, mas tiveram um papel importante na manutenção [dos votos]", afirmou. 

"Normalmente a TV dá um enquadramento dos temas que serão discutidos no cotidiano, nos bares, no trabalho. De alguma forma, eu estava vendo nos grupos do WhatsApp, os enquadramentos estavam sendo construídos lá dentro. Eles conseguiam montar narrativas e perspectivas que apareciam na TV que invertiam muitas vezes um estímulos que a TV estava mandando", acrescentou. 

Segundo ele, o diagnóstico que se pode ter a partir do resultado das eleições no primeiro turno é que a disseminação de conteúdo no WhatsApp teve um impacto muito maior do que o esperado.

Diferença entre as campanhas presidenciais

É comum observar uma oscilação entre as intenções de votos para os candidatos em época de campanha, e um dos principais termômetros que que balizam certas expectativas é o tempo de televisão dos candidatos. Assim, antes da iniciar a campanha eleitoral na televisão, as candidaturas que chegaram ao segundo turno já indicavam uma certa consolidação de seu eleitorado: Lula, que antes de ter a candidatura impugnada liderou as pesquisas, transferindo muitos de seus votos para Fernando Haddad, e Jair Bolsonaro, que também vinha com uma popularidade crescente em todo o período pré-eleitoral.

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Havia, no entanto, uma expectativa que este quadro poderia se alterar, principalmente pelo domínio de tempo que PSDB tinha no horário eleitoral, gerando uma expectativa de que o candidato Geraldo Alckmin pudesse subir significativamente nas pesquisas. O que se viu, na verdade, há pouco dias das eleições foi uma queda significativa do candidato tucano e uma alavancada sem precedentes de Jair Bolsonaro, assim como outros candidatos de sua legenda. 

De acordo com Maurício Moura, "há uma estimativa que na campanha presidencial o conteúdo do candidato Jair Bolsonaro atingia de 40 a 50 mil grupos [de WhatsApp] diariamente". "Além disso, é só olhar a quantidade de políticos que foram eleitos pro Congresso sem o fundo partidário, e que tinha o WhatsApp como principal forma de disseminação de conteúdo", acrescenta. 

Victor Piaia também corrobora que a campanha do candidato Jair Bolsonaro demonstrou uma predominância sem precedentes nos grupos do WhatsApp.

"Pelo que eu tenho percebido, o Bolsonaro domina completamente o debate. Quantidade de informação, variedade de informação, tudo isso ele tem uma capilaridade enorme.  […] Uma coisa que não dá pra negar, que ele teve uma adesão popular muito grande. Evidentemente houve uma coordenação de campanha, foi uma estratégia da campanha, mas não só isso. Os grupos são muito cheios e com muita coisa girando ali", afirmou.  

Victor Piaia também participa do projeto 'IESP-RJ nas Eleições', que engloba a plataforma "Boletim do WhatsApp", que funciona como um receptor do conteúdo que está sendo compartilhado pelos grupos do aplicativo a partir de um número que serve de plataforma de envio. A partir disso, o pesquisador analisa as movimentações mais relevantes da campanha eleitoral.   

Ao comparar a movimentação da campanha do PT e do PSL, Piaia afirmou que a forma a projeção de Fernando Haddad foi limitada nos grupos de WhatsApp, pois normalmente havia limitação na interação entre os usuários, restringindo a dinâmicas dos grupos ao envio de material por parte da direção da campanha.

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"Em relação ao Haddad, o que eu tenho visto são iniciativas que cumprem uma estratégia mais clássica, com a campanha mandando coisas", observa. 

Victor Piaia conta que um característica que ele observou em alguns grupos do PT em que ele está inserido, é que nestes grupos só os administradores podem postar e mandar conteúdo. 

"Neste último boletim começou a aparecer material efetivamente de ataque ao Bolsonaro, aí foi quando começou a aparecer de modo relevante o PT dentro das redes sociais", afirmou. 

'Santinhos do zap' 

O pesquisador do IESP observou que nas últimas semanas foi verificada a ampla disseminação de listas de candidatos do Bolsonaro com todos os cargos e em todos os Estados.

"Se você observar que disparou nas eleições acima da margem de erro, invertendo tudo o que o Ibope estava falando, foram só candidatos do Bolsonaro. Então a impressão que eu tenho é que foi feita uma coordenação muito bem feita deses votos", disse. 

De acordo com ele, os grupos do WhatsApp foram muito eficientes ao disseminar a lógica dos chamados "santinhos", materiais usados para divulgar campanhas eleitorais. 

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"Como boa parte das pessoas decide os votos nos últimos dias da campanha, o referencial era o Bolsonaro e o santinho estava no celular. Todo mundo recebeu em algum momento o santinho com os candidatos dele. Eu acho que isso teve um peso muito importante", argumenta Victor Piaia. 

"Essa votação que os candidatos de Bolsonaro conseguiram de modo surpreendente, para mim, foi coordenação de grupos de WhatsApp,  Foi santinho. Boa parte das pessoas chega na votação, nem tem candidato, sobretudo uma votação em que a pessoa tem sete números diferentes para colocar, e é normal que  pessoa procure o seu referencial", frisou. 

Avanço da tecnologia e mudança de hábitos

Ao comparar com as últimas eleições presidenciais, o pesquisador e fundador do Ideia Big Data, Maurício Moura afirmou que o processo eleitoral de 2014 foi muito mais voltado para o Facebook. De acordo com ele, o protagonismo que o WhatsApp ganhou este ano está muito associado com a mudança de hábito das pessoas. 

"A maioria das pessoas acessa conteúdo e se relaciona com o telefone celular com muito mais intensidade. Tem um número que as pessoas acessam o telefone celular no Brasil para olhar a internet, o que inclui o WahtsApp, 30 vezes por dia. E o conteúdo que está na TV está no celular, o conteúdo que está na rádio está no celular, então o celular passou a ser o principal meio de informação. E o WhatsApp surfou nessa onda. Então as eleições passam pelo celular, eu não tenho dúvidas disso", destacou.

De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Centro de Tecnologia de Informação Aplicada, da FGV, atualmente existe mais de um smartphone por pessoa no Brasil. Além disso, o número de adultos que utilizam smartphones aumentou de 24% para 54% entre 2014 e 2017.

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Já o pesquisador Victor Piaia destacou o fato de que, diferentemente do Facebook, por exemplo, a novidade de trazer a discussão política para os grupos do WhatsApp é de que estes debates ocorrem em uma esfera privada e não aberta para o público. 

"A gente tem muito ainda o que pensar sobre isso. Mas todos os indícios, todos os movimentos da campanha sugerem que as redes sociais, principalmente o WhatsApp,  que difere do Facebook porque se entra em grupos com pessoas próximas, é como se fosse um espaço 'privado'.  O Facebook normalmente é um lugar de discussão pública, você posta pra todo mundo ver", observou. 

É possível controlar as fake news?

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou na última quarta-feira (10) que irá se reunir com representantes do WhatsApp para discutir a segurança eleitoral, sobretudo a ampla disseminação de fake news, em uma tentativa de prevenir e criar uma defesa contra boatos e falsas acusações. 

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O pesquisador Maurício Moura, no entanto, se mostrou cético em relação ao controle que se possa ter sobre o avanço da tecnologia, afirmando que o crivo em relação às fake news deve partir do receptor das notícias. 

"Quem tem que fazer crivo não é a tecnologia, são os receptores dessas mensagens que compartilham notícias falsas. Principalmente a educação de quem recebe e compartilha vai fazer a diferença nesse jogo de fake news. Ficar tentando responder fake news que está circulando na internet é enxugar gelo, a tecnologia só vai aumentar esse potencial de escala", declarou. 

De acordo com ele, "ninguém tem maturidade para lidar [com este fenômeno] e nem deve lidar". "É um fenômeno que é impossível de controlar, passa por um próprio desenvolvimento tecnológico", completou o especialista.  

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